A BATATA



Nasceu na América do Sul, salvou muitos europeus da fome e, agora, a sua capacidade de adaptação torna-a uma excelente candidata para enfrentar as alterações climáticas e poder mesmo ser cultivada no Planeta Vermelho.

Geograficamente, os Andes são um lugar muito pouco adequado para produzir um alimento fundamental.” É assim que o jornalista Charles C. Mann se refere às origens do tubérculo, no livro 1493 – Uma Nova História do Mundo Depois de Colombo (2013). A principal zona da cordilheira andina é formada por três cadeias montanhosas, separadas por planaltos (com uma altitude média de 3700 metros), e é aí que se situam as terras mais férteis.

Há provas de que já se comiam variedades silvestres de batatas no sul do Chile, há 13 mil anos, mas nem os especialistas em genética nem os historiadores sabem como os povos andinos criaram a batata doméstica. Pensa-se que esses agricultores plantavam diferentes tubérculos do género Solanum na mesma horta, pelo que se produziram cruzamentos naturais que acabariam por dar origem à batata moderna, Solanum tuberosum. “A batata não é fácil de domesticar. Os tubérculos silvestres contêm solanina e tomatina, compostos tóxicos que defendem a planta de ataques de outros organismos”, diz Mann. Talvez os andinos imitassem os animais do planalto, que, para evitar o veneno das plantas tóxicas, comiam argila.

CHEGADA À EUROPA, FIM DA FOME

O alimento daria o salto para o Velho Continente após a chegada dos espanhóis. Trinta anos depois de Francisco Pizarro desembarcar no Peru, em 1532, agricultores das Canárias plantaram batatas no arquipélago e exportaram-nas para França e os Países Baixos; daí, chegariam a toda a Europa para protagonizar uma verdadeira revolução. Assim, pouco a pouco, desapareceram as crises de fome periódicas e produziu-se um boom demográfico: as pessoas já não morriam de fome e, por estarem mais bem alimentadas, podiam enfrentar outras doenças.

Os irlandeses, que consumiam diariamente o alimento, passaram de ser um milhão e meio, no início do século XVI, para 8,5 milhões, duzentos anos depois. Por isso, alguns historiadores compararam a importância do tubérculo à da máquina a vapor: “Antes da batata e do milho, antes da fertilização intensiva, os níveis de vida na Europa eram equivalentes aos atuais nos Camarões ou no Bangladesh”, diz Mann.

Hoje, a batata continua a ter grande importância, pois é o terceiro alimento mais cultivado no mundo depois do arroz e do trigo, segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação: “Com uma produção anual mundial superior aos 300 milhões de toneladas, mais de mil milhões de pessoas comem batatas”, sublinha Chikelu Mba, diretor da equipa de Sementes e Recursos Fitogenéticos do Departamento de Proteção e Produção Vegetal da FAO.

O alimento é composto por 78 por cento de água, 18% de hidratos de carbono (sobretudo amido), 2% de fibra e 1,9% de proteína. O restante 0,1% é formado por outros nutrientes, como minerais, vitaminas e fitoquímicos.

“A batata é uma das melhores fontes de potássio”, explica Aymeric Goyer, investigador do Departamento de Botânica e Fitopatologia da Universidade do Estado do Oregon. É na pele do tubérculo que encontramos maior proporção desse elemento. Cozinhada no forno, uma batata pode representar 23% do consumo diário recomendado de potássio, o equivalente a comer duas bananas ou três laranjas. Além disso, é também rica em vitamina C, B6, B1, B9, fibra alimentar e magnésio.

GENOMA SEQUENCIADO

A batata pertence à família das solanáceas, o que significa que é prima do tomate e da berinjela. Contrariamente ao que se costuma pensar, não se trata de uma raiz, mas de talos que armazenam nutrientes debaixo de terra. Habitualmente, consumimos a Solanum tuberosum, a qual se divide, por sua vez, em oito grandes tipos. A estes somam-se os milhares de variedades que existem, muitos dos quais conservados no Centro Internacional da Batata (CIP), cuja sede se encontra em Lima (Peru), um lugar de referência na investigação do tubérculo.

