CARNE DE SUÍNOS EM FASE DE CRESCIMENTO
Determinação das características físico-químicas da carne de suínos em fase de crescimento
Carcaças de oitenta suínos abatidos no Matadouro-Escola do campus da USP, em Pirassununga, foram avaliadas nos seus aspectos físico-químicos com o objetivo de verificar a qualidade da carne e a incidência de anomalias do tipo PSE (pálida, flácida e exsudativa). A coleta de dados foi realizada em quatro abates e os parâmetros avaliados foram: peso vivo, peso da carcaça quente e fria, pH (1 e 72 horas), temperatura (1 e 72 horas), área de olho de lombo, espessura de toucinho, cor (L*, a*, b*), perda de água por exsudação, perda de água por cocção, força de cisalhamento e matéria seca.O consumo de carne suína no Brasil tem aumentado significativamente nos últimos anos devido, principalmente, às grandes campanhas de informação e esclarecimento ao público, sobretudo em relação às questões de interesse para a saúde do consumidor. Um outro aspecto que também está sendo considerado atualmente é a qualidade físico-química da carne suína, de interesse industrial e sensorial. Segundo Warriss (1996), a qualidade da carne é uma combinação de medidas objetivas e subjetivas, que pode variar entre os diversos mercados. O fator mais importante, que determina a qualidade final da carne suína, é o declínio do pH, que tem implicação na sua cor, textura e capacidade de retenção de água (CRA). As anomalias DFD (Escura, Dura e Seca) e PSE (Pálida, Mole e Exsudativa) são os principais problemas que ocorrem na carcaça em decorrência da velocidade do declínio do pH.
Os valores médios do pH, obtidos à primeira hora (5,78), o valor dos cromas L* (61,03) e a* (5,47), bem como da perda total de água no cozimento (29,31%), indicam a incidência de carne tipo PSE. Entretanto, a perda de água por exsudação (3,64%) e a força de cisalhamento da carne (3,41 kg) são valores de carnes normais. A distribuição percentual do pH à primeira hora e dos valores de L* permitem sugerir que houve incidência de carne tipo PSE em 55 – 56% das carcaças avaliadas, porém, nenhum desses parâmetros sofreu influência significativa (p=0,05) da insensibilização, dos pais ou do efeito combinado.
Em condições normais, sob refrigeração, o pH normal da carne suína varia entre 5,5 e 5,8 após 8 horas e entre 5,3 e 5,7 após 24 horas post-mortem. A queda brusca do pH pode causar desnaturação das proteínas, diminuindo a capacidade de retenção de água. Dessa forma, a água migra do interior da carne, tornando a superfície mais úmida e mais clara do que o normal, tornando o músculo pálido, flácido e exsudativo (PSE), o que é indesejável tanto para o processamento quanto para o consumo in natura (Felício, 1986).
Por outro lado, quando os suínos são submetidos ao estresse físico acentuado antes do abate, o glicogênio muscular é consumido ante-mortem e, conseqüentemente, a glicólise post-mortem é curta e o pH cai ligeiramente na primeira hora, mas se estabiliza em valores elevados (pH> 6), provocando a anomalia tipo DFD, em que a carne se apresenta escura e dura. Essa carne se deteriora com facilidade e quando submetida ao processamento de presuntos, verifica-se uma certa dificuldade para a difusão dos sais de cura, resultando em deficiências no sabor e na cor do produto (Felício, 1986).
Este trabalho teve como objetivo a determinação da qualidade físico-química da carne de suínos em fase de crescimento, abatidos em escala piloto no Matadouro-Escola da Prefeitura do Campus Administrativo de Pirassununga (PCAPS-USP), com especial interesse na incidência de carcaças do tipo PSE.
Material e Métodos
Animais
Foram utilizados neste estudo oitenta suínos (33 machos castrados e 47 fêmeas) mestiços das linhagens: MS58, LW, D, L. Os animais foram mantidos confinados em baias coletivas, com alimentação (água e ração balanceada) à vontade. A fim de determinar as características físico-químicas da carne no final do período de crescimento (110-120 dias), os animais foram abatidos com idade média de 119 ± 12 dias e peso vivo médio de 57 ± 8 kg.
Abate e Avaliações
Os animais foram abatidos no Matadouro-Escola da PCAPS, em 4 datas diferentes, entre os meses de março e abril de 1999; metade insensibilizados (primeiros dois dias), metade sem insensibilização, tendo em vista o estudo do efeito desse procedimento sobre a qualidade da carne. A insensibilização elétrica foi realizada manualmente com tensão de 200V, amperagem entre 1,2 a 1,5 A, freqüência de 60 Hz e tempo de contato dos eletrodos na base das orelhas do animal de 3 segundos.
