CAPITANIAS : OS DONATÁRIOS EM FALÊNCIA
Famoso por seus feitos na conquista de Malaca - quando atacou sozinho um elefante de guerra -, Vasco Fernandes Coutinho morreu no Brasil totalmente arruinado pelos freqüentes ataques indígenas a suas terras - razão pela qual fracassou também a capitania de Pêro de Góis. No caso das terras acima de Itamaracá, cuja colonização foi empreendida em conjunto por João de Barros, Aires da Cunha e Fernando Alvares de Andrade,foram as dificuldades de acesso e os naufrágios que impediram a ocupação.
Embora a doação de capitanias implicasse uma delegação de poderes públicos a particulares - poderes revogáveis a qualquer instante -, a Coroa reservou para si, desde o início, algumas áreas estratégicas da administração. Na maioria das doações, por exemplo, a arrecadação dos tributos cabia aos almoxarifes, provedores e contratadores, funcionários nomeados por Lisboa, escapando assim ao controle dos capitães-generais. Contudo, esperava-se destes que reunissem todo o capital necessário ao funcionamento do sistema. Cabia-lhes, pois, equipar seus navios, comprar provisões, pagar os homens de armas e os artesãos que os acompanhassem e, enfim, financiar a organização da produção agrícola. Nessas circunstâncias, é quase surpreendente que tenha havido quem se interessasse pelo empreendimento.
Soldados e Funcionários
D. João III encontrou seus voluntários entre burocratas próximos ao trono e veteranos das guerras no Oriente. Ao primeiro grupo pertenciam João de Barros - comissário da Casa da India, célebre por haver escrito as "Décadas da Asia" - Jorge de Figueiredo Correia e Fernando Alvares de Andrade, ambos ligados à Tesouraria real. Entre os militares estavam Martim Afonso de Sousa, Pêro Lopes de Sousa, Duarte Coelho, Francisco Pereira Coutinho, Antônio Cardoso de Barros e Vasco Fernandes Coutinho. Aires da Cunha e Pêro de Góis eram navegadores, e Pêro de Campos Tourinho (a exceção) era um grande proprietário de terras. Quatro já haviam estado no Brasil: Martim Afonso, Pêro Lopes de Sousa, Pêro de Góis - que acompanhara Pêro Lopes de Sousa na missão de reconhecimento do litoral brasileiro - e Duarte Coelho, filho de Gonçalo Coelho. O grande investimento que recaía sobre os donatários contribuiu para o relativo fracasso do sistema, mas não foi o único fator.
Para, João de Barros, Aires da Cunha e Fernando Alvares de Andrade, todos donatários de capitanias ao norte de ltamaracá, o obstáculo foi a falta de sorte. Os três associaram-se para a exploração de suas doações e reuniram novecentos soldados, entre os quais 130 cavaleiros com suas montarias. A enorme expedição, que chegou a alarmar o governo espanhol, dispersou-se após a morte de seu comandante, Aires da Cunha, num naufrágio no Maranhão; os sobreviventes estabeleceram-se na ilha de São Luís. Uma nova frota enviada teve o mesmo destino, e as terras acima de Itamaracá não foram ocupadas.
Em desastre resultaram também os empreendimentos dos donatários da Bahia, São Tomé, Espírito Santo e Itamaracá. O primeiro deles, Francisco Pereira Coutinho chegou à Bahia em 1537, encontran o um pequeno núcleo de europeus, entre os quais Diogo Alvares Correia, o Caramuru. Os conflitos com os indígenas e a insubordmação dos colonos paralisaram a atuação do capitão-general, que chegou a ser preso e a retirar-se para a capitania de Porto Seguro. Ao voltar à Bahia, seu navio afundou junto à ilha de ltaparica e os náufragos foram devorados pelos antropófagos. Os núcleos estabelecidos foram arrasados, à exceção do de Diogo Alvares Correia.
Vasco Fernandes Coutinho e Pêro de Góis, donatários das vizinhas capitanias do Espírito Santo e de São Tomé, viram quase simultaneamente crescer os canaviais e aumentar o número de engenhos - o Espírito Santo possuía, em 1545, cinco engenhos de água e dois de tração animal (trapiches). Mais rápido que a prosperidade, no entanto, veio o desastre, provocado pelos ataques indígenas. Vasco Fernandes Coutinho, "gastados muitos mil cruzados que trouxe da India, e muito patrimônio que tinha em Portugal, acabou tão pobremente que chegou a lhe darem de comer pelo amor de Deus", relata frei Vicente do Salvador. Pêro de Góis, que contava produzir, entre os anos de 1545 e 1547, cerca de 2000 arrobas de açúcar, teve suas povoações dizimadas e todo o seu capital perdido; desistiu, então, da capitania e voltou a Portugal. A capitania de Itamaracá teve outro destino. Administrada por João Gonçalves, um lugar-tenente de Pêro Lopes de Sousa - que morreria no Oriente em 1539 -, tomou-se um próspero abrigo de criminosos e contrabandistas, e acabou por ser abandonada.
