HISTÓRICO DO CHARQUE


A existência do charque no Brasil data de mais de um século, tendo surgido na cidade de Aracati, no estado do Ceará, de onde migrou para o Rio Grande do Sul e região central do Brasil.

A palavra “charque” não era empregada no Nordeste onde foram instalados os primeiros estabelecimentos industriais de carne utilizando o sal como elemento de conservação pela cura, onde é chamado de “carne de sol” (FAGUNDES, 1982), como também “carne mole” em Pernambuco e “carne serenada” no Ceará, e “jabá”, de origem tupi (NÓBREGA, 1982).

Segundo NÓBREGA (1982), a conservação de carne pelo sal, sol, e vento data de épocas muito remotas, tendo sido empregada pelos Maias e Astecas, sendo também conhecida na Ásia, África e Américas. O mesmo autor ainda relata que a carne seca pela exposição ao sol, data da pré-história, e que os europeus viram-na no Brasil no século XVI. Todavia, nesse tempo à mesma era elaborada sem o uso do sal, raro condimento na época.

PICCHI (1998), menciona que para efeito de conservação, os índios já faziam uso do sal na desidratação da carne, inicialmente de peixes e só depois com outros animais.

O charque foi provavelmente, o primeiro produto industrializado no país (COSTA, 1978).

A primeira charqueada foi instalada no Rio Grande do Sul, em 1780, por José Pinto Martins (FAGUNDES, 1982), marcando o início de uma época de valorização da pecuária que iria se tornar uma valiosa indústria nacional. As repetidas secas que ocorreram no Nordeste na época foram dizimando o gado, e fizeram com que José Pinto Martins migrasse para o sul do país, instalando-se às margens do rio Pelotas.

Ainda segundo o mesmo autor do parágrafo acima, a primeira indústria do gênero implantada no Uruguai data de 1786 ou 1787, chamada de “Saladero” e que em solo argentino, esse tipo de indústria iniciou-se em 1810. Desde a introdução dos bovinos no Rio Grande do Sul até a instalação da primeira indústria organizada para o aproveitamento da carne, em 1780, passaram-se aproximadamente cento e quarenta e cinco anos. Há a hipótese de que na cidade de Vacaria, já teria havido uma industria de carnes antes de 1780.

O Marechal Diogo Funk fazia referência a estabelecimentos criadores de gado que preparam uma carne semelhante ao charque, mas que se destinava às tropas militares sediadas naquela região e que eram elaboradas de forma bastante artesanal, em 1775 (FAGUNDES, 1982).

A evolução mais expressiva da charqueada ocorreu no início da década de 1940, sobretudo o pós-guerra, quando o ex-DIPOA (Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal) atribuiu cotas de abate às charqueadas de então, que eram representadas por novilhos (FAGUNDES, 1982). Na década de 1950, ocorreu a implantação de um parque industrial de carnes e derivados que favoreceu muito a industrialização do charque (FAGUNDES, 1982).

Elaboração de carne seca ao sol em outros países

Técnicas tradicionais usadas em vários países, freqüentemente combinam secagem, geralmente ao sol, com processos de salga, fermentação e defumação. Assim são originados produtos como presunto cru e embutidos fermentados na Europa, “pemmican” na América do Norte, “biltong” no sul, “kundi” no oeste e “kilishi” no norte da África e povos africanos do sul e do oeste preparam o “biltongue” (YOUSSEF, 2000).

Ainda, na Bulgária se prepara a “pastarma”, carne de cabra ou búfalo dessecada; na Suíça é preparada “bundnerfleisch”; na Noruega a carne de carneiro é usada para fazer “gumbrandsdal”. Os árabes e os marroquinos preparam a “kodyd” ou “khlia” (ENGAÑÃ, 1967).

Em alguns países de língua espanhola costuma-se elaborar carne desidratada que recebe o nome de “cecina”. Esta carne também recebe o nome de “machaca” e “tasajo” respectivamente no México e Espanha. Este produto pode ser consumido cru, mas é mais apreciado quando frito ou assado (ENGAÑA, 1967).

