TRADIÇÕES DE BARRETOS (Publicado em 1900)

Jesuíno da Silva Melo
É nosso intuito reunir-se nesta seção as vagas informações que conseguimos saber sobre as origens da cidade de Barretos - infelizmente.

Os primeiros povoadores do sertão eram em geral homens rudes que se preocupavam exclusivamente com a posse das terras devolutas. Nenhum deles se deu ao trabalho de transmitir aos vindouros um registro dos acontecimentos de que foram testemunhas. Alguns raros contemporâneos dos bandeirantes mineiros, que no primeiro quartel deste século  já haviam penetrado até a margem direita do rio Pardo, apresentam como o Nemrod desta região ao alferes João José de Carvalho, lavrador oriundo do sul de Minas, grande caçador, enérgico, vigoroso e robusto. Suas fazendas de Santo Inácio na margem direita do rio Pardo e Palmeiras na margem esquerda do mesmo rio, com seus duzentos e quarenta mil hectares de superfície, com suas ricas pastagens, com suas lagoas, com matas impenetráveis, então povoadas de feras, semelhavam a Mesopotâmia dos tempos bíblicos, esse jardim da Caldeia, fértil em juncos e palmeiras, cujo solo fecundíssimo no dizer de Heródoto produzia até trezentos por um!

As residências do alferes João José em Santo Inácio e do tenente Francisco Antonio Junqueira foram por muito tempo, o ponto obrigatório a que vieram ter os emigrantes que do sul de Minas demandavam os sertões da Franca e de Cana Verde (Batatais)

Foi por este tempo que Francisco José Barreto e sua família, procedente de Carmo dos Tocos no sul de Minas, chegaram à fazenda do tenente Francisco Antonio na Invernada, cinco léguas aquém da atual localidade de Nuporanga.

Barreto residiu por algum tempo na fazenda do tenente Francisco Antonio e do alferes João José. Junto a confluência do Rosário com o rio Pardo. Ele morou ainda em um terreno conhecido pelo nome de Capoeira do Barreto.

Foi dali que em dia, acompanhando Barreto ao tenente Francisco Antonio que viera explorar as terras de Pitangueiras, obteve deste autorização para tomar posse das terras que estendiam o longo deste ribeirão, da beira da mata para cima.

Barreto deu a sua propriedade o nome de Fazenda da Fortaleza, nome este que foi posteriormente substituído pelo de Barretos, atual denominação da cidade onde hoje, pela primeira vez, se imprimem estas linhas para rememorar a sua fundação.

Barreto assentou-se sua morada na face sul da cidade, mais ou menos no quarteirão limitado pelas avenida da Constituição e Alberto Sales e ruas Almeida Pinto e Benjamim Constant, que se cruzam nas direções N 30º 0 e N 60 E. Isto se deu mais ou menos no ano 1845.

Examinando com atenção aquele sítio, reconhecem-se ainda os vestígios dessa primeira casa de Barretos.

No mesmo local devem encontrar-se os restos do primeiro engenho de cana que existia nesta região e onde Barreto fabricava a pinga e rapadura que conduzia em cargueiros por uma picada que daqui ia ter à residência do alferes João José, em Palmeiras.

Esta referência me foi feita por Ana Rodrigues, octogenária, residente nesta cidade, vinda de São Tomé das Letras, em companhia de seu pai João Rodrigues Ferreira.

Esta mesma Ana Rodrigues me contou que quando já aqui moravam, vieram de Caldas, Antonio Ferraz e Francisco Librina que ajudaram a abrir a primeira estrada de Barretos para a ponte de Inácio Antonio, no rio Pardo.

O mesmo Barretos residiu sempre na mesma casa até o ano de 1848, em que morreu. Sua mulher, Ana Rosa, morava ainda na mesma casa quando faleceu em 1852.

Barreto só foi casado uma vez e deste consórcio teve oito filhos, José Francisco Barreto, João Francisco Barreto, Teresa, Rita, Maria Rosa, Francisca, Beralda, e Antonia, mulher de seu primo Antonio Barreto, que foi dono de Campo Redondo. Todos são falecidos...

(Trecho curto impossível de ser lido por estar destruído no jornal)

...mais ou menos em 1856, ao pé da atual residência do tenente Joaquim Angelo, defrontando com o velho cruzeiro que ainda subsiste para atestar aos hodiernos a conspícua piedade dos antigos.

***

As primeiras missas rezadas nessa ermida foram celebradas pelos padres que de São Paulo seguiam viagem para Campo Belo, e o primeiro pároco residente de Barretos foi o padre Manoel Eusébio, vindo de São Simão em 1862 ou 1863.

