OS CAMINHOS ANTIGOS NO TERRITÓRIO FLUMINENSE
“Muitos foram os caminhos de desbravamento e circulação utilizados no Brasil da Colônia ao Império. Estradas e picadas, percorridas a pé, em lombo de burro ou em diligências, levavam produtos ao interior e traziam as riquezas da terra que tomavam o rumo de Portugal. Fundamentais na história e na construção da identidade da futura nação, os caminhos despertam hoje interesse e curiosidade. São associados à imagem dos tropeiros e bandeirantes, corajosos homens que, ao vencerem a natureza e os primeiros ocupantes, forjavam o Brasil contemporâneo. Residem no imaginário como testemunhos de um país que estava por se construir, em que, partindo de um suposto e forçado marco zero, eliminando-se o elemento indígena, tudo poderia fazer, ou mais importante tudo poderia ser”.
(Flávia Brito, in Caminhos Singulares)
Apresentação
O interesse em descrever, ou melhor, em transcrever os percursos das antigas estradas de penetração no interior do território fluminense justifica-se pela importância que estas tiveram como vetores do povoamento e desenvolvimento da região do Vale do Paraíba no Estado do Rio de Janeiro.
Parte significativa da história de nossa colonização foi escrita ao longo e através desses caminhos, e quando sobre eles nos debruçamos trazemos à tona acontecimentos que abrangem desde a expulsão dos índios nativos de suas terras, ao transporte do ouro e o abastecimento das Minas Gerais, chegando ao estabelecimento da cultura do café, ao surgimento e enriquecimento das famílias dos “barões do café”, e às modificações sócio-econômicas e culturais por que passou esta região, e o país como um todo, nesse período de tempo que é objeto de nosso estudo.
Surgem, então, com freqüência, algumas perguntas: por quais caminhos trilharam esses desbravadores? Em que locais se estabeleceram? Por onde passaram tantos viajantes estrangeiros, naturalistas, artistas e escritores? De onde vinha e para onde ia esse enorme contingente de aventureiros, dispostos a tudo, cheios de esperanças e ávidos de riquezas e glórias?
“Na vizinhança do Rio, a primeira aldeia de alguma importância é a do Porto da Estrela (...). As mercadorias destinadas às províncias do interior, como Minas Gerais,Minas Novas, Goiaz, etc., são primeiramente conduzidas, da mesma forma que os viajantes, em pequenas embarcações, do Rio ao Porto da Estrela. Aí são elas
confiadas a tropas de mulas que, por seu lado, trazem, de volta, carga para os navios do Rio de Janeiro."
Muitos vestígios desses tempos passados encontram-se registrados em relatos, desenhos e aquarelas que retratam as paisagens por onde passaram os viajantes, impulsionados pelos mais diferentes motivos. São elas, as primitivas roças para a provisão de mantimentos; as estalagens que se têm notícias, os armazéns que abasteciam as tropas de mulas dos carregadores de ouro; são os postos de registro que controlavam o tráfego das riquezas minerais extraídas do interior do país; os engenhos de açúcar com seus destiladores e moendas; as primeiras fazendas que se ocupavam das plantações de milho, mandioca, arroz e feijão e da criação de suínos para a produção de toucinho salgado, tão apreciado pelos tropeiros; são os portos fluviais de cidades que desapareceram; os povoados e núcleos urbanos que estacionaram no tempo.
Mais tarde, muitas dessas primeiras fazendas, de que temos notícia, tornaram-se grandes produtoras de café, a exemplo do Pau Grande, em Avelar (Paty do Alferes), de propriedade do Barão de Capivari e, depois, de seu filho, Visconde de Ubá, ambos chamados Joaquim Ribeiro de Avelar. Tem-se ainda a Fazenda Ubá, de propriedade do Barão de Ubá, João Rodrigues Pereira de Almeida, em Vassouras, e a Fazenda Boa União, em Paraíba do Sul, pertencente a José Antonio de Carvalho, conhecido como Major Carvalhinho, futuro Visconde do Rio Novo.
