A ARISTOCRACIA DO AÇÚCAR


Centralizada no poderoso senhor de engenho, a aristocracia do açúcar, no Brasil-Colônia, abrangia também os grandes plantadores de cana que, não dispondo de engenho, atuavam basicamente como fornecedores de matéria-prima. Em geral, esses plantadores possuíam capital bastante para cultivar vastos canaviais, porém não para montar as instalações necessárias ao fabrico do açúcar; assim, suas atividades restringiam-se apenas ao cultivo da cana. Mas já no primeiro governo-geral, era-lhes permitido moer a cana nos engenhos reais; não sendo estes suficientes ou próximos, cabia aos donos de engenhos facultar-lhes o acesso às suas instalações. Em troca disso, e das terras que recebiam em sesmarias, os plantadores ficavam obrigados a fornecer sua produção sempre ao mesmo senhor de engenho.

Foi a partir desses compromissos que surgiram os plantadores “obrigados”. Sua contrapartida eram os plantadores “livres”, que, menos dependentes da casa-grande, a cada ano podiam escolher a quem encaminhar sua colheita — cedendo-lhe, contudo, nada menos que a metade do açúcar resultante.

Os plantadores eram “homens de cabedal”; possuíam escravos — em Pernambuco, calcula- se que um plantador médio possuía de seis a dez negros — e grandes áreas de terra — um plantador da região de São Paulo tinha mais de 1 600 hectares. Apesar de seus bens e de sua posição no seio da camada senhorial, os plantadores estavam subordinados ao senhor de engenho. Este exercia sobre eles contínuas pressões, tendo em vista obter o controle da moagem de suas safras e, muitas vezes, a posse mesma de suas terras.

O domínio da elite

Em geral, esses conflitos eram superados no interior das próprias camadas dominantes, que, com sua riqueza, prestígio social e influência política, controlavam as capitanias do açúcar.

Este processo representou, basicamente, a hegemonia sobre as Câmaras das cidades litorâneas — os conselhos que a Coroa havia estabelecido justamente para tornar mais forte a presença de seus representantes e servir de contrapeso às pretensões dos grandes proprietários. O modelo revelara-se eficaz em Portugal, mas na Colônia — talvez pela harmonia entre os “aristocratas” do açúcar e o processo europeu de acumulação de capitais — quase todas as instituições urbanas foram dominadas pela elite açucareira. No início do século XVII, a Câmara de Salvador era controlada pelos plantadores de cana e seus agregados, cuja influência se estendia a instituições como a Casa da Misericórdia e a Ordem Terceira dos Franciscanos.

Caixas para os tribunais

A importância da camada senhorial, capaz de contrariar, por vezes, as intenções da Coroa, evidenciou-se em suas relações com a justiça. Antes da criação da Relação (ou Tribunal) da Bahia, em 1609, era habitual que os senhores de engenho envolvidos em problemas jurídicos apelassem para os tribunais da Metrópole, enviando, junto com seus argumentos, algumas caixas de açúcar que contribuíam para “apressar” o andamento do processo. A Relação da Bahia acabou com esse tipo de suborno, beneficiando em geral os colonos mais desfavorecidos. Por outro lado, quando os conflitos envolviam negociantes portugueses, os juízes normalmente procuravam atender aos interesses dos reinóis, em detrimento da “aristocracia” colonial.

O confronto atingiu o auge quando a Relação procurou aplicar uma lei de 1609, que proibia a escravização dos indígenas e os confiava aos jesuítas. Os violentos protestos dos setores dominantes sucederam-se de norte a sul do Brasil, até que, em 1611, sob pretexto da “guerra justa”, voltou a ser permitida a escravização do gentio.

Texto publicado em "Saga - A Grande História do Brasil", Abril Cultural, São Paulo, 1981, editor Victor Civita, vol.1, Colônia (1500-1640) p.192-193. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

0 Response to "A ARISTOCRACIA DO AÇÚCAR"

Post a Comment

Iklan Atas Artikel

Iklan Tengah Artikel 1

Iklan Tengah Artikel 2

Iklan Bawah Artikel