O patrimônio da igreja foi doado pela família Barreto e a licença para a fundação do povoado foi concedida sob a condição de ser garantida ao orago o domínio de um quarto de légua em quadra, tendo no centro a capela.

Os primeiros comerciantes de Barretos foram: Vigilato, vindo de Monte Santo (Minas), Inácio...

(Trecho curto impossível de ser lido por estar destruído do jornal)

... A primeira escola primária que houve em Barretos foi fundada por Antonio Alexandre Ferreira, avô de Pedro Alexandre (ainda vivo).

A fazenda dos Barretos foi registrada na paróquia de Jaboticabal, sob o nome de 'Fazenda da Fortaleza', por Simão Antonio Marques, vindo de Caldas depois que o velho Francisco Barreto já aqui morava.

Os primeiros povoadores do sertão circunjacente foram: o alferes João José de Carvalho; do de Palmeiras; o tenente Francisco Antonio Junqueira, dono de Pitangueiras; os Botelhos e Rodrigo Correa de Moraes que possuíram....

(Trecho curto impossível de ser lido por estar destruído no jornal)

***

A destruição de nossas florestas virgens pelo machado e pelo fogo, tal como se tem dado em todo o interior do Brasil, só se justifica pela supina ignorância dos princípios de higiene, de agronomia e de bom gosto dos fazendeiros.

O arrasamento quase total das matas com o aniquilamento das madeiras mais preciosas para toda a sorte de construções, é uma perda irreparável talvez, porque a natureza tem necessidade de centenas e de milhares de anos para fornecer a seiva necessária a estas plantas colossais que tendem a desaparecer. Só a demasiada impaciência de gozar, uniria a uma absoluta indiferença pela sorte das gerações futuras, podem justificar tamanha devastação!

Prouvera a Deus que esses ferozes demolidores tivessem pela viçosa fronde que tão barbaramente deceparam, o mesmo respeito religioso que os antigos gauleses votavam ás suas sombrias, florestas, cuja inviolabilidade o cantor de Farsália tão inspiradamente nos revela:

"César ordena que derribe a ferro
As arvores, que, intactas d'outras guerras,
E entre altos montes nus encadeadas.
Do romano arraial surgiam perto.

Eis os braços guerreiro estremecem,
Os fortes orações eis enregela
Do ermo escuro a terrível majestade:
Creem que, se as SACRAS ARVORES ferirem,
Hão de os férreos, vibrados instrumentos
Voltar-se contra os ímpios que os meneiem"

O resultado dessa insânia devastadora é o quadro tristíssimo do bamburral que se amplia cada vez mais, conduzido pelo incêndio que todos os anos assola os campos, eliminando os húmus fertilizador das culturas.

***

A uma notícia de Barretos primitiva, outrora emoldurada pela extensa faixa de tenebroso, intrigado labirinto, de intonsos ramos, de copados troncos cuja robusta, aspérrima velhice, idades sobre idades respeitaram; e hoje erma e despida do pomposo adorno com que a natureza tão liberalmente a dotara, não podia faltar este prado de indignação que de passagem aqui consignamos.

Todos se recordam da grande geada que nos dias 24, 25 e 26 de junho de 1870 crestou as matas e os campos do sul de Minas e do oeste de São Paulo. Data dessa época uma notável transformação havida na contextura das matas principalmente.

Muitas plantas desapareceram para dar lugar a outras tantas cujos germens jaziam até então adormecidos no seio das florestas seculares. A enorme folhagem abatida pela geada estendeu por toda parte uma densa camada de combustível.

Os fogos das queimadas de agosto, imprudentemente ateados aos roçados e ás pastagens, conforme o uso tradicional dos roceiros, varejaram montes e vales, abrasando tudo em sua passagem devastadora e desnudando o solo de sua vestimenta protetora. Entre as plantas que mais sofreram notam-se o palmito quase completamente extinto, o jaracateá, a umbaúba, a taquara, muito rareados.

Nos campos e cerrados a cambaúva quase que desapareceu.

O próprio graguatá que é ainda o martírio dos campeiros era muito mais denso antigamente. O pampuã, a excelente forragem que medrava à sombra dos bosques e que era um poderoso auxiliar para a alimentação do gado durante o inverno, foi suplantado pela vegetação rasteira, e por um sem numero de plantas trepadeiras que vedam a passagem aos próprios animais.

Entretanto, a 'unha de gato' invade os campos descobertos e tranca os caminhos para dilacerar o rosto do viandante inexperto.

A voadeira, qual vasto polipeiro alastra-se gradualmente em torno das habitações campestres, abafando a grama e estendendo pelo chão permeável das várzeas o emaranhado de suas raízes
E por cumulo de desgraça aí chega a saúva destruidora que tanto mais se reproduz quanto mais claros se vão abrindo nos maciços de verdura que ainda restam.