Esses vestígios também podem ser percebidos num olhar atento às paisagens remanescentes das matas nativas que circundam e acompanham os leitos desses caminhos; nos calçamentos de pedra que “insistem” em permanecer revestindo trechos dessas estradas; na singeleza ou monumentalidade das ruínas e edificações que sobreviveram ao tempo e que, por vezes, se adequaram aos tempos “modernos”, ganhando novos usos e funções, como o são as edificações da Arquitetura do Café.
Assim, a história do Vale do Paraíba Fluminense foi sendo construída, aos poucos, a partir do alcance e penetração desses caminhos de terra primitivos, aliados a riqueza de sua rede fluvial, alimentada pela generosidade do Rio Paraíba do Sul, e a riqueza das florestas circundantes, com seus solos férteis (mas não eternos), que se somaram a tantos outros fatores econômicos, políticos e sociais, contribuindo para transformar a região, num passado não tão remoto, meados do século XIX, num dos maiores pólos produtores de café do país. Tamanha grandeza ainda se faz presente na imponência das arquiteturas das casas-sede e demais edificações que compunham tais unidades produtivas, que se constituem, per si, em verdadeiros documentos vivos de nossa história.
As primeiras estradas
Os primeiros caminhos no Vale do Paraíba surgiram, ainda no século XVII, quando a Coroa portuguesa, com o objetivo de encontrar ouro e pedras preciosas no interior da colônia, começou a buscar pontos distantes do litoral, através das velhas picadas abertas pelos índios. Encontrado o metal precioso nas Minas Gerais, deu-se início à corrida para conquistá-lo e, em conseqüência, a construção de uma verdadeira rede de estradas, consolidada ao longo dos séculos seguintes. Com o declínio do ciclo do ouro a partir de 1750, os velhos caminhos de terra, sinuosos e estreitos, foram sendo calçados e ampliados para a passagem das tropas que transportavam o “ouro verde”, o café, a maior riqueza do século XIX.
O Caminho Velho
Em meados do século XVI, a região de Angra dos Reis, Parati e Ubatuba recebeu especial atenção da metrópole, tendo em vista a colonização da área e a garantia de sua posse para a Coroa portuguesa. Essas regiões desempenhavam papel estratégico entre o caminho do mar e a penetração para o interior. A principal atividade econômica da época era o cultivo da cana-de-açúcar.
Foi com o surgimento das notícias sobre o ouro, em 1695, que os primeiros aventureiros subiram a trilha dos guaianazes com destino ao sertão. No final do século XVII, foi criado o caminho para as Minas Gerais, a que se tinha acesso pela serra do Quebra Cangalha, pelo caminho da Freguesia do Facão (atual Cunha), atingindo-se o Rio Paraíba do Sul. Nesse ponto, dava-se o encontro com a rota dos bandeirantes paulistas, na altura de Guaratinguetá, e na Garganta do Embaú. Vencida a serra, o caminho seguia até Baependi, Carrancas, São João Del Rei e São José Del Rei (hoje, Tiradentes), até alcançar os arraiais de Antônio Dias e de Vila Rica (atual Ouro Preto).
Parte desse caminho ainda existe, como, por exemplo, o trecho que liga Parati a Cunha e Guaratinguetá, a atual RJ-165 / SP-171.
