A DIETA DO AMOR

Se a Igreja e a medicina faziam de tudo para abrandar as formas de amar, as viagens ultramarinhas dos séculos XV e XVI tiveram o efeito de lenha na fogueira do sentimento. E a razão, leitor? O convívio pioneiro com as culturas de além-mar apimentou a Europa e, em particular, Portugal, com sabores, odores e sensualidades novos. No momento em que se implementa o modelo cristão de vida conjugal e uma avalanche de textos moralizantes se abate sobre as populações, ocorre, também, a expansão de uma gastronomia à base de afrodisíacos. Uma resposta silenciosa à repressão sensual? Uma forma de escapismo às normas da Igreja? O que se sabe é que cada vez mais se consomem sopas de testículos de ovelhas, omeletes de testículos de galo, cebolas cruas, pinhões e trufas, entre outras substâncias usadas nessa culinária encarregada de estimular o desejo sexual, esclarece o especialista e historiador Henrique Carneiro. Na Europa ocidental expande-se o uso do âmbar, do almíscar, de perfumes animais, não só como odorizantes do corpo, mas, também, como alimentos. Especiarias estimulantes, reconfortantes, tonificantes e revigorantes ampliam a gama erótica dos prazeres — lógico, prazeres proibidos — da carne.

Portugal é aporta de entrada desses produtos. O estímulo renovado dos sentidos foi uma das facetas mais exuberantes do Renascimento, não apenas, lembra Carneiro, na expressão artística, mas no desenvolvimento de uma sensualização dos costumes. Se por um lado Portugal, cujo Renascimento foi incipiente e demasiado breve, não conheceu a exaltação pictórica, poética, gastronômica e luxuriosa do corpo, o país constituiu-se na placa giratória que, por excelência, distribuía especiarias de luxo vindas do Oriente. Produtos que alimentam a sede de estímulos sensoriais nas cortes da França e das ricas cidades italianas.

O contato imediato dos lusos com as índias Orientais e Ocidentais não impediu, contudo, influências na cultura portuguesa em que, a despeito de toda a severidade moralista, também penetrou o fascínio dos perfumes. Perfumes vindos tanto da China quanto do subcontinente asiático, além dos saberes fitoterápicos provenientes da América, se uniam para a realização de filtros capazes de resolver casos de amor ou ciúme, assim como se prestavam à preparação de venenos e abortivos. Um dos mais notáveis cronistas a perceber o desbravamento sensorial vivido pelos portugueses foi Garcia da Orta. De origem hebraica e amigo de Camões, ele se dedica ao estudo da farmacopeia oriental. A descoberta de novas faunas e floras o permite saudar, com entusiasmo, os afrodisíacos largamente utilizados nessa parte do mundo. Ele não apenas menciona a cannabis sativa, também conhecida como banguê ou maconha, mas exalta, igualmente, as virtudes do ópio. Fundamentado em sua convivência com os indianos, Orta sabia que o ópio era usado como excitante sexual capaz de duas funções: agilizar a “virtude imaginativa” e retardar a “virtude expulsiva”, ou seja, controlar o orgasmo e a ejaculação. Além destes dois produtos, Orta menciona o betel, uma piperácea cuja folha se masca em muitas regiões do oceano Indico, lembrando sobre seu uso que “[...] a mulher que há de tratar amores nunca fala com o homem sem que o traga mastigado na boca primeiro”.

Nem todas as especiarias conhecidas eram consideradas afrodisíacas. Apenas o açafrão, o cardamono, a pimenta-negra, o gengibre, o gergelim, o pistache e a noz-moscada. Outras substâncias com a mesma e poderosa reputação eram o âmbar e o almíscar, produtos de origem desconhecida na Europa até século XVI. Nos herbários, livros em que se reuniam descrições e ilustrações de plantas, não há referências à canela e ao cravo como possuidores de virtudes afrodisíacas, embora fossem muito caros e disputados.

