BAR DO MOMO, O BAR ESPERANÇA CARIOCA
UMA TARDE NO ‘CAFÉ NICE DA MUDA’, PÉ-SUJO QUE HÁ DÉCADAS É PONTO DE ENCONTRO DE UMA TURMA DE MÚSICOS DA VELHA GUARDA CARIOCA.
É um bar como qualquer outro: letreiro patrocinado por uma marca de cerveja, mesas bancadas por outra, garrafa gelada na “camisinha” de isopor, anúncio de cachorro sumido na parede, isqueiro amarrado no balcão, coleção de cachaça empoeirada, adesivo de Jesus no vidro do caixa, mural de fotos da família do dono, ovo colorido, promoção de rabada, chiclete de troco. Na esquina da Rua General Espírito Santo Cardoso com a Rua Uruguai, na Muda (a “Tijuca Profunda”), o Bar do Momo passaria despercebido a muitos cariocas.
O que o torna diferente de outros pés-sujos do Rio é o público. Desde 1986, quando foi fundado pelo português Antônio Carlos dos Santos, o Tonhão, o botequim é frequentado por um grupo que tem em comum a paixão incondicional pela música brasileira. Formada por instrumentistas aposentados, músicos na ativa, radialistas e simpatizantes, a turma que bate ponto no Momo costuma chamá-lo de Café Nice da Muda, alusão ao Café Nice, bar no Centro que ficou famoso entre os anos 30 e 50 por reunir nomes de peso do cancioneiro nacional como Pixinguinha, Cartola, Donga, Ary Barroso, Chico Alves e Lamartine Babo.
— Se o Café Nice tinha o Noel, aqui a gente tem o Ceceu — rima o violonista Mario André Medella, o caçula do grupo, com 47 anos, apontando para Alceu Blanc, de 89 anos, pai do compositor Aldir Blanc (outro que aparece por lá de vez em quando) e “xerife” da turma. No último dia 18, sábado à tarde, eles celebravam justamente o 84° aniversário do Café Nice original, fundado em 18 de agosto de 1928 na Avenida Rio Branco, no Centro (a famosa “desculpa para beber”, pois estariam no bar de qualquer jeito).
Quem lembrou a data tão específica foi o radialista Osmar Frazão, 76 anos, outro integrante da trupe. Considerado uma “enciclopédia viva da MPB” (título que ganhou do apresentador da TV Tupi Flávio Cavalcanti, quando integrava o júri de seu programa, nos anos 70), Osmar já foi ator, humorista (com participações na Escolinha do Professor Raimundo, de Chico Anysio) e apresenta há 17 anos o programa “Histórias da MPB”, na Rádio Nacional, todo domingo, às 9h.
— Como moro aqui perto, venho mais ou menos quatro vezes por semana — conta Frazão, o mais elegante de todos, com sua camisa pólo marrom combinando com a calça cor de pudim. — Tem os que vêm do samba, os que são do choro, e a turma que prefere a bossa nova. Aqui, pilantra não entra. É o único bar que as mulheres não reclamam que a gente venha, porque sabem que o papo é de alto nível. O ex-cavaquinista Paulo Heleno Cesar Cunha, de 58 anos, mora na esquina do boteco e é da turma dos que defendem o choro. Depois de anos como integrante dos grupos Amigos do Choro e Conversa de Cordas e três discos gravados, há 12 anos colocou o instrumento no armário e de lá não o tirou mais. Diz ele que desgostou da profissão.
— Para viver de música no Brasil, você tem três opções: integrar uma banda militar, uma orquestra profissional ou ter um patrocínio. Eu não tive sorte — lamenta Heleno, que hoje só faz música com os amigos do Momo. A que mais gosta é um tango que assina com Mário André, feito de improviso, de madrugada, quando Tonhão usou a velha tática espanta- bebum para mandar os dois para casa: jogou um balde d’água com sabão no chão.
— A gente saiu daqui e foi para o bar ali da esquina, onde fizeram a mesma coisa. Depois, fomos para o bar do lado, e tomamos água de novo. Aí começamos a cantar: “Cuando cierra la bodega...” E o Mário André completou: “Lava pies, lava pies...” — cantarola Heleno, que batizou o tango de “Lava pies”. O parceiro, Mário André, além de exímio violonista, é apresentador do programa semanal “Cantos da alma latina”, na Rádio Roquette Pinto, às 19h. É a única coisa que o tira do bar mais cedo aos domingos, onde costuma chegar por volta do meio-dia. Mário conta que acontece tanta coisa curiosa naquele bar que já começou a escrever o livro “Histórias do Momo", que quer publicar a tempo do aniversário de 90 anos de Ceceu, dia 2 de novembro.
— A gente comemora tudo aqui, Natal, Halloween. No aniversário de 80 do Ceceu, a rua fechou — exagera Mário, tomando uma Fanta “batizada” com vodca, especialidade da casa. Vez ou outra as histórias da turma viram crônicas de Aldir Blanc, que, sem poder beber nos últimos tempos por causa de uma diabetes, vai ao Momo para se abastecer de causos.
— Teve um dia que minha bengala sumiu aqui no Momo, e eu comentei com o Aldir. Era uma bengala bacana, cara — conta Mário André, que é deficiente visual. — No outro domingo, li a crônica do Aldir no jornal e ele tinha transformado o sumiço da bengala numa história sensacional. Ele inventou que a bengala estava com outro ceguinho invejoso daqui da Tijuca, que tinha “visto” a minha bengala e levou embora. E sabe onde tinha aparecido a bengala? Lá no bordel Telemar. Foi quando o garçom, que ouvia a história de canto, perguntou a Mário André: — Bordel Telemar? — É, o “31”, um bordel aqui da Tijuca. É chamado de “31” porque é o máximo que se gasta por lá. É R$ 30 da profissional mais R$ 1 da camisinha... — diverte-se Mário André, arrancando risadas do grupo.
Texto de Mariana Filgueiras (com o título de Bar Esperança) e ilustração a partir de fotos de Simone Marinho, publicado na "Revista O Globo" inserida no jornal "O Globo" de 2 de setembro de 2012. Adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.
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