O historiador Magalhães apresenta o roteiro do “Caminho Velho” na página 177 de Cultura e opulência do Brasil, ed. de 1837, de André João Antonil, anagrama do padre jesuíta João Antonio Andreoni, que o publicou em 1711:
“Em menos de trinta dias, marchando de sol a sol, podem chegar os que partem da cidade do Rio de Janeiro às Minas Gerais; porém raras vezes sucede poderem seguir esta marcha, por ser o caminho mais áspero que o dos paulistas. E por relação de quem andou por ele em companhia do Governador Artur de Sá é o seguinte: Partindo, aos 23 de agosto, da cidade do Rio de Janeiro foram a Parati, de Parati a Taubaté, de Taubaté a Pindamonhangaba, de Pindamonhangaba a Guaratinguetá, às rocas de Garcia Rodrigues, destas roças ao ribeirão. E do ribeirão com oito dias mais de sol a sol chegaram ao rio das Velhas aos 29 de novembro; havendo parado no caminho oito dias em Parati, dezoito dias em Taubaté, dois em Guaratinguetá, dois nas roças de Garcia Rodrigues, e 26 no ribeirão. Que por todas são cinqüenta e seis dias. E tirado estes dos noventa e nove, que se contam desde 23 de agosto até 29 de novembro, vieram a gastar neste caminho não mais que quarenta e três dias.”27
Caminho Novo
Em 1698, a Coroa portuguesa tomou a decisão de abrir um novo caminho que interligasse o Rio de Janeiro às Minas Gerais. Foram dois os motivos dessa mudança de rota do ouro: a longa extensão do Caminho Velho e a localização dos portos de Angra dos Reis e Parati, alvos fáceis para piratas e corsários. Esse percurso ficou conhecido como Caminho Novo. Naquele mesmo ano, o desbravador Garcia Rodrigues Paes, filho do famoso bandeirante Fernão Dias Paes, o “caçador de esmeraldas”, foi encarregado da empreitada. Os trabalhos de abertura do novo traçado tiveram início na Fazenda Garcia, localizada nas margens do Rio Paraíba do Sul, onde hoje se encontra a cidade de mesmo nome. Já em 1699, esta ligação entre o Rio de Janeiro e as Minas Gerais era praticável, embora somente tenha sido concluída por volta de 1704 28.
O Caminho Novo, assim denominado para diferenciar-se da antiga rota, iniciava-se na cidade do Rio de Janeiro, onde por terra caminhava-se até o Porto de Irajá e deste por via fluvial, chegando a Iguaçu e depois ao Porto do Pilar. Deste Porto, a estrada seguia pela baixada Fluminense até subir a Serra do Tinguá, infiltrando-se por estas serranias até chegar às roças do capitão Marcos da Costa Fonseca Castelo Branco (atual Marcos da Costa). Através da garganta do Rio Santana passava-se por Palmares e em seguida chegava-se nas Roças do Alferes (atual Paty do Alferes). A partir desta localidade, a estrada atravessava a fazenda Pau Grande (hoje Avelar), Cavaru e a cidade de Paraíba do Sul, onde Garcia Rodrigues havia se fixado com fazenda e registro. Depois de atravessar o Rio Paraíba do Sul, seguia em direção a Paraibuna (Monte Serrat), atingindo a Rocinha da Negra (atual Simão Pereira), Matias Barbosa, fazenda Juiz de Fora (hoje cidade de Juiz de Fora), Chapéu d’Uvas (hoje Antonio Moreira), na Mantiqueira, Borda do Campo (atual Barbacena), Registro Velho e Encruzilhada do Campo. Nesse ponto a estrada se bifurcava em dois caminhos: o que levava a Vila Rica, atual Ouro Preto, e o que ia para São João d’El Rei.
Este último ficou conhecido como Caminho do Ouro, uma vez que por aí circulavam os carregamentos de ouro destinados à Coroa. O Caminho Novo diminuiu a viagem entre o Rio de Janeiro e Vila Rica de 95 para 25 dias29. Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, essa estrada ganhou o codinome de Estrada Real ou Estrada Geral30.
Outras variantes do Caminho Novo
Durante todo o século XVIII, inúmeras vias alternativas ao Caminho Novo foram sendo abertas, todas, inicialmente, com a finalidade de encurtar distâncias.
Em 1723, Aires Saldanha, então governador da Capitania do Rio de Janeiro, incumbiu Garcia Rodrigues de criar um caminho que evitasse a serra do Couto (próximo a Miguel Pereira), mas este não aceitou a incumbência, alegando cansaço e doença. O mesmo encargo foi então proposto a Bernardo Soares de Proença, rico fazendeiro que morava em Suruí e conhecia toda a região. Em troca, foi-lhe oferecida uma sesmaria desde o Alto da Serra até o Itamarati. Bernardo recebeu a sesmaria em 11 de setembro de 1721 e teve sua confirmação através de Carta Régia de 30 de julho de 1723.
O antigo traçado que antes exigia 30 dias para sua travessia passou a ser percorrido em apenas quatro ou cinco dias. Esse atalho ficou conhecido como Caminho de Inhomirim, Caminho de Estrela ou Variante do Proença, mas seu nome oficial era Atalho do Caminho Novo30.
