PESTE BUBÔNICA DERROTOU O IMPÉRIO BIZANTINO
Ao sequenciar genoma da bactéria Yersinia pestis, pesquisa revela que micro-organismo invisível devastou o Exército de Justiniano e comprometeu o sonho de reconstruir Roma
A comparação dos genomas moderno e antigo da Y. pestis mostrou que em 275 cepas contemporâneas há traços da pandemia medieval da peste negra. Agora, em um novo estudo publicado na revista PLoS One, a equipe de Krause identificou 11 variantes da bactéria que podem ter evoluído de uma linhagem ainda mais antiga, do século 7 d.C. ao 10 d.C. Isso sugere que a Y.pestis já circulava na ocasião da praga de Justiniano. “Nossa nova análise implica que a peste bubônica estava ativa no fim do Império Romano. Ela parece a melhor candidata para a praga de Justiniano”, conta Krause.
Essa pandemia, cujo nome remete ao governante Justiniano, atingiu o Bizâncio em seu apogeu. Depois da decadência de Roma, o vasto império conquistado muito antes de Cristo foi dividido e, no Oriente, ergueu-se a capital, Constantinopla. Quando Justiniano assumiu o poder, houve uma grande expansão territorial rumando para o Ocidente. Era como se a época de ouro dos césares estivesse prestes a voltar. Contudo, uma pandemia eclodiu, dizimando o Exército recém-reforçado e espalhando a fome pelo império. O historiador Procópio de Cesareia, um dos maiores do período bizantino, foi testemunha da praga, que, de acordo com ele, matava 10 mil pessoas por dia somente em Constantinopla, embora, hoje, a estatística pareça exagerada.
Ratos em navios Acredita-se que o agente patógeno tenha sido levado por ratos que entravam nos navios egípcios, os maiores fornecedores de grãos da capital bizantina. Não demorou para que todas as cidades portuárias controladas por Justiniano fossem atingidas, facilitando a resistência dos godos, que impediram a reconquista do Ocidente. O próprio imperador contraiu a doença, mas conseguiu sobreviver apenas para ver seus súditos e seu sonho de reconstruir Roma perecerem. De acordo com relatos de época, não havia mais cemitérios que dessem conta de tantos corpos em Constantinopla. Os cadáveres eram jogados ao mar ou empilhados nas ruas, e foi preciso contratar homens da cidade de Gálata para recolhê-los.
Quando os corpos começaram a se decompor, tornando insuportável a vida em Constantinopla, Procópio de Cesareia contou que Justiniano mandou colocá-los em navios e lançar fogo quando já estavam em alto-mar. Os sintomas relatados pelo historiador da antiguidade são compatíveis com os da peste bubônica: protuberâncias azuladas na pele (bulbos), febre, delírio, alucinação e a “sensação da proximidade da morte”. Em menos de uma semana, os doentes estavam mortos. “Há muito tempo os historiadores suspeitam que a praga de Justiniano foi uma pandemia de peste bubônica, mas até agora havia poucas evidências empíricas”, diz Krause, professor de Paleogenética da Universidade de Tuebingen. De acordo com ele, futuros estudos genéticos poderão mostrar, inclusive, que boa parte das pandemias históricas cujas causas continuam desconhecidas estão relacionadas a alguma cepa da Y. pestis.
Wyndham Lathem, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Feinberg, explica que as modernas técnicas de sequenciamento genético estão ajudando a descobrir como as bactérias evoluíram ao longo da história, adquirindo formas cada vez mais letais. De acordo com ele, identificar surtos antigos de pestes como a praga de Justiniano não apenas desvenda mistérios do passado, mas ajudam a pensar no presente. “A maioria das pessoas imagina as pragas como doenças históricas, mas elas ainda são um problema de saúde pública muito grave, tanto em populações humanas quanto em animais. A peste bubônica é extremamente perigosa e altamente virulenta. Sem tratamento, pode levar menos de cinco dias para matar”, diz. Lathem explica que, no grupo da bactéria Yersinia incluem-se males bastante atuais, como antrax, varíola e ebola.
Coautor do artigo publicado na PLoS One, Hendrik N. Poinar, pesquisador do Centro de DNA Antigo da Universidade de McMaster, concorda com Lathem. “Desde o ano passado, quando sequenciamos o genoma da peste negra, somos da opinião de que a Yersinia pestis faz parte da família de todas as cepas patógenas modernas”, afirma. Segundo Poinar, é importante sequenciar pragas antigas e compará-las às contemporâneas porque acredita-se que muitas doenças modernas são, na verdade, males do passado reemergindo. “Aprender mais sobre as doenças antigas pode nos ajudar a salvar vidas tanto agora quanto no futuro”, afirma.
Texto de Paloma Oliveto publicado no "Correio Braziliense" de 30 de dezembro de 2012 e no "Estado de Minas" de 6 de janeiro de 2013. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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