Após todos os procedimentos de abate, as carcaças serradas ao meio, foram pesadas (PCQ) e colocadas em câmara fria para a instalação do rigor mortis, à temperatura de 0 a 2ºC, onde permaneceram por 72 horas antes da desossa. Uma hora após a sangria, sempre na meia carcaça direita, efetuou-se a avaliação do pH e temperatura (T), com medidor digital portátil equipado com eletrodo de perfuração de vidro (HI8314, Hanna Instruments).
Após 72 horas, foram efetuadas as seguintes avaliações: peso da carcaça fria (PCF), pH e temperatura. Em seguida, as meias carcaças foram serradas entre a 10ª e 11ª costelas, para medida da área de olho de lombo (AOL), utilizando-se decalque em plástico e posteriormente o planímetro, e medida da espessura de toucinho (ET), realizada com uma régua milimétrica.
Coletou-se uma amostra do músculo Longissimus dorsi, de aproximadamente 5 cm de largura e peso médio de 168,9 ± 33,6g, da carcaça esquerda, para análises em laboratório. Inicialmente, determinou-se a cor da carne em três pontos diferentes da amostra, 30 minutos após o corte, com a ajuda de um colorímetro portátil (MiniScan XE, HunterLab), fonte de luz D65, ângulo de observação de 10º, abertura da célula de medida de 30mm, usando-se a escala L*, a* e b* do sistema CIE Lab para as leituras. Em seguida, as amostras, previamente pesadas, foram colocadas em sacos de polietileno e mantidas em refrigerador por 24 horas.
Após esse período, foram retiradas dos sacos e pesadas novamente, para determinação da perda de água por exsudação, verificada através da diferença de peso.
Uma vez estabelecidos a cor e o peso, as amostras foram mantidas em freezer doméstico e descongeladas, em um refrigerador, 24 horas antes da análise de textura. A textura da carne foi determinada com a ajuda de um Texturômetro (TA.XT2i, SMS), com sonda Warner-Bratzler e velocidade de 500 mm/min, segundo metodologia proposta por Koohmaraie et al. (1998).
As amostras foram pesadas antes e depois do cozimento, bem como o líquido exsudado durante o cozimento, para o cálculo da perda de água por evaporação. A perda total de água na cocção foi calculada como a soma da perda por evaporação e da perda de líquido retido nas bandejas de cozimento. Além disso, determinou-se a quantidade de matéria seca das amostras após o cozimento, em estufa a 105ºC por 48 horas.
Análises Estatísticas
Para verificar se houve influência significativa nas variáveis estudadas, devida aos fatores de insensibilização (2 níveis: com e sem insensibilização) e pai (5 níveis: 199MS58, 627LW, 468LW, 201D e 551L), realizou-se uma análise considerando-se um delineamento fatorial 2x5, utilizando-se o procedimento GLM do SAS (1990); uma análise de variância, conforme a Tabela 1, e uma análise estatística descritiva e de distribuição percentual, de acordo com o programa Statística 5.0 (StatSoft, Inc., 1995).
Resultados e Discussão
Os resultados da análise descritiva dos parâmetros avaliados estão apresentados na Tabela 2. O peso vivo médio dos animais (no dia do abate) foi de 57 kg e os pesos médios de carcaça quente e fria (após 72 horas de resfriamento) foram de 42,7 ± 7,2 kg e 41,6 ± 7,4 kg, respectivamente. O valor do peso vivo observado esteve abaixo dos praticados na suinocultura comercial (>75 kg) (ANUALPEC, 1998). Os rendimentos de carcaça quente e fria foram de 74,57% e 72,60%, respectivamente, o que corresponde a uma quebra de peso de 1,97%.
Esses valores de rendimentos são ligeiramente inferiores aos resultados encontrados por Fagundes (1999), cujo rendimento de carcaça quente variou entre 77 e 80% e o rendimento de carcaça fria, entre 75 e 78%, em estudo com animais em fase final de terminação. Observa-se, na Tabela 2, que a espessura média de toucinho na 11ª costela foi de 15 mm, valor efetivamente menor que os encontrados em estudos com animais abatidos com peso corporal superior.
Pinheiro et al. (1987) obtiveram espessuras de toucinho entre 27 e 29 mm em carcaças de animais abatidos com peso vivo médio de 96,2 kg. Fagundes (1999), em trabalho mais recente, apresenta uma variação da espessura de toucinho média entre 23 e 27 mm, para carcaças de animais abatidos com peso médio de 82,0 kg, dependendo do nível energético metabolizável da ração.