O caminho alternativo de Bernardo Soares de Proença perfazia o seguinte trajeto: do Cais dos Mineiros, hoje praça XV de Novembro, na baía de Guanabara, subia-se o rio Inhomirim até o Porto de Estrela, passava pela fazenda da Mandioca, que pertenceu a Langsdorff, e por fazendas do Córrego Seco (atual Petrópolis), Padre Correa, Secretário e Vila de Sebolas, encontrando-se, ao final, com o Caminho Novo em Santo Antonio da Encruzilhada.
Hoje, o antigo Caminho do Proença ainda existe próximo à atual RJ-107, conhecida como Velha Estrada de Petrópolis ou Estrada Automóvel Club31. Grande parte foi aproveitada em 1850, com a construção da Estrada Normal de Estrela. O abandono desta estrada estaria na inauguração do ramal que ligava Guia de Pacobaíba a Raiz da Serra, a Estrada de Ferro Barão de Mauá, deslocando o eixo de embarque marítimo do Porto de Estrela para Pacobaíba32. Mais tarde, parte dessa estrada seria aproveitada pela Estrada União e Indústria, atual RJ-107, entre Petrópolis e Posse.
Além dessa variante do Caminho Novo, duas outras vias se originariam no Rio de Janeiro, ainda no século XVIII. Uma delas é o Caminho para São Paulo, ou Estrada Real de Santa Cruz, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo de Piratininga. Essa via foi aberta em 1725, com o objetivo de transportar o ouro vindo das Minas de Cuiabá, no Mato Grosso, para os portos do Rio de Janeiro. O caminho passava por Santa Cruz, Itaguaí e São João Marcos; a seguir, prosseguia, entrando na Província de São Paulo por Bananal e, posteriormente, Areias, e conectando-se com o antigo caminho velho em Cachoeira Paulista. 33
A outra estrada, denominada Rodeio, Caminho de Terra Firme ou ainda Caminho Novo do Tinguá, foi aberta por volta de 1750. Iniciava-se no Rio de Janeiro, prosseguindo em direção ao Engenho de Pedro Dias – onde o Guarda-Mor Pedro Dias Paes construiu a capela dedicada a N. S. de Belém e Menino Deus, atual Japeri – e subia a serra do Tinguá.
Desses caminhos aparecem derivações no século XIX, como aquele que, saindo de Belém (hoje Japeri), na direção de Terra Firme ou Rodeio, rumava para a capela de Thomazes, entre os rios Piraí e Paraíba do Sul, em seguida, para Barra Mansa e Campo Alegre da Paraíba Nova, atual Resende. Essa estrada aparece citada com a denominação de Estrada Real das Boiadas34a.
Caminhos do café
No início do século XIX, com o esgotamento das minas de ouro nas Gerais, os caminhos abertos para o carregamento desse metal permitiram que uma nova riqueza, o café, povoasse as terras praticamente virgens do Vale do Paraíba do Sul. Com o apoio da Coroa, novas estradas logo surgiram, enquanto as antigas iam sendo melhoradas ou ampliadas com o objetivo de facilitar o escoamento da importante carga, inicialmente transportada em lombo de mula.
As primeiras a serem construídas, no século XIX, ligando os portos do litoral ao Vale do Paraíba do Sul, derivam de variantes e ramais dos antigos Caminhos: Velho e Novo.
No Caminho Velho, o primitivo porto de Parati foi substituído pelos portos de Jurumirim, Ariró, Itanema, Frade, Mambucaba, Bracuí e Sítio Forte, todos na baía de Angra dos Reis. Esses portos é que recebiam quase toda a produção do sul e sudoeste fluminenses, do chamado norte paulista, da zona meridional de Minas e ainda de Goiás. Até 1864, a antiga povoação de Santos Reis Magos, atual cidade de Angra dos Reis, foi, depois do Rio de Janeiro, o porto mais movimentado do Sul do Brasil. Havia ainda os portos de Itaguaí e Mangaratiba35.
Através desses portos também se fazia o desembarque de africanos no litoral sul do Rio de Janeiro. Dois anos depois da promulgação da Lei de 1850, que proibiu o tráfico de escravos, um importante acontecimento, conhecido na época como “Caso de Bracuhy”, envolveu os nomes de ricos fazendeiros com a atividade recém-proibida, como os de Manoel de Aguiar Vallim, o maior produtor de café na região de Bananal, e do Comendador Joaquim José de Souza Breves, o chamado Rei do Café. Todos foram indiciados, mas... inocentados36.