A sequenciação do genoma, em 2011, fez surgir um “antes” e um “depois”: descobriu-se que o tubérculo possui doze cromossomas e mais de 39 mil genes. “Ter um genoma de referência abre as portas para poder responder a muitas outras questões e investigar”, diz Joel Ranck, diretor de Comunicação do CIP.

Um dos estudos mais recentes, desenvolvido em colaboração com a NASA, está relacionado com Marte. Os cientistas propõem-se cultivar, ao estilo do filme The Martian, batatas no Planeta Vermelho. Assim, vão reproduzir as condições marcianas nos solos do deserto peruano de Pampas de la Joya, com a réplica em laboratório das condições atmosféricas do planeta (com 95% de dióxido de carbono, é irrespirável para o ser humano).“Marte reúne condições extremas, e os resultados da nossa experiência indicarão se a batata é uma boa candidata às elevadas temperaturas do deserto e às secas”, explica Ranck.

BATATAS DE CHERNOBIL

Contudo, não é preciso viajar até Marte para encontrar lugares onde a vida tem dificuldade em abrir caminho. Na zona de Chernobil (Ucrânia), trinta anos depois do pior acidente nuclear da história, a radiação libertada ainda afeta cinco milhões de cidadãos que vivem a muitos quilómetros da antiga central.

Valentyna Vasylenko e outros cientistas estudam o conteúdo de radionuclídeos nos principais tipos de víveres, como leite, batatas e outros alimentos de origem silvestre provenientes de áreas contaminadas, para analisar como o seu consumo afeta a população. “A ingestão das batatas é segura, sem margem para dúvidas”, sublinha Vasylenko, investigadora do Centro de Investigação Nacional para a Medicina Radiológica da Academia Nacional de Ciências Médicas da Ucrânia.

A fim de demonstrá-lo, os investigadores mediram os níveis de césio-137 e estrôncio-90, dois isótopos radioativos, em amostras de alimentos das localidades ucranianas de Raghivka, Zelena Poliana e Karpylivka, algumas das cidades sob vigilância por parte das autoridades médicas. “Os níveis nas amostras de batata são significativamente mais baixos do que os permitidos pelos padrões sanitários estatais”, indica a cientista. O tubérculo é cultivado pelos habitantes nas próprias hortas e constitui um elemento essencial no regime alimentar da população da zona.

Em África, a situação é diferente. Cerca de 842 milhões de pessoas sofrem de fome no mundo. Grande parte vive no continente negro, onde as condições desérticas e as elevadas temperaturas dificultam qualquer cultivo. A batata necessita de temperaturas entre 15ºC e 18 ºC para crescer de forma ótima. “As variedades atualmente disponíveis não são adequadas para a maior parte da África subsahariana, com temperaturas médias muito mais altas”, reconhece Mba.

Acresce que o seu cultivo foi introduzido mais tarde do que noutras partes do mundo, no início do século XX, e agricultores e consumidores têm dificuldade em alterar os seus tradicionais hábitos alimentares. Outro problema é a má qualidade das sementes, que provêm da colheita do ano anterior. Se esta foi má, a colheita voltará a ser deficiente, pelo que se transforma num círculo vicioso do qual os africanos não conseguem sair sem ajuda. “Quando os agricultores têm acesso a sementes de qualidade, que mostraram um elevado rendimento e não registaram doenças, produzem melhores colheitas”, indica Ranck.

A FAO contribui para fomentar essa cadeia e, juntamente com a União Europeia, procura fortalecer a capacidade dos pequenos agricultores na produção de batatas, em países como o Ruanda e o Uganda. Contudo, para poder estender o seu consumo a todo o continente, é preciso variedades que resistam às altas temperaturas: “Aquelas que possam proteger-se das alterações climáticas e continuar a crescer em áreas agroecológicas, mesmo que as temperaturas subam”, explica Mba.