Quatro Casos de Sucesso
Em contrapartida a esses fracassos, quatro capitanias prosperaram e, alcançando diferentes níveis de progresso, contribuíram, cada uma a seu modo, para aprofundar as bases da colonização efetiva do Brasil. Em Porto Seguro, a inexperiência militar e administrativa de Pêro de Campos Tourinho viu-se contrabalançada por mais de trinta anos de contato, mais ou menos amistoso, com os indígenas - afinal, fora naquele trecho da costa que aportaram os descobridores. Apesar de alguns problemas entre a Metrópole e o donatário - que chegou a ser preso, acusado de heresia e de ignorar as determinações reais -, a capitania teve relativo progresso.
Jorge de Figueiredo Correia, donatário da capitania de Ilhéus, nunca veio ao Brasil; devia estar bem pouco desejoso de abandonar seu lucrativo emprego na secretaria do Tesouro Real. Em seu lugar enviou o castelhano Francisco Romero, fundador da vila de Ilhéus. Também nessa capitania os conflitos com os colonos logo assumiram dimensões bem mais graves que as lutas com os tupinambás. Mais tarde, autorizados pelo rei, os herdeiros de Correia venderam a capitania ao banqueiro florentino Lucas Giraldes, que enviou como representante Tomás Alegre, seu compatriota. Garantida por abundantes capitais, a cultura do açúcar desenvolveu-se rapidamente.
São Vicente e Pernambuco: Os Melhores Exemplos.
No litoral sudeste o polo de desenvolvimento foi São Vicente. Confiada a Brás Cubas e outros prepostos - Martim Afonso de Sousa estava ausente, em guerras na Ásoa - a região
já dispunha de vilas e da lavoura canavieira, o que facilitou a colonização. Muitas famílias da Madeira (inclusive italianos residentes na ilha) fixaram-se em São Vicente, e grandes comerciantes estrangeiros, como o flamengo Erasmo Schetz e os italianos Adorno e Venist) ali construíram seus engenhos. Para proteger esses investimentos, Martim Afonso de Sousa contratou numerosos soldados mercenários - um dos quais foi o arcabuzeiro alemão Hans Staden, célebre como autor de "Duas Viagens ao Brasil".
Em 1548, a população de origem européia estabelecida na capitania de São Vicente chegava a seiscentos habitantes, havendo aproximadamente 3.000 escravos índios. Em 1552, o desenvolvimento da cultura do arroz nas terras baixas do litoral fazia deste produto a segunda riqueza da capitania, suplantada apenas pelo açúcar. O outro grande pólo de desenvolvimento foi Pernambuco, a capitania de Duarte Coelho; foi a que mais prosperou, e onde mais se manifestou a resistência à centralização.
Duarte Coelho, Um Donatário Próspero.
Duarte Coelho logo descobriu que os ricos solos de massapê da Nova Lusitânia eram ideais para a lavoura açucareira. Em 1542 escrevia a d. João III solicitando negros da Guiné para os canaviais. Quatro anos depois, já enviava a Lisboa uma caixa com "mostra d'açúcares escolhidos para V.M ver". A propriedade de Pernambuco levou o rei a isentar o seu donatário da subordinação ao governo de Tomé de Sousa.
Duarte Coelho era ainda muito jovem quando esteve pela primeira vez nó Brasil - ao que parece, acompanhando seu pai, Gonçalo Coelho, na expedição de reconhecimento e policiamento da costa brasileira enviada em 1503. Entre 1509 e 1527, serviu na Índia, tendo-se destacado em missões ao Sião e - à China. Alguns historiadores atribuem-lhe ainda o mérito de ter sido o primeiro português a atingir a Indochina. Quando se tomou donatário da capitania de Pernambuco, vivia em Portugal, casado com Brites de Albuquerque, membro da família do segundo vice-rei da India, Afonso de Albuquerque.