É nesses portos que se iniciam as novas estradas, como a de Mambucaba, que margeava o rio do mesmo nome, seguindo até a serra Geral e a do Frade, onde se bifurcava para Silveiras e para São José do Barreiro e Resende; a estrada de São João Marcos, que ligava o porto de Mangaratiba à cidade do mesmo nome e subia em direção de Rio Claro até atingir Barra Mansa, onde se dividia para Resende e Quatis; e a do Caramujo, que ligava os portos de Angra dos Reis e Jurumirim a Rio Claro37. São por essas estradas que, até a construção dos trilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II, se escoa toda a produção de café de Resende, Barra Mansa, São João Marcos, Bananal e São José do Barreiro, região pioneira na produção dessa lavoura no Vale.
Dos portos da Baixada, que serviam ao antigo Caminho Novo e variante, também surgem novas estradas: Comércio, Polícia, Werneck e Presidente Pedreira. O porto da Estrela, retratado por Rugendas, era um dos mais importantes da região38.
Construída entre 1813 e 1817 pela Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação do Estado do Brasil e Domínios Ultramarinos, daí o nome Comércio. A estrada partia do Porto de Iguaçu, no rio de mesmo nome, próximo ao Caminho Novo, mas, em lugar de subir rumo a Paty do Alferes, tomava a direção mais para o sul, galgando a serra do Mar, em trecho que foi chamado serra da Estrada Nova — entre as serras do Tinguá e de Sant’ Ana — e passando Vera Cruz, Massambará, até atingir as margens do Rio Paraíba do Sul. Daí dividia-se: um braço rumava rio abaixo, entrava pela Fazenda de Ubá, até encontrar o Caminho Novo e o da Estrela; o outro cruzava o rio, cuja travessia era feita por meio de balsa. Nesse ponto foi instalado um registro de mercadoria, que deu origem à localidade de Comércio. Desse local, a estrada seguia para o Porto dos Índios (nas margens do Rio Preto), mas antes, nas proximidades de Taboas, cruzava a estrada aberta por Rodrigues da Cruz, em 1801, que segue para a Aldeia de N. Senhora da Glória de Valença, atual cidade de Valença, até atingir a Vila de Nosso Senhor dos Passos do Presídio de Rio Preto, na divisa da província de Minas Gerais40. Segundo o Relatório da Presidência da Província do Rio de Janeiro de 1835, p. 28, esta estrada ainda não tinha atingido a Província de Minas, como objetivava41.
Ao longo do século XIX, surgiram várias derivações dessa estrada, a maioria delas construídas dentro dos municípios de Valença e Vassouras. Observe-se que grande parte dessa estrada ainda existe e permanece em uso. É importante ressaltar que sua construção beneficiou, sobretudo, as principais fazendas do Barão de Ubá, constituídas, à época, de um complexo de 14 sesmarias, capitaneadas pelas propriedades de Ubá e Cazal. O Barão de Ubá, um dos mais importantes membros da Junta de Comércio, foi sem dúvida nenhuma um grande articulador da construção da estrada42.
O naturalista August Saint -Hillaire , que descreve maravilhosamente o Brasil nos relatos de suas viagens por muitos desses caminhos, percorreu, em 1822, a Estrada do Comércio, que ele também denominava de Estrada Nova.
Estrada da Polícia
O seu traçado tinha como objetivo ligar a capital do Reino do Brasil, o Rio de Janeiro, ao sul da província de Minas Gerais, passando pelo Vale do Paraíba. Foi aberta a partir de 1817, pelo Intendente de Polícia do Rio de Janeiro Paulo Fernandes Vianna, uma das mais proeminentes figuras da Corte de D. João VI. Possuindo mais de 20 léguas de extensão, começava no Rio Pavuna e seguia por uma várzea de cinco léguas até iniciar a subida da serra do Mar, no lugar denominado João Paulo, daí para cima, seguia pelos morros atravessando as serras de Santa Ana, Botaes, passava em Simão Antonio, próximo à Sacra Família do Tinguá, Serra do Mata Cães, aonde se chegava à fazenda de José Rodrigues Alves, onde mais tarde foi fundada a cidade de Vassouras43. Daí prosseguia até as margens do Rio Paraíba, onde foi construída uma ponte de madeira. Às margens desse rio encontra-se a grandiosa Fazenda Santa Mônica, dos Marqueses de Baependy, cuja propriedade muito se beneficiou com a construção da estrada. De Santa Mônica a estrada tomava a direção da Aldeia de Valença e, daí, passava pelas terras de Vianna, para pouco mais adiante atingir a Vila do Presídio de Rio Preto.
