A CONTRIBUIÇÃO DA CARNE BOVINA PARA UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
Nutrição e alimentação são assuntos cada vez mais abordados quando o tema é qualidade de vida e adoção de atitudes compatíveis com a prevenção de doenças. Com esta preocupação, muitos estudiosos, e alguns curiosos, dedicam-se a decifrar o enigma: como deve ser uma dieta equilibrada? O que é uma alimentação saudável?
Em saúde e nutrição, a melhor resposta sempre deve ser adotada considerando-se o conjunto de conhecimentos acumulados sobre dado assunto, mesmo quando sabemos que ainda temos muito a descobrir, o que motiva a contínua busca pela ampliação do conhecimento. Isto é benéfico, e de fato a melhor forma de contribuir para o bem estar da sociedade.
Apesar de parecer razoável, esta abordagem, contudo, nem sempre é a adotada, e as opçõesalimentares podem ser definidas a partir de “meias-verdades” ou “fragmentos de informação”, o que pode resultar em prejuízo. Para citar uma situação recente: o papel dos antioxidantes na dieta, excessivamente valorizado, provocou corridas ao consumo de pílulas destes nutrientes, nem sempre com orientação profissional. Houve grande preocupação, posteriormente, quando um importante estudo europeu comprovou que o consumo de doses de beta-caroteno, um valorizado antioxidante, ao contrário de todas as expectativas, aumentava a chance de ocorrência de câncer de pulmão entre fumantes.
O aumento do número de mortes por doenças crônicas, como as doenças cardio-vasculares – DCV resultou, como seria razoável, em intenso debate sobre as formas mais eficazes de combate a este fenômeno. Numa análise rápida sobre possíveis causas e efeitos, alimentos com gorduras saturadas e colesterol, diretamente associados com DCVs, como a carne bovina, assumiram o papel de vilões, e como tal, foram proscritos.
Lamentavelmente, as coisas não são simples assim. A ocorrência de uma doença crônica resulta de uma série de agentes causais, e a retirada da carne da dieta não só pode não trazer qualquer impacto sobre a chance de desenvolver um destes terríveis males, como pode trazer outros prejuízos.
O valor nutritivo de um alimento é o resultado de seu efeito sobre a saúde de quem o consumiu. Em relação à carne bovina, assim como para os demais alimentos, é determinado pela combinação de três fatores: sua composição, o modo de preparo, e o estado de saúde do indivíduo consumidor. Formas de preparo muito severas, com excesso de calor, causam modificações na composição da carne, com perdas de nutrientes e, eventualmente, formação de compostos com potencial ação nociva. A nova composição modifica o efeito do alimento sobre o indivíduo, alterando, portanto, seu valor nutritivo. Neste texto, vamos tratar, exclusivamente, dos temas relacionados ao estudo do valor nutritivo a partir da composição da carne, ou seja, do seu teor em nutrientes e energia.
Como conhecer o valor nutritivo da carne?
O conhecimento do primeiro dos três fatores, ou seja, da composição da carne, se não permite determinar com rigorosa precisão o seu valor nutritivo, é suficiente para sua estimativa com relativa segurança.
Os principais constituintes da carne bovina com interesse nutricional são: a gordura, diversas vitaminas e minerais, e proteínas. Vamos apresentar a contribuição da carne bovina para o fornecimento destes nutrientes em um dia alimentar, tomando como base as necessidades de um adulto do sexo masculino, de 19 a 24 anos de idade.
A quantidade de calorias – energia - que 100 g de carne bovina fornece depende muito do seu teor de gordura. Cortes magros, cozidos, fornecem cerca de 186 calorias em 100 g; já um corte com maior teor de gordura podem fornecer mais de 300 calorias quando preparados.
Dentre as vitaminas, destacam-se a vitamina B12 (ou cobalamina), a niacina e a riboflavina (ou vitamina B2); entre os minerais, o ferro e o zinco. As demais vitaminas e minerais não serão tratadas neste texto por apresentarem-se em menor concentração e estarem presentes nos demais alimentos em quantidades apreciáveis.
Gordura
As gorduras da dieta fornecem ácidos graxos, e na carne, estão presentes boas quantidades dos ácidos palmítico e esteárico, ambos saturados – ou seja, que apresentam ligações simples entre seus carbonos, representando cerca de 27 e 13% do total, respectivamente. Outro tipo de ácido graxo presente na carne em boa concentração é o ácido oléico, conhecido por ser o monoinsaturado mais abundante no azeite de oliva: na carne bovina, ele representa cerca de 40 % do total de ácidos graxos.