A Capitania do Açúcar
O lote que lhe coube na partilha da Colônia cobria sessenta léguas da costa pernambucana e alagoana; tinha clima bom e solos férteis; os ventos asseguravam fácil comunicação com Portugal. Além disso, já dispunha de alguns núcleos: uma feitoria e uma pequena aldeia chamada Marim, onde seria estabelecida a vila de Olinda. O sucesso inicial do empreendimento deveu-se à habilidade de Duarte Coelho em relacionar-se com os índios locais, a quem prometeu, inclusive, ajuda contra tribos inimigas. A capitania tomou-se um próspero centro de extração do pau-brasil, tendo havido mesmo intensa exploração clandestina por parte dos colonos e até de representantes da Coroa, que motivou queixas indignadas do capitão-general.
Paralelamente à extração, Duarte Coelho desenvolveu a pecuária, o cultivo do algodão e, sobretudo, o da cana, transformando Pernambuco na capitania do açúcar. Levantou empréstimos junto a comerciantes da Metrópole, para a construção de engenhos, e procurou atrair colonos de Portugal, Espanha, Canárias e mesmo de outras capitanias, os quais autorizou a estabelecer engenhos. Simultaneamente, incentivou as uniões entre europeus e nativos - seu cunhado, Jeronimo de Albuquerque, dera o exemplo, vivendo com a filha do chefe Arcoverde - e tentou contornar os choques entre colonos e indígenas. Particularmente violenta foi a luta travada, em 1548, entre os colonos de Igaraçu e os nativos; o povoado teria sucumbido, não fosse o inesperado reforço de um navio português que aportara em Pernambuco; entre os europeus que se destacaram no combate, figurava o alemão Hans Staden. Mas tanto esses conflitos como o contrabando do pau brasil tinham importância secundária. Impulsionada pelo açúcar, em alta nos mercados europeus desde a segunda década do século XVI, a capitania de Pernambuco - a Nova Lusitânia - era a mais rica do Brasil.
O Protesto ao Poder Central
Quando D. João III decidiu modificar o sistema de colonização, instituindo o governo-geral, Duarte Coelho protestou: afinal, "sua" capitania era a melhor prova da viabilidade do modelo, desde que confiado a administradores capazes. Sua defesa das liberdades dos colonos levou a Metrópole a minimizar, por algum tempo, a aplicação da reforma na capitania de Pernambuco.
A vitória teve curta duração. O que Duarte Coelho não percebeu é que fora justamente a prosperidade de Pernambuco e de São Vicente, e não o relativo fracasso de outras capitanias, que motivara a intervenção centralizadora, sediada na Bahia, entre esses dois pólos de riqueza colonial. A defesa e exploração de um território extenso, mas relativamente pobre, podia ser confiada a particulares; estes, contudo, deviam responder a um poder central, geograficamente próximo, a reafirmar a presença da Coroa. Fortalecendo-se, à medida que se desenvolviam os canaviais, esse poder central era um fato irrevogável quando, em 1560 - seis anos após a morte de Duarte Coelho - o açúcar pernambucano respondia já pelo essencial da produção que chegava à Europa.
Texto publicado em "Saga: A Grande História do Brasil", Abril Cultural,São Paulo, 1981,vol. 1, p.100-104. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
Embora a doação de capitanias implicasse uma delegação de poderes públicos a particulares - poderes revogáveis a qualquer instante -, a Coroa reservou para si, desde o início, algumas áreas estratégicas da administração. Na maioria das doações, por exemplo, a arrecadação dos tributos cabia aos almoxarifes, provedores e contratadores, funcionários nomeados por Lisboa, escapando assim ao controle dos capitães-generais. Contudo, esperava-se destes que reunissem todo o capital necessário ao funcionamento do sistema. Cabia-lhes, pois, equipar seus navios, comprar provisões, pagar os homens de armas e os artesãos que os acompanhassem e, enfim, financiar a organização da produção agrícola. Nessas circunstâncias, é quase surpreendente que tenha havido quem se interessasse pelo empreendimento.
Soldados e Funcionários
D. João III encontrou seus voluntários entre burocratas próximos ao trono e veteranos das guerras no Oriente. Ao primeiro grupo pertenciam João de Barros - comissário da Casa da India, célebre por haver escrito as "Décadas da Asia" - Jorge de Figueiredo Correia e Fernando Alvares de Andrade, ambos ligados à Tesouraria real. Entre os militares estavam Martim Afonso de Sousa, Pêro Lopes de Sousa, Duarte Coelho, Francisco Pereira Coutinho, Antônio Cardoso de Barros e Vasco Fernandes Coutinho. Aires da Cunha e Pêro de Góis eram navegadores, e Pêro de Campos Tourinho (a exceção) era um grande proprietário de terras. Quatro já haviam estado no Brasil: Martim Afonso, Pêro Lopes de Sousa, Pêro de Góis - que acompanhara Pêro Lopes de Sousa na missão de reconhecimento do litoral brasileiro - e Duarte Coelho, filho de Gonçalo Coelho. O grande investimento que recaía sobre os donatários contribuiu para o relativo fracasso do sistema, mas não foi o único fator.