De grande importância para as fazendas de Vassouras e Valença, assim referiu-se Joaquim José Teixeira Leite, o futuro Barão de Vassouras, à Estrada da Polícia: “única fonte de vida e prosperidade” 44. São também suas as palavras: “se vocês desviarem essas estradas da cidade, a cidade terá que se mudar também” 45. Dessa estrada ainda existem trechos do traçado original, a maioria no município de Vassouras.
Em 1829, o pastor Robert Walsh percorre a Estrada da Polícia e, em seu livro Notice of Brazil, refere-se à Vila de Valença, enquanto Sir Charles Banbury, em 1835, viajando, com toda certeza pela mesma estrada, já encontrou a Vila de Vassouras construída.
Estrada Presidente Pedreira
Idealizada em 1840, só se tornou praticável por volta de 1850 46. Antes denominada Estrada da Bocaina dos Mendes, seu traçado foi estudado pela primeira vez por engenheiros da provínciado Rio de Janeiro sob as ordens do Presidente da Província, José Clemente Pereira, proprietário da extensa Fazenda das Cruzes, nas proximidades de Ypiranga, município de Vassouras, cuja estrada cortou a mencionada fazenda. A estrada iniciava-se em Pavuna, passava por Belém (hoje, Japeri), Macacos (hoje Paracambi) e subia a serra margeando o rio dos Macacos, até atingir Rodeio (hoje, Paulo de Frontin). Desse ponto a estrada tomava a direção de Santa Cruz dos Mendes (hoje Mendes) e daí seguia até as margens do Rio Paraíba do Sul, em Ypiranga.
Atravessando o rio, a estrada tomava a direção de Ipiabas, passando pelas terras do Barão do Rio Bonito, até atingir Santo Antônio do Rio Bonito (hoje Conservatória). Em 1853, o presidente da província autoriza o fazendeiro Manoel da Silva Pereira Júnior a estender a estrada até a Santa Isabel do Rio Preto, na divisa com a Província da Minas Gerais, fazendo ligação com a Estrada de Bom Jardim na província de Minas Gerais.
A respeito das vantagens da estrada para Vassouras, assim oficiou o Presidente da Câmara de Vassouras ao Presidente da Província, em 16 de setembro de 1853, segundo o escritor americano Stein , na página 137 47.
“... não era apenas especialmente vantajosa, mas ainda absolutamente necessária para a cidade de Vassouras e a maior parte do município, que até a esta não tinha uma única estrada de carroça para viajar à Corte e para transportar certas cargas volumosas”
O nome Presidente Pedreira foi uma homenagem ao então Presidente da Província do Rio de Janeiro Luís Pedreira do Couto Ferraz, o Visconde de Bom Retiro, por ter sido responsável pelo término da obra48. Com a chegada dos trilhos da Estrada de Ferro D. Pedro II em Barra do Piraí, a Presidente Pedreira foi praticamente abandonada no trecho Vassouras Barra do Piraí.
As estradas supracitadas comunicavam-se através de outras tão importantes quanto, como as Estradas de Werneck (que cortava a do Comércio, próximo a Paty do Alferes) e do Presidente ou Picú, uma derivação da estrada de São Paulo, que, saindo de Itaguaí, subia a serra na direção de Piraí, passando depois por Barra Mansa, Resende, até encontrar a serra do Picú na Província de Minas. Essa estrada (do Picú) foi construída entre 1843 e 1846. Havia também a Estrada Rezende-Ariró, construída na década de 183049 e a dos Fazendeiros, que ligava Dores, no município de Piraí, ao Porto da Pavuna, construída em 1840.