As carnes bovinas apresentam diferentes teores de gordura, variando de 5% a 25% do seu peso. Portanto, para um adulto, o consumo de 200 g de carne por dia pode contribuir com 12% a 60% das necessidades diárias de gordura.
Uma das discussões mais acaloradas sobre a fração gordura da carne refere-se ao seu teor de colesterol, motivada pelo receio do seu efeito sobre o desenvolvimento ou agravamento de doenças coronarianas, e ao fornecimento de ácidos saturados. O colesterol é um composto necessário para o organismo, envolvido com a síntese de hormônios e sais biliares, de tal forma que há mecanismos para síntese endógena mesmo em sua ausência da dieta. Ou seja, o metabolismo é capaz de produzir colesterol. Contudo, a elevação dos níveis de colesterol circulante é preocupante, pois está demonstra sua associação com doenças crônicas da circulação, como a arteriosclerose, resultado da formação de placas de colesterol que diminuem o calibre de vasos sangüíneos, com conseqüências graves como o infarto e acidentes vasculares. Em 100 g de carne bovina estão contidos aproximadamente 53 mg de colesterol. Depois do preparo, o mesmo peso fornece aproximadamente 80 a 90 mg. Recomenda-se que a ingestão diária de colesterol por um adulto seja próxima a 250 ou 300 mg. Em relação aos ácidos saturados, a preocupação maior recai sobre o ácido palmítico, uma vez que o esteárico não demonstra efeitos significativos sobre os níveis de colesterol circulantes.
Estudo conduzido por Pauline Ippolito e Alan Mathios, economistas da FEDERAL TRADE COMMISSION dos Estados Unidos, e divulgado em 1996, mostraram evidências substanciais de que o consumo de gordura, gordura saturada e colesterol caíram significativamente, naquele país, entre 1977 e 1990, ao mesmo tempo em que aumentou o conhecimento do consumidor sobre os efeitos da dieta sobre a saúde. Este talvez seja um indicador de que as informações sobre dieta devam ser claramente difundidas, para orientar adequadamente opções alimentares.
Proteína
Proteínas são estruturas constituídas por diferentes combinações de cerca de 20 aminoácidos, oito dos quais necessariamente devem ser fornecidos por meio dos alimentos, pois não podem ser produzidos pelo nosso metabolismo, e por esta razão são chamados de essenciais. Uma proteína de boa qualidade deve fornecer todos os aminoácidos essenciais em quantidades e proporções adequadas. Esta é uma situação que não acontece nos alimentos de origem vegetal, e difere bastante, portanto, nos alimentos de origem animal como a carne, fonte de proteína de bom valor biológico. Um dos aminoácidos típicos da carne, e por esta razão conhecido como carnitina, desempenha papel central no metabolismo, facilitando a produção de energia a partir das reservas de gordura. Estando preparada para o consumo, 100 g de carne bovina fornecem cerca de 50% das necessidades de proteína de uma pessoa adulta de 60 kg.
Minerais
A carne bovina contém boas doses de diversos minerais, como cobre, selênio, fósforo, potássio e magnésio. Contudo, chama a atenção o fornecimento de zinco e ferro, de grande importância nutricional, e cujos valores da dieta estão associados ao volume de consumo de carne.
Zinco
Este mineral contribui para o bom funcionamento de diversos sistemas, com destaque para o sistema imunológico e, portanto, para a garantia de mecanismos de resistência a infecções. Além disto, tem papel central sobre a divisão celular e o crescimento, estando envolvido na produção de proteínas para a construção de tecidos e órgãos. Nosso organismo contém cerca de 2,5 g de zinco, amplamente distribuídos, mas cerca de 60% está nos músculos. Embora não existam órgãos para estoque, o zinco está particularmente concentrado na próstata e no sêmen, razão pela qual homens precisam de 33% mais deste mineral do que mulheres (recomenda-se 9,5 mg/dia para homens e 7,0mg/dia para mulheres). Sua carência causa perda de sensibilidade gustativa, diminuição da resistência a infecções, entre outros sintomas. Em crianças, deficiências importantes de zinco podem determinar atraso no crescimento, no desenvolvimento intelectual e na maturação sexual.
Carnes são excelentes fontes de zinco: 100g de carne bovina crua contém cerca de 3,5mg, ou seja, 1/3 das necessidades diárias de homens e cerca de 50% das necessidades de mulheres.