Tratando-se dos primórdios de uma localidade, vem a pelo dizer alguma coisa sobre os indígenas que remotamente aqui viveram. Pela tradição de algumas pessoas a quem consultamos, quase nada pudemos obter digno de ser transmitida aos contemporâneos. Em nenhum dos territórios avassalados ao poderio dos mais antigos sesmeiros desta terra, se depararam os íncolas do sertão.

O velho Sancho referiu-me que logo após a chegada do alferes João José a Santo Inácio um dos seus familiares viera caçar na mata de Palmeiras, trazendo em sua companhia dois pretos africanos que se extraviaram nas selvas e dos quais nunca mais tiveram noticia, até que um dia um deles conseguiu voltar a Santo Inácio, onde referira o fim desastroso de seu companheiro que havia perecido horrivelmente torturado pelos bugres.

O velho Marcelino Borges contou-me que em terras de Lúcio Flávio acharam-se vestígios de habitações indígenas, tais como fragmentos de vasos de argila e um bule ou pichorra que por muitos anos se conservou em casa de um antigo morador de Barretos. Mas qual o motivo por questão cedo se ausentaram destas paragens os seus primitivos donos?

Os batedores do sertão atestam esta emigração dos índios em direção ao Paranapanema. As monções que há mais de meio século faziam a viagem entre Piracicaba, Avanhandava e Itapura, já acharam os índios localizados na margem esquerda do Tietê.

Daqui devemos concluir que os índios passaram pelos sertões de Barretos em época remotíssima, muito anterior á vinda dos primeiros exploradores mineiros. E segundo a opinião de notáveis etnologistas que estudaram a origem e distribuição dos indígenas sul-americanos, esse movimento emigratório deve ter sido mesmo no sentido de norte a sul para toda a região que se estende entre os Andes e as bacias do Amazonas e do Paraná.

Portanto, os indígenas que aqui estacionaram devem ser os mesmos que ainda hoje permanecem nos aldeamentos ora existentes entre o Tietê e o Aguapeí os quais segundo afirmam alguns raros caçadores que com eles têm comunicado, conservam-se refratários aos usos mais rudimentares da vida civilizada. Se tivessem de ser classificados segundo a técnica etnográfica, por muito favor poderiam alcançar a idade neolítica.

Isto mesmo, se lhes (...) pelos restos cerâmicos deixados, pois que nenhum instrumento de pedra polida se encontra até hoje em toda a extensão da comarca de Barretos.

Nenhum fetiche, nenhum amuleto, nenhum objeto modelado, a não ser a tal pichorra de que falou-me Marcelino Borges.

Convém justificar a inserção deste trecho um tanto longo ao tratar das origens de Barretos.

Desejamos acrescentar aos dados históricos aliás muito escassos, que com dificuldade conseguimos concatenar, alguma tradição sobre os nossos aborígines. Não o podendo fazer por falta de dados, fiquem pelo menos consignados algumas generalidades sobre o assunto.

Em que pese aos indigenistas  à 'outrance', a maioria dos indígenas sul-americanos de aquém dos Andes, comprovaram a par da mais fera barbárie os mais grosseiros indícios de uma raça inferior e decadente.

O ilustre Varnhagen, em sua 'Historia Geral do Brasil', ao tratar dos índios perante a nacionalidade brasileira, quer em relação a eles unicamente, quer com respeito aos colonos, quer quanto à partilha de glória que lhes deve caber na história de cada uma das nações americanas, assim se exprime quanto ao seu estado social : — « Se era invejável o estado de atraso social em que viviam os aborígenes, e vivem ainda esses que, com a nossa pseudo-filantropia, continuamos ...

(Trecho curto impossível de ser lido por estar destruído no jornal)

Texto de Jesuíno da Silva Melo publicado em capítulos nas edições do semanário de Barretos "O Sertanejo" no período de 31 de março de 1900 a 19 de maio de 1900. Digitalizado, adaptado à nova ortografia e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa. Arquivos consultados pertencentes ao Museu Municipal de Barretos.

JESUÍNO DA SILVA MELO (1854-1954)



Foi um dos primeiros intelectuais que estudaram a História de Barretos, entrevistando os moradores mais antigos. Nasceu em São José do Paraíso (hoje Paraisópolis-MG), formou-se agrimensor e antes de chegar a Barretos, no final do século XIX, foi diretor de um colégio em Rio Claro SP, como também diretor do Instituto Benjamim Constant, do Rio de Janeiro, especializado em tratamento e educação de cegos, surdos e mudos.Fez parte da Comissão de Estudos da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e prestou serviços técnicos para outras empresas ferroviárias.


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