Para, João de Barros, Aires da Cunha e Fernando Alvares de Andrade, todos donatários de capitanias ao norte de ltamaracá, o obstáculo foi a falta de sorte. Os três associaram-se para a exploração de suas doações e reuniram novecentos soldados, entre os quais 130 cavaleiros com suas montarias. A enorme expedição, que chegou a alarmar o governo espanhol, dispersou-se após a morte de seu comandante, Aires da Cunha, num naufrágio no Maranhão; os sobreviventes estabeleceram-se na ilha de São Luís. Uma nova frota enviada teve o mesmo destino, e as terras acima de Itamaracá não foram ocupadas.
Em desastre resultaram também os empreendimentos dos donatários da Bahia, São Tomé, Espírito Santo e Itamaracá. O primeiro deles, Francisco Pereira Coutinho chegou à Bahia em 1537, encontran o um pequeno núcleo de europeus, entre os quais Diogo Alvares Correia, o Caramuru. Os conflitos com os indígenas e a insubordmação dos colonos paralisaram a atuação do capitão-general, que chegou a ser preso e a retirar-se para a capitania de Porto Seguro. Ao voltar à Bahia, seu navio afundou junto à ilha de ltaparica e os náufragos foram devorados pelos antropófagos. Os núcleos estabelecidos foram arrasados, à exceção do de Diogo Alvares Correia.
Vasco Fernandes Coutinho e Pêro de Góis, donatários das vizinhas capitanias do Espírito Santo e de São Tomé, viram quase simultaneamente crescer os canaviais e aumentar o número de engenhos - o Espírito Santo possuía, em 1545, cinco engenhos de água e dois de tração animal (trapiches). Mais rápido que a prosperidade, no entanto, veio o desastre, provocado pelos ataques indígenas. Vasco Fernandes Coutinho, "gastados muitos mil cruzados que trouxe da India, e muito patrimônio que tinha em Portugal, acabou tão pobremente que chegou a lhe darem de comer pelo amor de Deus", relata frei Vicente do Salvador. Pêro de Góis, que contava produzir, entre os anos de 1545 e 1547, cerca de 2000 arrobas de açúcar, teve suas povoações dizimadas e todo o seu capital perdido; desistiu, então, da capitania e voltou a Portugal. A capitania de Itamaracá teve outro destino. Administrada por João Gonçalves, um lugar-tenente de Pêro Lopes de Sousa - que morreria no Oriente em 1539 -, tomou-se um próspero abrigo de criminosos e contrabandistas, e acabou por ser abandonada.
Quatro Casos de Sucesso
Em contrapartida a esses fracassos, quatro capitanias prosperaram e, alcançando diferentes níveis de progresso, contribuíram, cada uma a seu modo, para aprofundar as bases da colonização efetiva do Brasil. Em Porto Seguro, a inexperiência militar e administrativa de Pêro de Campos Tourinho viu-se contrabalançada por mais de trinta anos de contato, mais ou menos amistoso, com os indígenas - afinal, fora naquele trecho da costa que aportaram os descobridores. Apesar de alguns problemas entre a Metrópole e o donatário - que chegou a ser preso, acusado de heresia e de ignorar as determinações reais -, a capitania teve relativo progresso.
Jorge de Figueiredo Correia, donatário da capitania de Ilhéus, nunca veio ao Brasil; devia estar bem pouco desejoso de abandonar seu lucrativo emprego na secretaria do Tesouro Real. Em seu lugar enviou o castelhano Francisco Romero, fundador da vila de Ilhéus. Também nessa capitania os conflitos com os colonos logo assumiram dimensões bem mais graves que as lutas com os tupinambás. Mais tarde, autorizados pelo rei, os herdeiros de Correia venderam a capitania ao banqueiro florentino Lucas Giraldes, que enviou como representante Tomás Alegre, seu compatriota. Garantida por abundantes capitais, a cultura do açúcar desenvolveu-se rapidamente.
São Vicente e Pernambuco: Os Melhores Exemplos.
