A MARCHA DOS CAVALOS
Da mesma forma que andamos e corremos, os cavalos andam, trotam e galopam. Mas alguns também marcham,uma variação do trote que é mais confortável para o cavaleiro. A capacidade de marchar é hereditária e muitas raças foram selecionadas com base nessa característica. Agora foi descoberto que a capacidade de aprender a marchar depende da presença de uma mutação em um gene. Todos os vertebrados terrestres (com exceção das cobras)se locomovem alternando o avanço das pernas.
Esse movimento das pernas, uma vez iniciado,é automático e controlado por uma série de neurônios localizados na medula espinhal. É por isso que podemos nos distrair pensando na vida enquanto caminhamos ou corremos. No nosso caso, como só temos duas pernas, a coordenação é simples,o caminhar e o correr envolvem somente a alternância do movimento de duas pernas. No caso dos cavalos é mais complicado. No trote, o cavalo alterna o lado da perna que coloca na frente. Assim,quando a perna esquerda dianteira está na frente,é a perna direita traseira que está na frente. No passo seguinte isso se inverte e assim por diante. Mas alguns cavalos são capazes de marchar e, nesse caso, a sincronia das pernas é diferente.
Faz tempo que se sabe que essa capacidade de marchar ou trotar é hereditária. Ao longo de centenas de anos, os criadores selecionaram raças capazes de marchar e raças incapazes. Foi aí que os geneticistas se interessaram. Se essa característica é hereditária, qual seria o gene responsável?
Para isso,eles examinaram 1.160 cavalos de 21 raças, de diversos continentes. Todas as raças marchadoras, como o Missouri Fox Trotter, o Paso Fino e o Marchador Peruano possuem o gene truncado. As raças que somente trotam, como o Puro-Sangue Inglês(o cavalo de corrida), os cavalos árabes, os cavalos das estepes russas e outros cavalos europeus, todos possuem a versão do gene que produz a proteína maior. Isso confirmou que esta é alteração genética responsável pela capacidade de marchar de todos os cavalos do planeta. Mas como esse gene estaria agindo?
Para estudar o funcionamento do gene, os cientistas utilizaram camundongos. Nos camundongos normais, o gene é da variedade longa, mas foi possível produzir um camundongo transgênico contendo exatamente a forma do genemais curta,semelhante à presente nos cavalos capazes de marchar. De posse desses dois tipos de camundongos, os cientistas estudaram como eles se locomoviam. Quando comparados com os camundongos normais, os “marchadores”se comportavam de maneira idêntica durante o andar, mas, quando colocados em uma esteira e forçados a andar mais rápido, atrapalhavam-se e trocavam as pernas ao tentar correr, caindo mais frequentemente da esteira. Eles também tinham mais dificuldade para nadar. Foi então examinado onde esse gene estava atuando. Descobriram que o gene atua exatamente nos neurônios da medula espinhal que controlam os movimentos das pernas. Nos animais com o gene truncado, esses neurônios se organizam de maneira um pouco diferente durante o desenvolvimento do animal e provavelmente essa organização alterada explica a maior flexibilidade desses cavalos em alterar a forma como coordenam as suas patas durante a marcha ou o trote.
Custo
O interessante é que essa maior flexibilidade tem um custo.Os cavalos marchadores têm galope mais lento e menos coordenado.Isso explica a total ausência desse gene nos cavalos de corrida.Os marchadores também têm mais dificuldade de fazer a transição do trote para o galope e isso explica porque todos os cavalos selecionados para corrida de trote (puxando pequenas charretes) possuem o gene que permite a marcha.
Nessas corridas, se o cavalo começa a galopar, ele é desclassificado. Esse estudo mostra como uma simples alteração, em um único gene, pode alterar um comportamento complexo como a forma de se locomover de um quadrúpede.Ele também é um exemplo de como nossos ancestrais, à procura de um cavalo mais confortável, acabaram selecionando animais com essa alteração genética sem saber o que eram genes, DNA ou da existência de neurônios na espinha dorsal. É mais um exemplo de nossa capacidade de alterar os seres vivos com os quais interagimos.
Texto de Fernando Reinach, publicado em "O Estado de S. Paulo" edição de 27 de setembro de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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