Os produtos exóticos descobertos nas novas terras abordadas pelos europeus incluíam os animais africanos. O rinoceronte, denominado alicorne, proveniente da Guiné, tinha o chifre comercializado em virtude de sua reputação de afrodisíaco — o que ocorre, aliás, até hoje. Outro animal de uso mágico sexual era a pomba do mato ou yoroti: “[...] quando o macho morre, não se torna a fêmea a casar, e quando a fêmea morre não se torna o macho a casar [...] os negros os dão de comer às suas mulheres para não terem conversação com outro homem”, explicava Garcia da Orta. O uso analógico de certas plantas ou animais, em que se busca obter suas mesmas virtudes e propriedades, era comum. Animais fiéis ao parceiro, ingeridos, induziam à fidelidade.

O primeiro observador encarregado de fazer um relatório de história natural do Brasil, o holandês Guilherme Piso, registrou também algumas plantas afrodisíacas. Segundo ele, tanto “[...] a pacova quanto a banana se consideram plantas que excitam o venéreo adormecido”. Sobre o amendoim registrou: “[...] os portugueses o vende diariamente o ano todo, afirmando que podem tornar o homem mais forte e mais capaz para os deveres conjugais”.

Nas obras publicadas na Europa sobre plantas vindas dos Novos Mundos — Ásia, África e América — aparecem espécimes sob a rubrica “amor, para incitá-lo”. Entre tantas conhecidas destacam-se a hortelã, o alho-poró e a urtiga. Outras, ainda, aparecem sob rubricas como “jogos de amor” ou “para fortificação da semente”, leia-se, do sêmen. Em 1697, um desses livros menciona 19 substâncias, muitas delas extraídas do reino animal: genital de galo, cérebro de leopardo, formigas voadoras. Entre as substâncias vegetais encontram-se a jaca, as orquídeas e os pinhões. Já para diminuir os “ardores de Vênus”, deusa do amor, menciona-se do chumbo ao mármore e deste ao pórfiro, cuja frigidez, quando aplicados sobre o períneo ou os testículos, diminuíam o ardor. No sumário de alguns herbários há entradas que bem mostram os efeitos dessas descobertas: “induzir a fazer amor”, “incitar a jogos de amores”, “fazer perder o apetite para jogos de amores” e “sonhos venéreos quando se polui sonhando”, “substâncias úteis para excitar o jogo do amor ou para as partes vergonhosas”.

No item de receitas próprias para “engendrar e facilitar a ereção e o coito”, as ostras, o chocolate e cebola eram apreciadíssimos, assim como a alcachofra, a pera, os cogumelos e as trufas. O médico de D. João V, Francisco da Fonseca Henriques, em seu livro Ancora medicinal, de 1731, cita ao menos cinco plantas — a menta, o rábano, a cenoura, o pinhão e o cravo — atribuindo-lhes o dom de “provocar atos libidinosos e incitar a natureza para os serviços de Vênus”. Segundo ele, uma dieta casta devia evitar alimentos quentes, fortes e condimentados, aliando-se a tal cardápio outras terapias, como banhos frios e aplicações tópicas de metais.

Os portugueses estiveram cara a cara com uma "ars erotica" que usava e abusava de afrodisíacos. Dela, contudo, só levaram para Portugal a possibilidade de ver em tudo, pecado ou doença! No século XVIII, a ideia de que o amor é uma doença não faz os afrodisíacos desaparecem dos manuais de remédios, mas se recomendam, cada vez mais, os anafrodisíacos. Definindo-os como “aqueles remédios que ou moderam os ardores venéreos ou mesmo os extinguem”. Os herbários registram substâncias cuja função era, basicamente, esfriar o desejo. E o caso do "agnus castus", ou agno-casto, a mais eficaz das plantas antieróticas que “recebe o seu nome porque ele torna o homem casto como um cordeiro porque ele reprime o desejo de luxúria”. Existiam várias outras substâncias com a mesma reputação de esfriar ou anular o desejo, como a cânfora: “contra a luxúria, respirar cânfora. Por sua frieza, a cânfora condensa os espíritos e, espessando-os, os retém no corpo”. Havia anafrodisíacos que agiam “espessando a semente”, tornando-a, portanto, mais difícil de escorrer. Nessa categoria encontramos as sementes de alface, melancia e melão. Outra categoria era constituída por substâncias que consumiriam “espíritos do corpo e semente”, como arruda, cominho e aneto.





Texto de Mary Del Priore em "História do Amor no Brasil", Editora Contexto, São Paulo, 2006, excertos pp. 105-110. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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