Ferro
O ferro é um nutriente essencial para composição da hemoglobina, que contém 66% dos cerca de 3,5 a 4,5 g de ferro encontrado em um organismo adulto.
A hemoglobina transporta oxigênio para todas as células e remove o gás carbônico produzido pela respiração celular, e quando está diminuída por carência de ferro na dieta, promove o aparecimento de anemia, que é a mais importante deficiência nutricional do mundo, acometendo entre 10 e 66% da população, dependendo da região do globo e do estrato social. Entre os sintomas desta doença, estão a palidez, o cansaço, dificuldades respiratórias, dores de cabeça, baixa resistência a doenças e perda de apetite. Em crianças, a deficiência de ferro compromete a capacidade de aprendizado, com conseqüências negativas para a capacitação profissional na idade adulta.
Cerca de 40% do ferro contido nas carnes está na forma conhecida como ferro-heme, sendo o restante como ferro não-heme. Esta é também a forma do ferro encontrado nos alimentos de origem vegetal. O ferro-heme é mais eficientemente absorvido do que o ferro não-heme: do total de consumo, cerca de 30% é aproveitado, sendo que a forma não heme apresenta uma absorção próxima a 5%. A combinação de alimentos fontes de vitamina C contribui para melhorar a absorção do ferro não-heme, que pode chegar a 15%, contudo em nada interfere sobre o aproveitamento do ferro-heme.
Para um adulto do sexo masculino, a dieta deve fornecer cerca de 8 mg de ferro por dia, e 100 g de carne bovina contém cerca de 20% deste total. A recomendação de ferro para mulheres é maior, em função das perdas determinadas pelo ciclo menstrual.
Vitaminas
Carne bovina é boa fonte de vitaminas do complexo B. A riboflavina, também conhecida como Vitamina B2, participa de reações relacionadas ao metabolismo de energia. A niacina está envolvida com a produção de diversos compostos necessários para o organismo. A vitamina B12, presente apenas em alimentos de origem animal, participa da conversão de nutrientes em energia, mas destaca-se pela sua importância para a síntese das células vermelhas do sangue e manutenção do Sistema Nervoso Central. A tabela abaixo traz as quantidades recomendadas por dia para cada um destes componentes, sempre tendo como referência um homem adulto, e o percentual fornecido por 100 g de carne bovina.
Características de preparo
Evidências apontam para o fato de que tratamentos muito severos com calor, como a fritura e o assamento excessivo, que chega a deixar os cortes de carne com aspecto excessivamente tostado, estão associados à produção de compostos como aminas heterocíclicas - AH, e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos HAP. As AH se mostraram potencialmente mutagênicas em animais, e carcinogênicas em camundongos, ratos e primatas, especialmente no fígado, mas também pele, pulmão, cólon e mama. Os HAP, como o benzopireno, entre outros, são carcinogênicos e mutagênicos, e acredita-se que contribuem fortemente para alguns tipos de câncer em humanos. Já os compostos N-nitrosos - CN, podem ser produzidos endogenamente a partir de excesso de proteínas da dieta, e representam comprovada causa de câncer em mais de 30 espécies animais, inclusive no homem.
Todos estes compostos podem ser originados de outros alimentos da dieta, e mesmo de condições ambientais desfavoráveis, como é o caso dos HAPs, presentes na fumaça de diversas origens. Alguns vegetais, como a alface e o espinafre, são fontes importantes de nitratos, que podem originar CNs no organismo.
As condições ideais de preparo devem, portanto, usar o calor moderadamente. A cocção úmida (em água, ou sob pressão) é a mais segura. O uso de calor seco (grelhar, assar, e especialmente, fritar) deve evitar a “queima” do alimento, ou de partes do corte.
Considerações finais
Pelo exposto, temos segurança em afirmar que o consumo moderado de carne bovina, preparado adequadamente, é uma medida não apenas segura, mas recomendável para a dieta de crianças, adultos e idosos. Estudos comprovam até mesmo que podem ser de algum benefício para a prevenção de doenças crônicas típicas de idosos, como o mal de Alzheimer.
Mudanças no padrão de consumo de alimentos que incluem o consumo de pequena ou nenhuma quantidade de carne podem trazer implicações importantes para o estado nutricional, especialmente no que se refere ao fornecimento de proteína e minerais como o ferro, e devem ser combatidos.
Texto de Semíramis Martins Ávares Domene, professora titular da Faculdade de Nutrição, CCV, PUC Campinas, publicado no sítio SIC - Serviço de Informação da Carne http://www.sic.org.br/. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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