ECONOMIA PASTORIL NORDESTINA NO SÉCULO XVIII


O período áureo da pecuária nordestina estadeia-se no século XVIII, quando flui generosamente a fonte das concessões territoriais e ultima-se o povoamento, graças ao boi, cujo passo tarde, mas persistente conquista as catingas e o tapuio bravio, acolchetando economicamente, aqui como alhures, o sertão aos núcleos consumidores da periferia açucareira e do centro minerador.
Nesse ambiente pastoril a vida girava em torno do comercio de gado em pé para Pernambuco, Baia, Minas Gerais. Gozavam de preferência as boiadas do interior, porque as das fazendas litorâneas ou dos taboleiros adjacentes, menores de porte, menos resistentes, de cascos mais fracos, estropiavam-se na longura das caminhadas, dificilmente chegavam aos mercados distantes. Absorviam os bovinos do Rio Grande do Norte as capitanias próximas da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco, porém as manadas cearenses da beirada atlântica tinham consumo restrito e pouca probabilidade para dilatá-lo.

NASCE A INDÚSTRIA DA CARNE SECA

Um anônimo teve a ideia genial de industrializar a carne desses rebanhos costeiros do Ceara, aproveitando a técnica do preparo da carne seca, conhecida de todos os criadores. A ideia dominou o litoral pastoril que, além da matéria prima abundante, possuía outros factores locais asseguradores de êxito: vento constante e baixa umidade relativa do ar, favoráveis à secagem e duração do produto; existência de sal, cuja importância se não precisa destacar; barras accessíveis a cabotagem da época. Repontaram fábricas, oficinas ou feitorias, como se chamavam estes centros de beneficiamento, nas ribeiras mais criadoras, salineiras, abordáveis. Constavam de toscas instalações que fabricavam duas espécies de carne seca: de posta e de trassalho. A prirneira provinha dos quartos da rês, que davam seis postas, duas por trazeiro e uma por dianteiro; a segunda originava-se das mantas, em número de duas, formadas pelas massas musculares que cobrem o pescoço, as costelas, os flancos.
Quem quiser a imagem de uma oficina nordestina, leia a descrição de uma charqueada à margem do Pelotas, feita em 1820 por Saint-Hilaire. Foi daqui, aliás, que elas se transferiram para aquela localidade meridional. A carne nordestina, que até então atingira os mercados com os seus próprios pés, agora iria alcançá-los e fazer novas conquistas, por via marítima. O tristonho e amanhado litoral, que se desata do Parnaíba ao Assú, criou alento com o escamo das carnes, regularizando-se a navegação, e ao invés de trocas esporádicas nasceram transações permanentes que o prenderam as praças de Pernambuco, Baia, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará.
Preferiam os armadores o porto da Baia, onde, por não pagarem impostos, se acumulavam as embarcações de tal maneira que muita carne se perdia por falta de compradores. A carne ia empilhada nos porões ou fora destes, em garajaus, e cada sumaca carregava a produção de cerca de 2.000 bois, perto de 72.000 ks. de came seca, dando-se a rês um peso médio de 12 arrobas e um rendimento de 20 por cento.

OFICINAS VERSUS AÇOUGUES

As oficinas não tardaram a atrair as boiadas do sertão. Trazendo-as à marinha, os fazendeiros evitavam os percalços das grandes caminhadas e ganhavam o imposto de 400 reis por boi e 320 por vaca, chamado 'subsídio de sangue', cobrado sobre o gado abatido, que não era de desprezar. Numa matança de milhares de cabeças e quando a arroba de carne fresca se vendia a 240 reis. As boiadas que se deslocavam para as feiras• pernambucanas e baianas começaram a rumar em direcção à foz das suas próprias ribeiras. Este movimento revolucionou a feição econômica local. Marinha e sertão interpenetraram-se comercialmente e os laços administrativos entre as duas zonas tornaram-se mais efectivos.
Em uma correspondência de 1788, dizia d. Tomás José de Melo, capitão general de Pernambuco, que todo o gado dos sertões era para 'matar, salgar e navegar', expressão que retrata perfeitamente o centripetismo das oficinas. Não havia mais quem arrematasse o contrato das carnes, os açougues funcionavam intermitentemente, o gado não aparecia nas feiras pernambucanas, e no Recife houve anos de grande penúria desse habitual alimento.
Para enfrentar a situação, resultante da preferência dada ao fabrico da carne seca, aquele capitão general ordenou, no ano de 1788, o fechamento das oficinas do Assú e Mossoró e que o gado da capitania do Rio Grande do Norte se encaminhasse para a Paraíba e Pernambuco.
Houve pareceres favoráveis à extensão da medida ao Aracati, cujos estabelecimentos continuaram a funcionar, condicionalmente, "en quanta os criadores de Mossoró não levarem para lá os seus boys para saIgarem", juntamente com as oficinas que lhe ficavam ao norte. Como a rota habitual era a da Baia, determinou ainda a mesma autoridade que todos os barcos escalassem no Recife, a fim de segurar os que fossem necessários à alimentação do povo. Nesse ano Recife consumiu a carne de 14 barcos e mais a que veio nos que se entregavam a outros negócios. A carne foi cotada até 1.200 reis a arroba. Qual seria o consumo da Baia, muito mais povoada? Tudo isto nos da uma leve ideia da importância desse comércio para a economia pastoril nordestina, especialmente cearense.