Observa-se ainda, nos trabalhos acima citados, que a área do olho de lombo variou entre 23,3 e 25,2 cm2 (Fagundes, 1999), comparáveis ao valor médio de 23,1 cm2 observado neste trabalho. Entretanto, esses valores são muito inferiores aos resultados encontrados por Pinheiro et al. (1987), entre 30,8 e 35,6 cm2, que trabalharam com animais mais pesados.
Em relação à qualidade da carne, pode-se observar, na Tabela 2, que o valor médio do pH na primeira hora post-mortem é de 5,78. Esse valor sugere a incidência de carne do tipo PSE. Por outro lado, o valor do pH após 72 horas post-mortem (5,66) pode ser considerado normal, presumindo-se que não houve incidência do problema de carne ácida. Ourique e Nicolaiewsky (1990) encontraram valores médios de pH aos 45 minutos e 24 horas post-mortem, da ordem de 6,36 e 5,89, respectivamente. Pinheiro et al. (1987) encontraram valores de pH=6,05 aos 45 minutos na carne de animais sensíveis ao halotano e 6,17 para animais não sensíveis ao halotano, e obtiveram valores da ordem de 5,39, em 48 horas, sem diferença entre sensíveis e não sensíveis ao halotano.
Smith e Lesser (1982) encontraram valores médios de pH aos 45 min. de 5,64 para carnes PSE. Van Der Wal (1978) encontrou valores médios de pH em 24 horas post-mortem, de 5,39 para carnes PSE, 5,63 para carnes normais e 6,62 para carnes DFD, coincidindo com os resultados de Joo et al. (1999), que determinaram o pH final do lombo de suínos, de 5,34 e 6,47, nas carnes do tipo PSE e DFD, respectivamente. Hammel et al. (1994) determinaram o pH em torno de 5,6, em carcaças de 2900 suínos de diversas linhagens, 24 horas post-mortem, sem fazerem referência à incidência de anomalias. Trabalhando também com diversas linhagens, Weatherup et al. (1998), obtiveram valor equivalente, também considerado normal.
Para melhor visualização da incidência do problema de carne tipo PSE nas carcaças analisadas, apresenta-se, na Figura 1, uma distribuição percentual dos valores de pH na primeira hora post-mortem, em que se pode observar que 55,3% dos animais abatidos produziram carne com pH típico da carne tipo PSE e apenas 4,7% de casos de carne tipo DFD, isto é, com pH acima de 6,4 (Van Der Wal et al., 1988). Dessa forma, verifica-se que apenas 40% dos animais abatidos produziram carne com pH normal na primeira hora post-mortem.
Segundo a análise de variância do experimento fatorial, o pH, na primeira hora post-mortem, não sofreu influência do efeito de insensibilização (p= 0,223) e nem do efeito combinado insensibilização x pais (p=0,299). O efeito dos pais também não foi significativo (p=0,105) ao nível de significância de 5%.
Os resultados da avaliação dos valores de cor da carne (L*, a*, b*) corroboram os resultados do pH na primeira hora post-mortem. Observa-se, na Tabela 2, que os valores médios de L* (61,03) e a* (5,47) estão acima e abaixo, respectivamente, dos valores da carne normal, também indicando a incidência de carne do tipo PSE. Van Der Wal et al. (1988) estudaram a cor da carne suína e obtiveram, em carnes normais, os seguintes valores: L*= 53,5; a*= 6,3 e b*= 13,7. Joo et al. (1999) determinaram L* igual a 55 em carnes do tipo PSE, e Silveira (1997) determinou valores médios de L* igual a 45,5, classificando-os como normais.
Segundo. Como a incidência de PSE provoca a exsudação de água na carne, o croma do brilho (L*) tende a aumentar pelo acúmulo de líquido na superfície, e o croma do vermelho (a*) tende a diminuir, devido principalmente à diluição superficial dos pigmentos.
A distribuição percentual dos valores do croma L*, determinados neste trabalho, pode ser visualizada na Figura 2, onde se verifica que mais de 56% das amostras apresentaram valores de L* acima de 58, isto é, com características típicas de carne PSE (Van Laack et al., 1994). Esses resultados estão em harmonia com os resultados do pH na primeira hora post-mortem, cuja distribuição indicou aproximadamente 55% de casos de pH
anormal. Por outro lado, a incidência de valores típicos da carne DFD, isto é, inferiores a 52 (Van Laack et al., 1994), não está em acordo com os resultados dos valores de pH obtidos na primeira hora post-mortem. Notase, na Figura 2, que apenas 1,17% dos casos apresentaram valores de L* baixo, contra 4,7% que apresentaram pH típico DFD.
