OS SABORES DO ANO 1000


As imagens que nos chegam dos faustosos banquetes promovidos pela nobreza, séculos atrás, não correspondem à exacta realidade histórica. Mesmo entre as classes mais abastadas as iguarias à mesa eram coisa rara por volta do ano 1000. A escassez era a

Nos filmes sobre o Robin dos Bosques habituámo-nos a ver os nobres banquetearem-se com deliciosas iguarias e mesmo os companheiros do famoso salteador fazerem na floresta de Sherwood grandes churrascos para comemorarem as suas vitórias sobre o xerife de Notingham. Mas a verdade é que nessa época, por volta do início do segundo milénio da era cristã, os banquetes e churrascos eram raros, mesmo entre os nobres. A escassez era a regra e os mais pobres tinham mesmo que sujeitar-se a fomes cíclicas, segundo o livro Ano 1000 – Como se Vivia na Viragem do Primeiro Milénio (Campo das Letras, 2000) da autoria de Robert Lacey e Danny Danziger.

É certo que Lacey e Danziger escrevem essencialmente sobre os habitantes da Grã-Bretanha anglo-saxónica, mas muito daquilo que relatam é aplicável aos habitantes de outras paragens da Europa, incluindo essa faixa mais ocidental da Península Ibérica que viria a transformar-se em Portugal. Acrescente-se a azeitona e o azeite próprios do mundo mediterrânico, os frutos trazidos pelos invasores árabes, como a laranja, e o tradicional vinho apreciado desde os tempos romanos e teremos a dieta alimentar dos ibéricos do ano 1000. Nessa época, as especiarias vindas do Oriente eram raríssimas e por isso muito caras, pelo que a pimenta ou a canela não passavam de um luxo acessível a muitos poucos. Os europeus desconheciam igualmente o açúcar e o cacau, e os hoje popularíssimos tomates e batatas só passaram a ser consumidos no velho mundo depois da descoberta da América em 1492.

O que comiam então os europeus do ano 1000? Primeiro que tudo pão, fosse de centeio, de aveia, de cevada ou de trigo. Os cereais eram a base de sustento das populações de há mil anos e a carne só em ocasiões de festa ou dias de sorte na caça era consumida. Segundo Lacey e Danziger, “um grande pedaço de vaca no espeto era considerado o melhor petisco”, mas a carne de carneiro, pelo contrário, era tão pouco apreciada que chegava a ser tida como “comida de escravos”. O porco merecia mais consideração por parte dos europeus, se bem que nas regiões ibéricas sob domínio muçulmano o seu consumo fosse proibido pelo Alcorão. Além dos muçulmanos, também os judeus se abstinham de comer essa carne considerada impura.

Os animais dessa época eram magros, pelo que a sua carne continha três vezes mais proteínas que gordura. O que significa que o colesterol provocado pelo excessivo consumo de gorduras saturadas não deveria ser um problema de saúde para os homens e mulheres da passagem do primeiro para o segundo milénio. As aves, por seu lado, eram consideradas comida de luxo e além disso eram-lhes atribuídas virtudes curativas. Um livro de remédios inglês dessa época mostra que a canja de galinha se consumia com fins terapêuticos. Outras aves, como patos, pombos e gansos surgiam sobretudo em banquetes, juntamente com caça variada, sendo o veado o animal selvagem com a carne mais apreciada.

Do rio e do mar, tiravam também os nossos antepassados de há mil anos algum sustento. Enguias, lúcios, robalos, trutas e lampreias eram muito apreciados, mas também arenques, salmões, ostras, caranguejos e até golfinhos. Havia também quem se arriscasse a caçar baleias com pequenos barcos, para sobretudo usufruir do seu óleo, muito procurado numa época em que as gorduras escasseavam.

Menos afortunados que os mediterrânicos, os britânicos do ano 1000 praticamente não tinham acesso a vinho digno desse nome. “O fermento das uvas inglesas raramente produzia álcool com mais de quatro graus”, escrevem Lacey e Danziger. A cerveja inglesa do ano 1000 também não era particularmente entusiasmante, pois “tinha de ser imediatamente consumida e era, provavelmente, uma bebida extremamente doce com a consistência de papas de aveia”. Com este cenário, não admira que as preferências recaíssem sobre o hidromel, uma bebida alcoólica muito doce fermentada a partir de favos de mel.

Em tempos de abundância eram estes os sabores do ano 1000, comidos com as mãos, pois os talheres eram um conceito desconhecido. O garfo só foi inventado no século XVII e a faca era apenas o punhal pessoal de cada um. Para beber, os mais ricos tinham taças ricamente ornamentadas, mas o mais comum eram os cornos de animais servirem de copos. Mas em tempos de fome, os mais aflitos procuravam nos bosques bolotas e outros frutos geralmente deixados para os porcos e, segundo Lacey e Danziger, “é sabido que as bolota, os feijões, as ervilhas e até as cascas das árvores serviam para aumentar a quantidade de farinha quando havia menos grão.

Publicado no site "Gastronomia Polvo" gravado por LC em 23 de abril de 2002 e aparentemente não mais disponível. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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