ARACATI, O EMPÓRIO DA CARNE SECA.

Aracati, Granja, Camocim desenvolveram-se ao influxo da carne seca. Sobral igualmente fabricava muita carne, a princípio carregada no Porto do Barco, depois em Oficinas, núcleo inicial da cidade de Acaraú. Aracati, a 15 quilômetros da barra do rio mais importante do Ceará, excedeu a todas essas povoações e durante mais de meio século manteve a privilegiada situação de maior exportador de produtos pecuários do Assú ao Parnaíba. Ainda não era vila e já abatia, anualmente, de 18 a 20.000 bois, e mais de 25 sumacas frequentavam lhe o ancoradouro, na faina de transportarem a carne e a courama para Pernambuco, Baia e Rio de Janeiro, a troco de fazendas, ferragens e quinquilharias.
Ao findar das chuvas afluíam a esses arraiais costeiros as embarcações e as boiadas. Carros e tropas traziam do interior couros, solas, vaquetas, algodão. Era a estação dos negócios. o encontro de homens da marinha e de homens do sertão - comerciantes rudes e sertanejos rixentos - não raro explodia em rusgas, resolvidas a faca ou a tiros de bacamarte. A insegurança chegou a tal ponto, que a carta régia de 25 de Setembro de 1745 determina que um juiz ordinário e um tabelião da vila do Aquiraz assistiam no Aracati, por ocasião da afluência dos barcos, afim de coibirem as desordens.
A instalação da vila do Aracati a 10 de Fevereiro de 1748 acarretou-lhe, a princípio, um colapso comercial de grave repercussão na vida econômica da capitania, como se depreende das informações do ouvidor Proença Lemos e da câmara de Aquiraz. Os armadores, afeitos a largueza de um porto livre, não quiseram submeter-se as posturas criadas pela nova edilidade, procuraram outras oficinas, descendo a frequência dos barcos de mais de 25 anteriormente, para 6 ou 7 em 1751. Já antes, a 2 de Junho de 1741, a câmara de Aquiraz impusera aos barcos que entrassem no porto do Aracati 0 tributo de 8$000 se carregassem mais de 1.000 arrobas, 6$000 se fosse menos e 4$000 aos que transportassem couros, mas a ordem régia de 6 de Setembro do ano seguinte repreendia severamente os oficiais autores do imposto e mandava que de seus bolsos restituíssem as quantias arrecadadas.
Em pouco tempo, porém, a nova vila recupera o seu papel de entreposto comercial de Pernambuco com a bacia jaguaribana e regiões lindeiras. Uma ordem régia impedia a capitania comerciar directamente com a metrópole, e Recife, como intermediário, beneficiava-se com todo esse movimento de negócios que alcançava os mais longínquos sertões cearenses e drenava a parte central do Piauí. Aracati carneava anualmente de 20 a 25.000 bois e a sua exportação compreendia também perto de 60.000 meios de sola, 30.000 couros salgados, 35.000 couros de cabra, 3.000 pelicas. As matanças não param nessas cifras, registadas salteadamente nos informes camarários e nos relatos dos giros obrigatórios dos capitães-mores. Nos últimos anos do século XVIII, ali morriam, todos os anos, para mais de 50.000 reses; logo depois vinha Sobral, cujas carnes sustentavam muitos especuladores e embarcações de Pernambuco e Baia. Aracati dominava o Ceará econômica e socialmente.
Importava mais de seiscentos mil cruzados e as exportações caminhavam perto do dobro, oriundas quase todas das carnes e couros. Casas comerciais existiam com capital superior a cem mil cruzados. Milhares de cavalgaduras e perto de dois mil carros de bois asseguravam as comunicações desse empório com os sertões. Seguiam-lhe em importância os portos de Acaraú e Camocim. Mucuripe negociava especialmente com algodão. A riqueza, o contacto com a gente mais civilizada, poliu os aracatienses, a ponto de se tornarem os homens mais notáveis da capitania.
Joao Brígido, cujas obras constituem o filão mais rico da historiografia cearense, no tocante à sociedade, numa página pitoresca sintetiza essa preeminência dos aracatienses:
“Quando a gente do Aracati era a mais civilizada do Ceará, assim na roupa, como em tudo mais, dai saiam, para as outras vilas os homens que mais se distinguiam em musica e ofícios mecânicos, letras e ciências”. Um homem do Aracati, por isto só que era do Aracati, podia meter a cara em qualquer negócio, e colocava-se no primeiro plano em toda parte onde chegava. Na antiguidade, tinha o mesmo valor que um português ou marinheiro, como se dizia vulgarmente. Muitos aracatienses julgavam mesmo que o eram, se arrojavam mesmo à tamanha honra. Alguém, perguntou a certo individuo, se era marinheiro.
- Sou, sim senhor, respondeu ele.
- De que parte?
- Aqui mesmo do Aracati".