No litoral sudeste o polo de desenvolvimento foi São Vicente. Confiada a Brás Cubas e outros prepostos - Martim Afonso de Sousa estava ausente, em guerras na Ásoa - a região
já dispunha de vilas e da lavoura canavieira, o que facilitou a colonização. Muitas famílias da Madeira (inclusive italianos residentes na ilha) fixaram-se em São Vicente, e grandes comerciantes estrangeiros, como o flamengo Erasmo Schetz e os italianos Adorno e Venist) ali construíram seus engenhos. Para proteger esses investimentos, Martim Afonso de Sousa contratou numerosos soldados mercenários - um dos quais foi o arcabuzeiro alemão Hans Staden, célebre como autor de "Duas Viagens ao Brasil".
Em 1548, a população de origem européia estabelecida na capitania de São Vicente chegava a seiscentos habitantes, havendo aproximadamente 3.000 escravos índios. Em 1552, o desenvolvimento da cultura do arroz nas terras baixas do litoral fazia deste produto a segunda riqueza da capitania, suplantada apenas pelo açúcar. O outro grande pólo de desenvolvimento foi Pernambuco, a capitania de Duarte Coelho; foi a que mais prosperou, e onde mais se manifestou a resistência à centralização.
Duarte Coelho, Um Donatário Próspero.
Duarte Coelho logo descobriu que os ricos solos de massapê da Nova Lusitânia eram ideais para a lavoura açucareira. Em 1542 escrevia a d. João III solicitando negros da Guiné para os canaviais. Quatro anos depois, já enviava a Lisboa uma caixa com "mostra d'açúcares escolhidos para V.M ver". A propriedade de Pernambuco levou o rei a isentar o seu donatário da subordinação ao governo de Tomé de Sousa.
Brasão de Duarte Coelho |
A Capitania do Açúcar
O lote que lhe coube na partilha da Colônia cobria sessenta léguas da costa pernambucana e alagoana; tinha clima bom e solos férteis; os ventos asseguravam fácil comunicação com Portugal. Além disso, já dispunha de alguns núcleos: uma feitoria e uma pequena aldeia chamada Marim, onde seria estabelecida a vila de Olinda. O sucesso inicial do empreendimento deveu-se à habilidade de Duarte Coelho em relacionar-se com os índios locais, a quem prometeu, inclusive, ajuda contra tribos inimigas. A capitania tomou-se um próspero centro de extração do pau-brasil, tendo havido mesmo intensa exploração clandestina por parte dos colonos e até de representantes da Coroa, que motivou queixas indignadas do capitão-general.
Paralelamente à extração, Duarte Coelho desenvolveu a pecuária, o cultivo do algodão e, sobretudo, o da cana, transformando Pernambuco na capitania do açúcar. Levantou empréstimos junto a comerciantes da Metrópole, para a construção de engenhos, e procurou atrair colonos de Portugal, Espanha, Canárias e mesmo de outras capitanias, os quais autorizou a estabelecer engenhos. Simultaneamente, incentivou as uniões entre europeus e nativos - seu cunhado, Jeronimo de Albuquerque, dera o exemplo, vivendo com a filha do chefe Arcoverde - e tentou contornar os choques entre colonos e indígenas. Particularmente violenta foi a luta travada, em 1548, entre os colonos de Igaraçu e os nativos; o povoado teria sucumbido, não fosse o inesperado reforço de um navio português que aportara em Pernambuco; entre os europeus que se destacaram no combate, figurava o alemão Hans Staden. Mas tanto esses conflitos como o contrabando do pau brasil tinham importância secundária. Impulsionada pelo açúcar, em alta nos mercados europeus desde a segunda década do século XVI, a capitania de Pernambuco - a Nova Lusitânia - era a mais rica do Brasil.
O Protesto ao Poder Central
Engenho de Pernambuco (Frans Post) |
A vitória teve curta duração. O que Duarte Coelho não percebeu é que fora justamente a prosperidade de Pernambuco e de São Vicente, e não o relativo fracasso de outras capitanias, que motivara a intervenção centralizadora, sediada na Bahia, entre esses dois pólos de riqueza colonial. A defesa e exploração de um território extenso, mas relativamente pobre, podia ser confiada a particulares; estes, contudo, deviam responder a um poder central, geograficamente próximo, a reafirmar a presença da Coroa. Fortalecendo-se, à medida que se desenvolviam os canaviais, esse poder central era um fato irrevogável quando, em 1560 - seis anos após a morte de Duarte Coelho - o açúcar pernambucano respondia já pelo essencial da produção que chegava à Europa.
Texto publicado em "Saga: A Grande História do Brasil", Abril Cultural,São Paulo, 1981,vol. 1, p.100-104. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
0 Response to "CAPITANIAS : OS DONATÁRIOS EM FALÊNCIA"
Post a Comment