PLANTA NORDESTINA BLOQUEIA A ESCLEROSE MÚLTIPLA.


 Pesquisadores brasileiros encontram substância natural com ação anti-inflamatória no combate à doença autoimune. Em experimentos com ratos, o avanço do mal degenerativo foi contido significativamente após a administração oral do produto.

Pesquisadores brasileiros publicaram na revista internacional Biochemical Pharmacology estudos que indicam o potencial terapêutico de um produto natural isolado de uma espécie típica do Nordeste brasileiro: a Euphorbia tirucalli, conhecida popularmente como avelós. O constituinte isolado é chamado euphol, e, segundo Rafael Cypriano Dutra, um dos cientistas, tem “expressiva atividade anti-inflamatória e imunomoduladora” em modelo experimental de esclerose múltipla em camundongos. Autoimune, a doença compromete o sistema nervoso central.
A descoberta, segundo os pesquisadores envolvidos no estudo, ainda é muito inicial para ser considerada uma revolução terapêutica no tratamento de pacientes, principalmente pelo fato de que o desenvolvimento de uma substância até sua transformação em medicamento vendido em farmácias demora em média de 10 a 15 anos e obedece a várias etapas.
Durante a pesquisa, ficou demonstrado que o euphol inibe significativamente o desenvolvimento da doença em camundongos quando administrado por via oral. Além disso, a substância bloqueia seletivamente as células que induzem à doença. Ou seja, o euphol foi capaz de inibir os linfócitos (glóbulos brancos do sangue), que destroem a bainha de mielina. É ela que reveste os neurônios e torna a transmissão nervosa mais eficaz e rápida, permitindo que as mensagens do cérebro cheguem ao seu destino em todo o corpo.
Consequentemente, os animais tratados com o euphol não apresentaram os sinais clínicos da doença. Um dos tipos de esclerose é a lateral amiotrófica (ELA), que afeta principalmente os neurônios motores, causando atrofia muscular por desenervação, sem a participação das células do sistema imunológico, como no caso da esclerose múltipla. Além disso, a principal causa da ELA são os fatores genéticos. “Por essa razão, para sabermos se o euphol poderá auxiliar no tratamento da esclerose lateral amiotrófica, outros estudos serão necessários”, pondera Dutra.
A esclerose múltipla — que atinge áreas do cérebro, do cerebelo, do tronco encefálico e da medula espinhal, afetadas por in inflamação e posterior aparecimento de cicatrizes (escleroses) — ainda não tem cura e, como é considerada  uma doença crônica e degenerativa, seu tratamento tornase extremamente caro, o que muitas vezes dificulta a adesão dos pacientes, explica Rafael Dutra.
“Além disso, hoje existem diferentes tipos de medicamentos disponíveis no mercado para tratar os sintomas associados à esclerose múltipla, entre os quais posso destacar os interferons (IFNs), alguns anticorpos monoclonais, e, mais recentemente, os fármacos orais. No entanto, no momento, não temos como estimar um valor comercial para o euphol.” Os interferons (IFNs), administrados por meio de injeções diárias, custam entre R$ 580 e R$ 1.056. Medicamentos como o Copaxone ou Glatirâmer, com dose subcutânea diária, custam em torno de R$ 5 mil a caixa com 28 ampolas.
Linhas de pesquisa As pesquisas iniciais com o avelós partiram do empresário cearense Everardo Ferreira Telles, do grupo Ypioca, que decidiu investir no efeito antitumoral dos constituintes presentes no látex do avelós amplamente usado na medicina popular. Durante os estudos iniciais, o farmacêutico Luiz Francisco Pianowski isolou os diferentes constituintes presentes no látex, entre eles o euphol.
A partir desse momento, diferentes linhas de pesquisa surgiram: investigação dos efeitos antitumorais dos constituintes isolados do látex do avelós, chamado de AM10, investigação dos efeitos analgésicos do euphol e avaliação dos efeitos anti-inflamatórios e imunomoduladores do euphol no modelo experimental de esclerose múltipla.
Rafael Cypriano Dutra, que desenvolvia projeto de doutorado no laboratório do professor João Batista Calixto, se interessou por entender os mecanismos envolvidos no desenvolvimento da doença. “Isso significava um desafio pois, até aquele momento, nenhum de nós tinha experiência com o novo modelo. Porém, depois de padronizarmos o modelo experimental de esclerose múltipla em camundongos, foi possível realizarmos novas pesquisas com diferentes compostos, nesse caso o euphol”, explica Dutra. Além de Dutra, participaram do estudo publicado na Biochemical Pharmacology João Batista Calixto, também da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e o farmacêutico Luiz Francisco Painowiski, presidente da Kyolab, em Campinas, assim como alunos de iniciação científica e de pós-graduação em farmacologia da UFSC.
A ideia inicial do projeto surgiu no primeiro semestre de 2010. Em agosto do mesmo ano, o projeto foi contemplado com uma bolsa de iniciação científica do  Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cedida à acadêmica do curso de graduação em farmácia da UFSC Paula Roberta de Cezaro de Souza.
De agosto de 2010 a julho de 2011, o trabalho foi desenvolvido pela acadêmica, assim como pelos outros alunos de pós-graduação em farmacologia, sob a coordenação dos pesquisadores. Em novembro do ano passado, o manuscrito foi submetido à revista internacional Biochemical Pharmacology e em janeiro deste ano o trabalho foi aceito para a publicação.

Texto de Elian Guimarães publicado na edição de final de semana (31 de agosto a 2 de setembro de 2012) do "Jornal do Commércio". Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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