Estrada União Indústria
Descontando-se os caminhos percorridos com carroças pelos tropeiros e que ligavam cidades e vilas brasileiras desde o século XVI, foi apenas com a inauguração da Estrada União e Indústria, em 1861, idealizada e executada pelo genial empreendedor Mariano Procópio Ferreira Lage, que a história das estradas pavimentadas começou a ser escrita.
A princípio a idéia parecia absurda, pois o projeto, além de inovador, era caro. Mas, sonhado por muitos fazendeiros do Vale, que viviam atormentados pela demora do transporte do café até a Corte, tudo se fez para concretizá-lo. A moderna técnica construtiva da estrada acabava, em parte, com os enormes atoleiros causados pelas caravanas de mulas que levavam o café do Vale aos portos da Baixada.
A maior obra de engenharia na América Latina da época começou a tornar-se realidade em 7 de agosto de 1852, quando Mariano Procópio obteve, graças ao decreto n0 1.301 do Governo Imperial, a autorização para a referida construção. As obras foram iniciadas em 12 de abril de 1856, com a presença e o incentivo de D. Pedro II e sua comitiva. Os trabalhos exigiam, no entanto, uma grande determinação de engenheiros e operários, uma vez que implicavam construções de pontes e os trajetos eram entrecortados pelas escarpas graníticas da serra do Taquaral. Mariano Procópio encarregou o engenheiro alemão Koeler para assumir a responsabilidade do trecho que ia da cidade de Três Rios até Juiz de Fora (à época, Paraibuna); e o brasileiro Antônio Maria Bulhões, do percurso entre as cidades de Petrópolis e Três Rios.
A técnica de construção da estrada era das mais modernas do mundo, incluindo o uso do macadame, recurso que Mariano aprendera nos Estados Unidos. O macadame é uma técnica que surgiu na Escócia, quando John Mac Adam inventou um sistema de construção de estradas e ruas que consiste em abrir nelas uma cavidade abaulada, igualmente alta em toda a sua largura (caixa de estrada), a ser preenchida com uma camada de pedra britada; esta, por sua vez, é recoberta por outra de saibro e calcada com o rolo ou cilindro, formando um corpo sólido e compacto.
Ao longo da estrada foram construídas sólidas pontes de pedra e ferro que passaram a constituir verdadeiras relíquias de engenharia, e de arte, já que algumas resistiram bravamente ao tempo, como a das Garças, em Três Rios.
Nas margens da estrada, além de se construírem muretas de pedra, plantaram-se mulungus vermelhos, árvores da família das leguminosas que, dada a trama bem-feita de suas raízes, conferem grande resistência aos terrenos dos acostamentos. Em época de florada, essas árvores proporcionavam um aspecto agradável à estrada, que ficava toda salpicada de flores vermelhas. Nas 12 estações de mudas edificadas, nenhuma arquitetura foi repetida.
Dividida em duas etapas, a estrada, que foi concluída em 23 de julho de 1861, estendia-se por 144 km no eixo principal, ou seja, Petrópolis/Juiz de Fora, perfazendo 96 km no Estado do Rio de Janeiro e 48 km no Estado de Minas Gerais. Contava ainda com três ramais, a saber: o primeiro partia de Paraibuna, seguia pela margem direita do rio Preto até Porto das Flores (hoje Manoel Duarte), passando por Três Ilhas e Santa Rosa; o segundo começava na estação da Posse e ia até Aparecida, passando por Rio Preto (hoje São José do Vale do Rio Preto).
A magnitude e importância que essa estrada trouxe podem ser ainda avaliadas pela descrição que dela é feita, em palavras e fotografias, no primeiro guia de viagens do Brasil, Doze horas em diligência – Guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora, escrito pelo fotógrafo do imperador, o francês Revert Henrique Klumb, e editado em 1872.
Sem dúvida nenhuma o ramal de Paraibuna foi o mais importante dos três, como afirmado pelo próprio Mariano Procópio, em carta escrita ao Vice-Presidente da Província do Rio de Janeiro, datada de 1865:
“Finalmente está bem demonstrada a utilidade que o ramal da estação do Paraibuna a Porto das Flores presta à lavoura, dizendo-se que o Exmo. Barão do Rio Preto, possuidor de extensas propriedades de Porto das Flores para cima, e mais avizinhado de Valença que da estação de Paraibuna, e todavia o melhor freguês desta, abraçou calorosamente a idéia de se levar avante o melhoramento projetado, concorrendo com 10:000$000”, de acordo com BASTOS 50.