O RIO GRANDE DO NORTE NA ALIMENTAÇÃO NORDESTINA

A criação de gado no Rio Grande do Norte influiu decisivamente na alimentação nordestina. Ao tempo da invasão holandesa era o maior centro pecuário litorâneo e sem as suas reses os invasores morreriam a fome. Aqui os batavos lutam pela posse de boiadas como na margem suI pernambucana do São Francisco. Durante todo o largo período colonial, sustentou de bois de corte e de bois de trabalho a população e os engenhos da Paraíba, Itamaracá e Pernambuco. Dispondo de tão grande potencial pecuário e das melhores salinas do Brasil, essa capitania não poderia alheiar-se a exploração das carnes secas, que promissoriamente se fazia à sua ilharga, no Ceará. Oficinas, à margem esquerda do Assú, centralizou o comércio de carnes e couros dessa ribeira, aliás, pequeno, para 3 ou 4 navios, por ano. Na foz do Mossoró ficavam as fábricas fundadas cerca de 1750 pelo abastado fazendeiro sargento-mor Antonio de Sousa Machado, associado ao seu cunhado capitão Jose Alves de Oliveira.
O sargento-mor Sousa Machado residira em Russas, onde se consorciou, e da ribeira do Jaguaribe, tudo faz crer, levou à do Apodi a arte de preparar as carnes secas. Já vimos o resultado final dessas oficinas, fechadas inopinadamente, golpe que não deixou de ferir a fundo a estrutura econômica do Rio Grande do Norte.
É verdade que a câmara de Natal em carta de 4 de Março de 1786 à Junta da Fazenda Real, no Recife, expressou-se da seguinte maneira a respeito do comercio de carnes secas; "achamos não se dar dele utilidade alguma, senão para os donos dos barcos, estabelecendo-se o cômodo destes, que são bem poucos, na ruina de quase todos os indivíduos desta Capitania, que são bem muitos".
Os camaristas natalenses não se interessavam de maneira alguma pela sorte das oficinas, que lhes privavam de carne fresca e tiravam-lhes a renda do subsídio de sangue, pois "arrecadado o dito subsidio por esta Camera das Officinas do Assu e Mossoró a ela pertencentes; já pode satisfazer aos que estipendialmente servem nela a Sua Majestade, remetendo-se para esse Real Erário as sobras que então há de haver, como está determinado", e por isso concluiam, nas suas razoes finais: "somos de parecer que nesta Capitania se deve totalmente abolir este Comercio; e havendo mais numerozas razoens em contrário destas por onde haja alguma limitação, deve esta ser com ônus de pagar cada barco o subsídio de sangue, como assim fica demonstrado".
O motivo principal da extinção do comércio de carnes secas na vizinha capitania devemos buscá-lo, porém, mais longe. Há uma carta de 1649, do governador geral da Baia, d. João de Lencastro, a Caetano de Melo Castro, governador de Pernambuco, sobre a importância vital dos gados do Rio Grande para o nordeste açucareiro. Perto de um século depois, a situação e a mesma, "porque das Fazendas de gados que ali ha, he que sempre se proverão os Assougues de Capitania da Paraíba e toda esta (Pernambuco), e porque só dali pela sua visinhança he que pode aqui vir gado", escrevia em 1788 0 já citado d. Tomaz Jose de Melo. o estomago de Pernambuco sacrificou as oficinas do Assú e Mossoró.