Segundo a análise de variância do experimento fatorial, o parâmetro L* não sofreu influência do efeito insensibilização (p=0,181), nem do efeito dos pais (p=0,951) e nem do efeito combinado insensibilização x pais (p=0,892). Apenas o croma a* sofreu influência significativa (p=0,006) da insensibilização. Os efeitos dos pais (p=0,164) e combinados insensibilização x pais (p=0,343) não foram significativos.
Ainda em termos de valores médios,a perda de água por exsudação, que neste estudo apresentou valor médio de 3,64%, não indica a incidência de carne tipo PSE. Segundo Van Laack et al.(1994) e Joo et al. (1999), a carne tipo PSE apresenta perda de água por exsudação superior a 5% e 6%, respectivamente. Porém, observando-se a distribuição percentual dos valores da perda de água (Figura 3), pode-se observar que 25% das amostras apresentaram perda maior que 5%.
Esses resultados não concordam com os resultados dos estudos do pH na primeira hora post-mortem e da cor da carne, os quais indicaram incidência de PSE em 55-56% dos casos. Weatherup et al. (1998) obtiveram valores de perda de água por exsudação, da ordem de 5,8% trabalhando com carcaças de 70 kg, com método similar ao utilizado neste trabalho. Silveira (1997) estudou a perda de água por exsudação em carnes oriundas de animais abatidos após a insensibilização e obteve um valor médio de 5,2%.
Segundo a análise de variância do experimento fatorial, a perda de água por exsudação sofreu influência significativa do efeito de insensibilização (p=0,001) e do efeito dos pais (p=0,001). O efeito combinado insensibilização x pais (p=0,833) não foi significativo.
A perda de água no cozimento, que apresentou valores médios de 20,58% por evaporação e 9,03% por exsudação, perfazendo uma perda total da ordem de 29,61%, também indica a incidência de carne tipo PSE. Esse resultado é similar ao obtido por Van Der Wal et al. (1988): 30,7% na carne PSE e 26,9% na carne normal; bem como os de Pinheiro et al. (1987), trabalhando com carne de suínos sensíveis ao halotano, que obtiveram 29,0% de perda de água na cocção.
Segundo a análise de variância do experimento fatorial, a perda de água total na cocção não sofreu influência significativa do efeito de insensibilização (p=0,076), do efeito dos pais (p=0,937) e nem do efeito combinado insensibilização x pais (p=0,707) em nível de 5% de significância.
Observa-se na Tabela 2 que o valor médio da força de cisalhamento em teste de textura é 3,41 kg. Ourique e Nicolaiewsky (1990) estudaram a textura de carne suína e encontraram um valor médio de 3,5 kg. Van Der Wal et al. (1988) obtiveram valores da ordem de 3,4 kg em carnes normais e em carnes tipo PSE. Porém, Pinheiro et al. (1987) encontraram valores da ordem de 3,25 kg em carnes de suínos sensíveis ao halotano, e de 2,49 em carnes de suínos não sensíveis ao halotano. Na realidade, a textura da carne, determinada pelo método Warner-Bratzler, não pode ser relacionada com a incidência de PSE, uma vez que o efeito dessa anomalia é visível na carne crua, enquanto para a determinação objetiva da textura a carne é obrigatoriamente assada.
Segundo a análise de variância do experimento fatorial, a força de cisalhamento não sofreu influência significativa do efeito de insensibilização (p=0,560), do efeito dos pais (p=0,240) e nem do efeito combinado insensibilização x pais (p=0,193) em nível de 5% de significância.
Conclusões
O abate de suínos em fase de crescimento pode proporcionar a produção de carne com menos gordura, isto é, com menos toucinho, e, conseqüentemente, com maior rendimento de carne magra. Porém, nas condições do presente estudo, algumas propriedades físico-químicas apresentaram valores médios indicando a incidência de anomalia tipo PSE nas carnes. A distribuição percentual dos valores permitiu observar a incidência de PSE em aproximadamente 55% das carnes estudadas. A determinação da textura da carne após o cozimento não é um bom parâmetro para avaliar a incidência da anomalia PSE.
A incidência de carcaças do tipo PSE não pode ser pura e simplesmente atribuída à genética mas impõe-se que se levem em conta as situações ambientais (ex.: conforto térmico e estresse no pré abate). Dessa forma, novos estudos deverão ser realizados para a verificação das causas dessa incidência de carcaças tipo PSE.
Autoria de Rosa, A.F.; Sobral P.J.A.; Lima, C.G.; Gomes, J.D.F., publicado na Revista TeC Carnes - Campinas, SP, v.3, n.1, p.13-18, 2001 e disponivel em
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