Notas
27 Magalhães , Basílio. O Café: na História, no Folclore e nas Belas Artes. Brasiliana vol 174. 3a. ed. Cia editora Nacional. INL/MEC, 1980.p.59.
28 SILVA, Pedro Gomes da. Capítulos da Historia de Paraíba do Sul.Paraíba do Sul: Editora Cia Brasileira de Artes Gráficas,1991. p 22 -4.
29 DEISTER, Sebastião. Serra do Tinguá – 300 Anos de Conquistas, do Século XVII ao Século XX. 1ª edição, Volume I. Dedalus Informática LTDA. 2003. p.45.
30 BARREIROS,Eduardo Canabrava. D. Pedro: Jornada a Minas Gerais em 1822. Coleção Documentos Brasileiros – Volume 161. Rio de Janeiro: Livraria Jose Olympio Editora, 1973. p. 03
31 Telles , Augusto Carlos da Silva. Vassouras – Estudo da Construção Residencial Urbana. Separata da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n016, 1968.
32 Guia de Turismo Michelin - Rio de Janeiro Cidade e Estado. 1ª edição, 1990. p.29.
33 Idem, p.143
34 Telles , Augusto Carlos da Silva. Vassouras – Estudo da Construção Residencial Urbana. Separata da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n016, 1968.
34a ATHAYDE, J.B. de. Famílias Fluminenses.
35 MAGALHÃES, Basílio de. “Os antigos caminhos pelos quais foi o café transportado do interior para o Rio de Janeiro e para outros pontos do litoral fluminense”, in O café no Segundo Centenário de sua Introdução no Brasil. Rio de Janeiro: Edição do Departamento Nacional do Café, 1934. p 781.
36 MATTOS, Hebe Maria, e, SCHNOOR, Eduardo. Resgate: Uma Janela para o Oitocentos. Rio de Janeiro: Editora Tpbooks,1995.
37 MAGALHÃES, Op. Cit p. 781
38 Rugendas , Johann Moritz. Viagem Pitoresca através do Brasil. São Paulo: Martins Editora - 3ª edição - São Paulo – 1941
40 FERREIRA, Vieira desembargador. Cachoeira e Porangaba - A Concessão de Sesmarias no Brasil e a Lavoura de Café nas Montanhas de Valença. Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Vol 213. Rio de Janeiro: 1951. p 270-2.
41 Falla com que o presidente da provincia de Rio de Janeiro, o conselheiro Joaquim José Rodrigues Torres, abriu a 1.a sessão da 1.a legislatura da Assembléa Legislativa da mesma provincia, no dia 1.o de fevereiro de 1835. Nictheroy, Typ. de Amaral & Irmão, 1850. p 28
42 LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. O abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. (2ªed). Rio de Janeiro: SMCTE/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1993. p. 54
43 Relatorio do presidente da provincia do Rio de Janeiro, o senador Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, na abertura da 1.a sessão da 7.a legislatura da Assembléa Provincial, no dia 1º de abril de 1848, acompanhado do orçamento da receita e despeza para o ano financeiro de 1848-1849. Rio de Janeiro, Typ. do Diario, de N.L. Vianna, 1848.p.28
45 Stein , Stanley. J. Vassouras um Município Brasileiro do Café, 1850-1900, p.135.
46 Idem.
47 Idem, p. 136
48Idem, p. 137
49 Relatório do Presidente da Província do Rio de Janeiro, o Senador Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 10 de março de 1846. Segunda edição. Niterói, Tip. Amaral & Irmão, 1853. p. 25-33.
50 BASTOS, Wilson Lima. Mariano Procópio Ferreira Lage sua vida, sua obra, descendência, genealogia. Juiz de Fora: Paraibuna,1991. p 125. VASQUEZ, Pedro Karp. Álbum da Estrada União e Industria. 2ª edição. Rio de Janeiro: Quadratim G,1998.
Texto de Adriano Novaes disponível em http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2008/06/oscaminhosantigos.pdf. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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