PROTEGENDO AS VACAS DE FUKUSHIMA

Irritado pelo que ele considera as tentativas do governo japonês de evitar as verdades inconvenientes do acidente nuclear de Fukushima, Masami Yoshizawa voltou para sua fazenda, localizada ao redor da usina devastada.Ele não tem vizinhos, mas muita companhia: centenas de vacas abandonadas que ele prometeu proteger da ordem de eliminação do governo.

Uma escavadeira — com o objetivo de manter afastadas as autoridades agrícolas — fica na entrada do recém-batizado Rancho da Esperança como uma sentinela, protegendo o acesso cercado de ossadas de gado e placas de protesto escritas à mão.

“Deixem viver as vacas da esperança!”, diz uma delas. Outra, escrita sobre um crânio de vaca pintado de amarelo, declara “Rebelião nuclear!” No interior da fazenda hoje lotada,as vacas transbordam dos currais para o pasto desgastado e até para o quintal da casa bem iluminada.

“Essas vacas são o testemunho vivo da loucura humana aqui em Fukushima”, disse Yoshizawa, 59, homem rude, mas eloquente, com uma história de protestos contra o governo.

“O governo quer matá-las para apagar o que aconteceu aqui e levar o Japão de volta para a situação de antes do acidente nuclear. Não vou permitir isso.”

Antes do desastre, Yoshizawa criava gado para produção de carne. Mas ele diz que há uma diferença entre matar o gado para comer e matá-lo porque em sua atual situação, contaminado, não tem mais utilidade. Ele acredita que as vacas de sua fazenda, abandonadas por ele e por outros agricultores que fugiram depois do acidente, são tão vítimas quanto as 83 mil pessoas obrigadas a abandonar suas casas.

Ele teme por sua saúde. Um dosímetro próximo da casa mostra o equivalente a 1,5 vez o nível definido pelo governo para determinar o esvaziamento de uma área. Mas ele tem mais medo de que o país esqueça a tripla fusão na usina enquanto a economia japonesa dá sinais da tão esperada recuperação e Tóquio se prepara animadamente para as Olimpíadas de 2020.

Rebanhos inteiros morreram de fome depois que os moradores partiram. As vacas que sobreviveram escaparam de suas fazendas para buscar comida entre as casas e as ruas vazias. Autoridades do Ministério da Agricultura ordenaram que elas fossem recolhidas e abatidas.

Enfurecido, Yoshizawa começou a voltar para sua fazenda logo depois, para alimentar o restante de seu rebanho. Afinal decidiu voltar em tempo integral para transformar a fazenda em um refúgio para todas as vacas abandonadas da região. Dos cerca de 360 animais em sua terra de 30 hectares, mais da metade pertencia a pessoas que as deixaram para trás.

Yoshizawa descreve seu horror ao visitar fazendas abandonadas onde encontrou fileiras de vacas mortas, com as cabeças caídas nos cochos onde haviam esperado pela alimentação. Ele ainda procura na região esvaziada sobreviventes muitas vezes esquálidas, que tem de puxar pelas orelhas para que o sigam até sua casa. Ele tenta evitar os bloqueios da polícia nas estradas. É tecnicamente ilegal para qualquer pessoa viver dentro da zona onde ele vive.

Uma verificação logo depois do acidente mostrou altos níveis de césio radioativo no corpo de Yoshizawa, mas ele disse que o número tinha diminuído nos últimos dois anos. Ele tenta manter sua contaminação no menor nível possível, bebendo água filtrada e comprando comida em locais fora da área.

As vacas, porém, ingerem constantemente materiais radioativos que permanecem no solo e no capim. Dezenas de vacas desenvolveram pequenas manchas brancas que ele acha que são consequência da radiação. Especialistas disseram que outras causas são possíveis, incluindo uma infecção por fungos devido à superpopulação.

Por enquanto, as autoridades locais encontraram uma solução muito japonesa para o desafio de Yoshizawa: ignorá-lo. As autoridades da cidade de Namie negam conhecê-lo ou conhecer qualquer pessoa que viva dentro da zona de evacuação — apesar de terem restabelecido os serviços de eletricidade e telefone em sua fazenda.

“Nem todos os japoneses são passivos”, disse Yoshizawa. “Minhas vacas e eu vamos mostrar que ainda há chance de mudança.”

Por Martin Fackler publicado na edição semanal no "New York Times" em português anexo na "Folha de S. Paulo" do dia 21 de janeiro de 2014. Editado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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