RESISTENTES A SECAS E GEADA

Aliás, já há uma iniciativa internacional que visa desenvolver batatas que possam resistir às alterações climáticas. Liderada pela NEIKER- -Tecnalia, um centro espanhol especializado na investigação do tubérculo, inclui a participação de países como o Equador, o Peru, a Argentina, a Bolívia, a Costa Rica e o Uruguai. O projeto já identificou 68 variedades adaptadas a adversidades como a seca, a geada e o frio.

Por outro lado, a revolucionária técnica de corta-e-cola genético, CRISPR, também está a ser aplicada às batatas. “Estamos a viver uma etapa muito excitante da biotecnologia vegetal!”, diz David S. Douches, investigador do Departamento de Vegetais, Solos e Ciências Microbianas da Universidade do Estado do Michigan.

A CRISPR, desenvolvida pelas bioquímicas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, permite reescrever o genoma e corrigir genes defeituosos com grande precisão e de forma rápida e barata. Inspira-se na defesa das bactérias perante os vírus, as quais localizam o seu ADN com ferramentas defensivas (as CRISPR) e o dividem com proteínas denominadas Cas9. As cientistas copiaram o processo em laboratório e comprovaram que funcionava.

A edição genética possui inúmeras aplicações, que incluem a indústria agroalimentar: “A batata é uma das primeiras a adotar a técnica CRISPR/ Cas9”, indica Douches. A principal vantagem é que permite centrar-se com grande precisão em determinado gene do tubérculo. Com as ferramentas tradicionais da engenharia genética, apenas se podem enxertar genes ao acaso. Ao modificar o ADN da batata, os cientistas pensam conseguir alterações importantes daqui a alguns anos.

“Esperamos poder deter a expressão de alguns genes para melhorar os tubérculos, de forma a terem menos açúcares, manchas, corantes e asparaginas [um aminoácido]”, diz o cientista. “Temos confiança de que também seremos capazes de editar a sequência de ADN dos genes para melhorar a sua expressão e, por exemplo, torná-las resistentes a doenças”, acrescenta.

Embora venham a ser, seguramente, muito diferentes das suas antepassadas andinas, não há dúvida de que as novas batatas irão conservar o mesmo gene todo-o-terreno.


**********


Risco de diabetes

Apesar de ser um alimento que possui numerosos nutrientes essenciais para a saúde humana, alguns estudos avisam que o consumo de batata pode estar associado a maior risco de desenvolver diabetes de tipo 2. “As batatas contêm uma grande quantidade de hidratos de carbono de fácil digestão, que elevam rapidamente o nível de glicose no sangue. Por conseguinte, o consumo de batata está associado a um risco mais elevado de diabetes”, adverte Isao Muraki, investigador da Escola de Saúde Pública de Harvard T. H. Chan (Estados Unidos).

Num estudo publicado na revista Diabetes Care, Muraki e outros cientistas analisaram três populações de homens e mulheres sem diabetes ou doenças cardiovasculares. Acompanharam esses três grupos (cerca de 200 mil pessoas) e, de quatro em quatro anos, perguntavam-lhes pelo consumo habitual de batatas e se, durante esse tempo, lhes tinha sido diagnosticada diabetes de tipo 2.

O estudo revelou que um maior consumo de batatas, especialmente fritas, estava associado a um risco superior de desenvolver a doença, independentemente do índice de massa corporal e de outros fatores de risco dos participantes. Outro trabalho, publicado recentemente na revista British Medical Journal e que contou com a participação de mais de 15 mil mulheres, concluiu que aquelas que comiam mais batatas apresentavam maior risco de desenvolver diabetes gestacional. Substituir os tubérculos por outros vegetais ou legumes foi associado a um risco menor deste tipo de diabetes, que surge durante a gravidez. Contudo, os autores sublinham que não foi possível comprovar uma relação de causa e efeito.

Texto assinado pelas iniciais LC publicado em "SuperInteressante", Portugal, nº 221, setembro de 2016, excertos pp. 40-43. Editado e ilustrado para ser publicado por Leopoldo Costa.

0 Response to "A BATATA"

Post a Comment

Iklan Atas Artikel

Iklan Tengah Artikel 1

Iklan Tengah Artikel 2

Iklan Bawah Artikel