SECA GRANDE

No Ceará não houve decadência na indústria da carne. Ruiu de uma vez. Caiu para nunca mais se levantar. A seca grande rasoirou-a definitivamente. Pouco repercutiam as crises climatéricas até os fins do milênio de 1700. A população pequena e rarefeita encontrava refrigério na caça e no mel. Grande parte do rebanho escapava nos vales e nas covoadas das serras, onde persistiam ramas de alto valor nutritivo.
A primeira grande seca da nossa história foi a de 1777-1778, que reduziu o gado a menos de um oitavo. Não consta haver morrido ninguém a fome, abalou, todavia o comércio de carnes, tanto que um dos seus fabricadores se mudou para o Rio Grande do Sul, facto aparentemente sem importância, porém de repercussão enorme na economia dessa capitania sulina.
As calamidades anteriores desaparecem diante dos efeitos da seca que assolou da Baia ao Maranhão, de 1790 a 1793. Secaram os mananciais, as pastagens transformaram-se em pó, famílias inteiras morreram à mingua, muitas emigraram, o gado pereceu, nem as alimárias silvestres escaparam à fúria da fome e da sede que lavrou durante quatro anos. Desapareceu do Ceará um terço da população e o sertão praticamente ficou deserto.  A calamidade fincou fundamente a tradição nordestina e mereceu da linguagem rude do povo, pela sua extensão no tempo e em desgraças, o nome nada eufônico de 'seca grande'.
Durante o flagelo, a exportação cearense chegou a 40.000 arrobas de carne e 100.000 couros salgados, sendo esta última parcela diminuta em relação à imensa courama perdida nos campos de criar. o trecho abaixo, de uma crônica da câmara do Aracati sobre a 'seca grande', no laconismo das suas poucas linhas, narra a derrocada de um cicio da vida econômica nordestina: "porém no 1791 e 1792 mais excessiva, de tal sorte que derrubou, destruiu e matou quase todos os gados dos sertões desta comarca, e por isso veio a perder aquele ramo de comércio das fabricas de carnes secas desde o ano de 1793 exclusivo, porque no ano de 1794 já não houve gados que se matar".
Terminava abruptamente, aos golpes de urna calamidade cósmica, o comércio cearense de carnes secas. Aqui o pastoreiro; ferido nas entranhas, não recobraria mais o papel de dominador quase absoluto da nossa economia, como o fora em todo o século XVIII. Continuaria a marchar na vanguarda, é verdade, mas seguido do algodão. Novo ciclo iniciava-se em nossa história econômica.

