SALVEM AS SARDINHAS


Nasci na cidade praiana de Roma, na Itália, e, desde pequeno, aprendi a respeitar a natureza, principalmente o mar e seu ecossistema. Há mais de dez anos, moro na Barra da Tijuca. Tenho uma vista privilegiada de uma praia linda, limpa e respeitada pelos moradores. Sou apaixonado pela praia, mas não tenho tanta vontade ou disposição para aproveitar como antigamente. Atualmente, vivo a praia da minha varanda. Na parte da manhã, leio o jornal deitado na rede e começo o meu dia apreciando o visual.
À noite, quando volto para casa, gosto de tomar um chá na varanda, ouvindo o barulho das ondas, que me relaxa e me renova. Acho curioso que no Brasil a praia é prioritariamente diurna. Quase não há movimento à noite. É o oposto da Europa, onde quase ninguém vai à praia de dia e as noites são muito agitadas. Dali, vejo de tudo um pouco. Pescadores em alto-mar e pessoas praticando esporte na areia ou passeando com cachorro no calçadão. É muito legal essa mistura de perfis. Mas, da minha janela, percebo uma infeliz semelhança com minha cidade: o desrespeito à época de defeso dos  em especial ao das sardinhas. Esse peixe do Mediterrâneo sofre com a pesca predatória também aqui. Os cardumes, aliás, são mais comuns no Brasil e na Argentina do que nas próprias águas mediterrâneas.
Durante o dia, consigo ver barcos pesqueiros lançando as redes ao mar mesmo durante esse período reservado para a reprodução da espécie. Um absurdo. E as desculpas são sempre as mesmas. Os pescadores costumam dizer que estão limpando as redes, mas as gaivotas que seguem as embarcações em busca de alimento indicam a realidade. Durante a madrugada, eles também estão presentes. Vejo no meio do mar luzes pequenas usadas para atrair uma maior quantidade do peixe, que se encanta com o brilho. Esse desdém não é só com esta espécie. Outras também são retiradas da água ainda muito pequenas. E este desrespeito com o meio ambiente é algo que preocupa. Os alimentos não têm mais o sabor de alguns anos atrás. Com tantas mudanças climáticas, o sal, o azeite e os próprios peixes estão diferentes. Há pouco tempo, fui para a Itália passar férias e comprei aliche com azeite para matar a saudade. Estava saboroso, mas fiquei decepcionado, porque perdeu aquele gosto de infância.
E não foi porque eu cresci. O gosto está diferente mesmo. Percebo essa mudança em quase todos os produtos. O queijo mozarela que provei há alguns meses na Itália não é o mesmo que comia há 14 anos. Acho que o paladar das pessoas não é mais tão apurado. A maioria já está se acostumando com comida ruim, sem sabor ou de pouca qualidade. Tem muita porcaria vendida por aí. Adoro sardinha. Além de ser muito saborosa, é de fácil manuseio. Quando fresca, pode ser preparada de diferentes maneiras: assada com vinagrete e azeite balsâmico, por exemplo. Gosto muito de um aperitivo, muito comum na Itália, com vinagre. Para preparar, é simples: basta deixar a sardinha embebida no vinagre de um dia para o outro. Depois, é só retirar o vinagre, lavar bem e temperar com salsinha, pimenta e azeite extravirgem. Fica uma delícia. E tomara que continue assim.

Texto de Gennaro Cannone publicado na revista "O Globo" seção "Colunista Convidado" inserida no jornal "O Globo" de 26 de agosto de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa. 


0 Response to "SALVEM AS SARDINHAS"

Post a Comment

Iklan Atas Artikel

Iklan Tengah Artikel 1

Iklan Tengah Artikel 2

Iklan Bawah Artikel