A FAMÍLIA DO SENHOR DE ENGENHO


Mesmo depois que o açúcar brasileiro havia perdido sua supremacia nos mercados mundiais, a estrutura social nordestina continuava a articular-se em tomo dos grandes proprietários de engenhos. Ainda em 1711, Antonil afirmava: “O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os títulos entre os fidalgos do Reino”.

Anos depois da proclamação da Independência, essa posição ainda era privilegiada, determinando o triunfo da casa-grande — e da senzala — sobre as cidades, onde se fazia mais forte a presença dos homens livres e da autoridade real.

Esse menosprezo da vida urbana e de suas “recreações amiudadas, galas, serpentinas e jogos” — que desbarataram enormes fortunas, segundo informa Antonil —, acarretou a pobreza cultural das cidades coloniais, sem universidades, que se multiplicavam na América espanhola. Além disso, reforçou a importância da família do senhor de engenho em todos os aspectos da vida social e mesmo no processo de produção, voltado para o mercado externo.

A submissão familiar

Elemento central de seu grupo familiar e de toda a vida colonial brasileira, o senhor de engenho determinava as funções que cada membro da casa-grande deveria desempenhar. A esposa, totalmente submissa ao marido, vivia para procriar, fazer doces e realizar trabalhos de agulha; não tinha acesso a estudos de nenhuma espécie e limitava sua vida social à Igreja — aos domingos e dias santos — e às conversas com as escravas. Os filhos homens costumavam passar uns tempos em casa de amigos ou parentes capacitados a transmitir-lhes o gosto pela cultura e fornecer-lhes alguns ensinamentos fundamentais. O filho mais velho era orientado para suceder ao pai no comando do engenho; dos demais filhos, invariavelmente um se tomava padre, outro se formava em Direito pela Universidade de Coimbra — para ajudar a transformar em poder político o prestígio social da família.

O “pai dos negros”

Toda esta sociedade baseava-se no trabalho escravo; assim, uma das atribuições básicas do senhor de engenho era administrar a justiça na senzala. Esperava-se dele que tratasse os escravos com bondade e compreensão, constituindo-se numa espécie de “pai dos negros”. Por isso, devia nutri-los, dar-lhes vestuário e assegurar-lhes um mínimo de descanso, eram considerados normais os castigos aos escravos que não cumprissem os “mandamentos” da lei patriarcal. Para evitar “injustiças”, o senhor de engenho ouvia as “testemunhas” antes de decidir a punição: açoites moderados ou correntes de ferro.

A vida na casa-grande

“Quem se resolve a lidar com engenho”, adverte Antonil, “ou se há de retirar da cidade, fugindo das ocupações urbanas, que obrigam a divertir-se, ou há de ter atualmente duas casas, abertas, com notável prejuízo aonde quer que falte a sua assistência, e com despesa dobrada”. A opção do senhor de engenho foi fixar-se na casa-grande, que muitas vezes ostentava um luxo digno de um palácio.

Em "Casa-Grande & Senzala" Gilberto Freyre fala “de mesas cobertas de prata e de louça fina. De camas forradas de riquíssimas colchas de seda. De portas com fechaduras de ouro”. A importância do chefe da família transparecia no próprio tratamento que lhe era dispensado. Fosse chamado de “sinhô”, “nhonhô”, ou “ioiô” pelos escravos, o senhor de engenho era sempre o senhor — o dirigente da produção e da vida familiar.

A esposa e os filhos dirigiam-se a ele tratando-o sempre por “senhor” — restringindo-se o termo “papai” ao uso exclusivo dos filhos pequenos. Para fazerem a primeira barba, os rapazes precisavam de sua autorização, e só depois de casados ousavam fumar em sua presença.

As ligações entre a casa-grande e a senzala eram ambíguas: as mucamas e negrinhos quase sempre eram aliados naturais dos filhos contra os “senhores pais das mulheres jovens contra os “senhores maridos” bem mais velhos — era comum o casamento de mocinhas de quinze anos com homens de cinquenta e até mais.

Havia, contudo, casos de escravas delatoras de namoros, reais ou imaginários, das “sinhás-moças” ou “sinhás-donas”. Por vezes, essas histórias levavam o senhor de engenho a ordenar o assassinato da esposa ou de uma filha, demonstrando a amplitude de seu poder.

Texto publicado em "Saga - A Grande História do Brasil", Abril Cultural, São Paulo, 1981, editor Victor Civita, vol.1, Colônia (1500-1640) p.190-191. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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