A PROVA DAS EMPADINHAS DE RUY CASTRO
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Empadinhas do Caranguejo |
Dois meses depois de concluir um tratamento que envolvera químio e radioterapia e uma cirurgia, fui fazer a prova definitiva para saber se ainda me restavam certos gostos, sabores e texturas — ou se teria de me conformar com uma nova e áspera realidade, privada de prazeres gozados por muitos anos. A prova era comer as empadinhas de camarão do Caranguejo, um querido pé-sujo de unha feita, em Copacabana.
O garçom serviu o prato com a primeira porção. As empadinhas do Caranguejo são famosas pela massa de perturbadora leveza,mas robusta o suficiente para sós e quebrarem bloco, sem esfarelar. O tempero de seu recheio é outro milagre,mas não era o que me movia naquele momento. É que, para quem sofreu 33 aplicações de radiação na região do pescoço, mandar uma empadinha para dentro é uma façanha.
A primeira empadinha foi atacada com cautela, tendo ao lado um copo d’água, por via das dúvidas. O naco comportou-se bem e desceu com suavidade pela epiglote. Mandei o segundo — idem. Agora, o teste definitivo: o naco final. Gulp. Lá se foi ele, sem problemas. Eu estava salvo. Atirei-me às outras. Tudo isso foi emfins de 2005 e, desde então, quase mil empadinhas já foram engolidas com amor. Quando Lula vier ao Rio, alguém deveria levá-lo ao Caranguejo.O ex-presidente também foi irradiado. Falta-lhe, talvez, fazer a prova das empadinhas para voltar a ser feliz.
Texto de Ruy Castro, publicado na página de "Opinião - Editoriais" da "Folha de S. Paulo" do dia 21 de setembro de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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