OFICINAS PARNAIBANAS

As oficinas piauienses datam de longe. Quando os compradores recusaram as carnes do Aracati, num gesto de represália aos impostos estabelecidos pela câmara recém-criada, foram busca-las em Acaraú e Parnaíba. Isso se deu pelas alturas de 1750. Treze anos depois elas consumiam mais de 12.000 reses por ano, segundo informação de João Pereira Caldas. Localizavam-se essas oficinas no sitio denominado Feitoria ou Porto das Barcas, à margem direita do Parnaíba.
O arraial frequentado por 16 ou 17 navios, alcançou tal importância que o governo da capitania se viu na contingência de transferir para ali, em 1770, a sede da vila de São João do Parnaíba, então em Testa Branca, lugarejo que vegetava na mais completa decadência. As carnes alicerçaram a grandeza da futura metrópole do delta parnaibano.
A feição hidrográfica do Parnaíba, contrastando vivamente com o regime dos outros rios pastoris do Nordeste, cuja navegabilidade se condiciona á maré montante, permitiria a penetração das oficinas rio acima, como fez em 1770 o negociante parnaibano e fazendeiro em Pastos Bons, João Paulo Diniz, que levantou oficinas a oitenta léguas da sua foz, no âmago da zona criatória, cujos gados transformados em carne transportava em barcas ate a vila, donde os recambiava para navios com destino a Baia, Rio de Janeiro e Pará.
Por ocasião da 'seca grande', o Piauí, que estava nas raias da área atingida pela calamidade, cujo epicentro era o Ceará, sofreu os seus efeitos apenas no ano de 1792, mas as consequências foram profundas em sua economia e demografia. Muita gente dos sertões cearenses emigrou para ali e o remanescente indígena em grande parte refugiou-se nos seus profundos baixões.
Para o Piauí convergiram as transações pecuárias, quer como último detentor da exploração das carnes secas quer como fornecedor da semente que havia de recompor a destroçada pecuária nordestina e esse movimento foi tão grande que duplicou o valor do gado em pé, passando uma vaca a ser vendida por 4$800 enquanto que anteriormente o era por 2$000, um garrote por 4$000, em vez de 1$600. Na história das oficinas parnaibanas avulta como a sua primeira personagem Domingos Dias da Silva, fundador de uma casa que pelos seus grossos cabedais, talvez a mais rica do Nordeste pastoril, influiu poderosamente em todos os sectores da vida piauiense.
Se e verdadeira a afirmativa de José Francisco de Miranda Osório que Domingos Dias da Silva chegou ao Piauí perto de 1768, não lhe cabe a iniciativa da fabricação das carnes secas, como asseveram historiadores locais. O que fez Domingos da Silva, dono de um tino comercial invejável, foi enfeixar em suas mãos o comércio das carnes, fabricando-as, financiando-as, de maneira a tornar-se o único exportador delas. Os seus agentes de cobrança dos dízimos, dos quais era uma espécie de arrematante crônico, abriram caminho as boiadas do centro e sul da capitania para a foz do Parnaíba, começando a solapar uma circulação econômica que, pelas condições históricas do povoamento e pela configuração geográfica demasiadamente alongada, fazia-se com as unidades limítrofes. Os herdeiros de Domingos Dias da Silva, morto em 1793, mostraram-se incapazes de continuarem a obra paterna. Em 1813, as seis oficinas existentes em Parnaíba, estavam reduzidas a três, que consumiam ainda de seis a oito mil bois. Fecharam-se sucessivamente em 1820, 1824 e 1827.

APARECE O CHARQUE

A 'seca grande', como vimos, assinalou definitivamente a decadência dos sertões nordestinos como abastecedores de carne. À medida que decresciam as suas exportações, avultavam os fornecimentos de um novo mercado, que a seu favor apresentava rebanhos imensos e um ambiente sem igual em toda a Colônia para a criação. Foi um cearense, José Pinto Martins, tangido para os pampas em consequência de ume seca, o fundador da indústria saladeril no Rio Grande do Sul. José Pinto Martins era do Aracati e em 1780 assentou pequena fabrica de carnes, em terras pertencentes a Manuel Carvalho de Sousa, a margem direita do Pelotas.
A nova indústria valorizou os rebanhos sul rio-grandenses, que valiam pelo couro e não pela carne. Em pouco tempo o charque passa a predominar no quadro das exportações gaúchas, desbancando o trigo, e definitivamente conquista o mercado brasileiro nos primeiros anos do século XIX, quando o movimento libertário dos povos platinos, desorganizando lhe o comercio, afastou a concorrência dos dois maiores empórios sul-americanos de produtos bovinos - Montevideo e Buenos Aires. Com a carne do Rio Grande entra em nosso vocabulário a palavra charque, vinda dos altiplanos andinos, através do Prata que projecta sua zona de expansão à proporção que o produto vai dominando o litoral. Ainda hoje, em certos lugares, ao lado do vocábulo quíchua vive a expressão carne do Ceará, único documento que a tradição conservou de uma fase econômica do Nordeste pastoril do século XVIII.

Por Renato Braga, publicado com o título de 'Um capítulo esquecido da economia pastoril do Nordeste na 'Revista Cultura Política, ano IV, número 38, março de 1944, Rio de Janeiro e republicada mais tarde, na Revista do Instituto do Ceará. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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