GORDA OU NORMAL, UMA QUESTÃO DE ADAPTAÇÃO
O desfile de corpos esqueléticos na mídia faz com que as espectadoras achem o próprio corpo enorme.
Foi-se o tempo em que formas arredondadas eram consideradas belas no mundo ocidental, sinal de saúde e acesso a comida suficiente. Jornais, revistas e televisão hoje nos ensinam que para ser modelo de beleza é preciso ser esquelética ou no mínimo magérrima, com os ossos da bacia à mostra. Qualquer que seja a razão da mudança no padrão de beleza(eu suspeito da abundância atual de comida, mas isso é outra história),as formas retas das pobres moças famintas são o objeto do desejo de moças demais em nossa sociedade, que, em comparação, acham “enormes” seus próprios corpos normais.
Mas talvez esse desejo não seja consciente, e sim fruto automático de uma adaptação às imagens que a mídia torna usuais.Segundo um estudo alemão publicado recentemente na revista “Human Brain Mapping”, ver corpos magros faz o cérebro se adaptar e passar achar corpos “normais”... gordos.
Adaptação é um fenômeno comum no cérebro, que ocorre conforme a exposição prolongada a um mesmo tipo de estímulo faz diminuir a atividade dos neurônios em resposta a uma nova exposição a um estímulo semelhante. É um processo de adaptação que faz, por exemplo, com que o som inicialmente ensurdecedor de uma boate aos poucos pareça “normal”aos nossos ouvidos. Pois a percepção corporal também é facilmente manipulada por adaptação.
E,de acordo com o estudo alemão, a adaptação não é “racional”, mas sensorial, pois acontece já no córtex fusiforme, uma das primeiras regiões do córtex cerebral que processa de maneira integrada a forma corporal. Usando computação gráfica para fazer seus voluntários emagrecerem até seis quilos, os pesquisadores notaram que a exposição por alguns minutos à própria imagem emagrecida é suficiente para fazer o córtex fusiforme se adaptar e convencer o resto do cérebro a perceber o próprio corpo real como mais gordo do que na prática.
Daí a concluir que o desfile de corpos esqueléticos na mídia convence o cérebro das espectadoras a automaticamente achar enorme o próprio corpo normal é só um pulinho. Como se achar normal, então? Fácil: vendo corpos normais. Praia serve, mas lembro do melhor choque de realidade que eu podia ter recebido na adolescência: o chuveiro comunitário do vestiário feminino na universidade, após a aula obrigatória de educação física.Um santo lembrete de que anormais são as pobres moças chamadas “modelos”...
Artigo de Suzana Herculano-Houzel publicado na coluna "Neuro" da "Folha de S. Paulo" de 28 de agosto de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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