O charque no Brasil

Hoje, o principal público consumidor do charque no Brasil está nas regiões Nordeste, Centro Oeste e Sul. Há ainda populações de nordestinos fixadas na região Sudeste que consomem esse tipo de produto (LIRA e SHIMOKOMAKI, 1998). Ele constitui a base de alimentação protéica de grande parte da população nordestina, sendo típico do sertão e tendo surgido, provavelmente, em conseqüência das dificuldades de conservação da carne “in natura” nessa região de clima quente e baixo nível econômico da população (NÓBREGA, 1982).

Do ponto de vista social, se tem o charque ao nível da produção primária, beneficiando pecuaristas e assalariados de área rural, das fases industrial e de comercialização; é de ressaltar-se sua singular posição em tempos passados, mais que modernamente, levando às regiões brasileiras mais desfavorecidas o alimento básico de que careciam (FAGUNDES, 1982).

Tendo em conta as condições particulares de conservação do charque devido ao elevado teor de sal, era-lhe permitido: uma embalagem rudimentar; o transporte à distância sem maiores exigências quanto às condições do meio e ao tempo decorrido, destinando-se, sobretudo ao consumidor desprovido de condições pelo frio artificial e localizado a distância dos centros comerciais fornecedores de “carne in natura”. Essa situação era mais característica do nordeste brasileiro, particularmente, nas áreas canavieiras sendo ainda estendida pela região sertaneja (FAGUNDES, 1982).

Se proveniente de meias-carcaças com osso, o charque pronto representará de 45 a 50% de rendimento final, dependendo do grau de gordura e de dessecação. Quando a carne empregada é desossada, o rendimento varia de 59,3% a 63,9% (PARDI et al, 1996).

No final da década de 1950, o Rio Grande do Sul perdeu a liderança da produção de charque para a região central do Brasil, onde foram instaladas inúmeras charqueadas. O Estado de São Paulo passou a ser o maior produtor nacional, posição que mantém até os dias atuais. Dentro do período de 1933 a 1937, o Rio Grande do Sul produzia cerca de 57% do total brasileiro, caindo pra 41,9% em 1940, cabendo 56,5% da produção ao chamado Brasil Central. O mesmo percentual de produção do Rio Grande do Sul caiu para 17,8% em 1959, e elevando o percentual do Brasil Central para 76,7% cabendo a São Paulo a liderança em 1959 (PICCHI, 1998).

Nos grandes centros populacionais do Sudeste, o consumidor vem apelando para seus sucedâneos, como as carnes curadas de bovino e o chamado “jerked beef”, todos tendo como atrativo maior à embalagem sofisticada e a coloração vermelha conferida pelo emprego do nitrito (FAGUNDES, 1982), tendo consumo aproximado de 2,0-2,5 kg “per capitã” (LIRA e SHIMOKOMAKI, 1998).

No início da década de 1990, o Brasil produzia cerca de 300 a 400 mil toneladas de charque ao ano, e números maiores poderiam ser considerados se fosse acrescida a produção clandestina (YOUSSEF, 2000).

Charque, “jerked beef” e carne de sol

Embora muita gente pense se tratar do mesmo produto, ou mesmo que a carne de sol seja uma variedade do charque bovino, essas duas conservas possuem características físicas, químicas e organolépticas distintas (PICCHI, 1998). Existem diferenças que vão desde a escolha da matéria prima até a tecnologia de processamento (CANHOS e DIAS, 1985).

Há ainda o “jerked beef”, que é considerado por muitos como a evolução do charque, devido ao processamento mais rápido e mais barato e o acondicionamento exclusivamente em embalagens a vácuo (PICCHI, 1998).

O charque é um produto consumido em várias regiões do país, assim como o “jerked beef”, enquanto que a carne de sol tem seu consumo basicamente na região Nordeste, onde, muito apreciada, faz parte das refeições quase que diariamente (CANHOS e DIAS, 1985).

A elaboração da carne de sol é norteada por uma tecnologia rudimentar e variável de estado para estado, ou mesmo de localidade para localidade, e obedece a um preparo quase que doméstico. Já a elaboração do charque e do “jerked beef” obedece a parâmetros industriais, regulamentados pelo RIISPOA (Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal), sendo que entre eles há diferenças tecnológicas (BRASIL, 1988).

O processamento do “jerkerd beef” em muito se assemelha ao do charque, porém é adicionado de nitrato e nitrito de sódio e potássio, e embalado a vácuo. Além disso, esse produto tem teor de umidade superior ao do charque, devido à quantidade de sal usada na salga e aos processos de salga empregados (LIRA e SHIMOKOMAKI, 1998).

O “jerked beef” seria uma variedade do charque, tendo como matéria-prima as carnes de dianteiro e de ponta-de-agulha, mas também, coxão duro e traseiro como um todo (LIRA e SHIMOKOMAKI, 1998; PICCHI, 1998).

A carne de sol pode ser preparada tanto com carne de primeira qualidade quanto com carne de segunda (CANHOS e DIAS, 1985; NÓBREGA, 1982) e, muitas vezes, não há controle nenhum sobre a procedência dos animais abatidos utilizados na sua confecção.

NÓBREGA (1982), baseado em estudo do Ministério de Agricultura afirma que a duração do charque e do “jerked beef” quando embalados corretamente é de 90 dias, enquanto que a duração da carne de sol, por ser um produto frescal, é de no máximo 5 dias.

O Charque

O RIISPOA (BRASIL, 1950), em seu artigo nº 431, define charque da seguinte maneira: “Entende-se por ”charque”, sem qualquer especificação, a carne bovina curada e dessecada. Ainda, o parágrafo primeiro desse artigo especifica: “Quando a carne empregada não for de bovino, depois da designação “charque” deve-se esclarecer a espécie de procedência.

O artigo nº 423 desse mesmo regulamento define o termo “salgados” como produtos preparados com carnes ou órgãos comestíveis, tratados pelo sal (cloreto de sódio) ou misturas de sal, açúcar, nitrato e condimentos, como agentes de conservação e caracterização organoléptica (BRASIL, 1950).

A Circular nº 109/DICAR de 29/08/1988 (BRASIL, 1988), traz as Normas Higiênico-Sanitárias e Tecnológicas para a produção de carne bovina salgada e carne bovina salgada curada seca. Tal circular define carne bovina salgada curada seca como produto preparado a partir de carne bovina, tratada pelo sal e submetida à ação dos agentes de cura (nitrato e nitrito).

BISCONTINI (1995), diz que a matéria prima para a elaboração do charque é carne bovina fresca, em geral oriunda da raça zebuína.

O RIISPOA em seu artigo nº 432 prevê que o charque não deve conter mais de 45% de umidade na porção muscular, nem mais de 15% de resíduo mineral fixo total, com tolerância de até 5% de variação (BRASIL, 1950).

Recentemente, foi determinada a atividade de água de 0,70 - 0,75 para charque (LIRA e SHIMOKOMAKI, 1998; SILVA et. al, 2000 e YOUSSEF, 2000). PARDI et al (1996) citam que a salga e a cura são procedimentos muito difundidos para a obtenção de produtos cárneos, e também para conservar durante mais tempo a carne fresca.

A cura de carne pode ser definida como a adição de sal (cloreto de sódio) à carne, com o propósito da preservação. O termo carne curada eventualmente é entendido como a adição de sal, sal de cura (nitrato), açúcar, e algumas vezes, outros ingredientes com o propósito da preservação e flavorização da carne (GLEES, 1978; PRICE, 1978 e SCHNEIDER, 1969).

A afirmativa de que o charque é resultante de um processo fermentativo, abre um novo cenário tecnológico para sua produção. Até o presente, esses produtos são resultantes das condições ambientais, dificultando o controle e padronização do processo e conseqüentemente, a qualidade final é incerta e variável (YOUSSEF, 2000).

Excertos da monografia de Daniela Rodrigues Souza,do Curso de Higiene e Inspeção de Produtos de Origem Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Castelo Branco de São Paulo, com o título de "Aspectos Industriais na Produção de Charque" de fevereiro de 2007. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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