OS BORDÉIS DA IDADE MÉDIA


Em 19 de Novembro de 1445, o rei da França, Carlos VII, mandou redigir em Toulouse uma carta ao juiz de  Lauragais ou a seu assistente. 'Os magistrados de Castelnaudary nos expuseram que a cidade é bastante grande e populosa, que para ela afluem ou nela permanecem homens não casados, o que ela é desprovida de mulheres ou moças públicas, pelo menos as mulheres públicas que aí estão não tem nenhum hotel ou casa especial onde possam ser encontradas. e, por essas razões, os ditos expositores decidiram mandar construir, á sua custa, um hotel fora da cidade, afastado das pessoas decentes, que será chamado de bordel, onde ficarão e poderão ser encontradas essas moças'. Portanto, os magistrados de Castelnaudary levavam em consideração, e publicamente, as necessidades sexuais dos solteiros. Tratava-se de criar, paralelamente aos 'bordelages', pequenos bordéis privados destinados aos filhos dos habitantes, e a uma certa distância dos bairros residenciais, um bordel capaz de satisfazer os desejos dos camaradas estrangeiros.
Como a questão da prostituição aparecia claramente nos textos da época de Luís IX, o piedoso rei ficou diante de um problema debicado. Ele gostaria de suprimir de seu reino a mais antiga profissão do mundo- e tomou medidas nesse sentido. Mas isso se mostrou impossível: as mulheres da vida eram numerosas demais e foi preciso tolerar um mal menor. A prostituição viria a ser institucionalizada entre 1350 e 1450.
A maioria das cidades possuía um bordel público construído frequentemente com verbas municipais. O Castelleto, em Veneza, foi aberto em 1360. Florença precisou esperar o começo do século XV. O bordel público de Tarascon, mencionado em 1374, foi ampliado antes do final do século e embelezado em 1449. Uma segunda surgiu no início do século XV.
É bem verdade que as autoridades municipais tentaram regulamentar a prostituição para que os bordéis e saunas não se tornassem focos de contágio durante as epidemias e para que a população não fosse chocada por escândalo perto das igrejas. As saunas podiam pertencer a burgueses, até mesmo a instituições eclesiásticas. A abadia de Saint- Ettiénne de Dijon possuía as saunas Saint-Michel, o bispo de Langres, as da cidade. Os municípios as arredavam a 'abadessa' ou a um gerente que recrutava as meninas e zelava pela ordem no seio da pequena comunidade.

As Regras São Rígidas 

No bordel de Castel Joyeux, em Pamiers, como na maioria das casas do tipo, as moças pagavam o quarto e a alimentação ao gerente, chamado de "abade". As mulheres podiam ou não comer á sua mesa. Se não comessem, o "abade" lhes vendia a comida. Cada uma paga seis dinheiros por dia pelo quarto, O leito, o fogo, o serviço e a luz. O pagamento por dia ou por refeição possivelmente se devia ao fato de que, ao lado das permanentes, havia outras que não ficavam por muito tempo. O cliente que desejasse pernoitar devia pagar um suplemento. Não era assim em todos os bordéis. Em Nuremberg, por exemplo, o gerente recebia uma taxa a cada programa. Esse regulamento garantia as entradas de dinheiro para quem arrendava o bordel, impedindo-o também de explorar as meninas.
A proteção das prostitutas era manifesta, aliás, nos estatutos do bordel de Sandwich na Inglaterra, que proibia sua punição e permitia que elas se queixassem ao prefeito se maltratadas. Em algumas cidades italianas, porém, os municípios concediam um poder considerável ao 'abade', que podia espancar as mulheres que  a, mas sem lhes causar ferimentos. Em muitos bordéis, as mulheres ficavam enclausuradas. Era esse o caso do Castel Joyeux, cujos estatutos as obrigavam a comer, beber e dormir no interior. O mesmo acontecia no bordel de Toulouse. As prostitutas dessa cidade eram autorizadas a ir á missa, como também as de Nuremberg e Estrasburgo. Quanto ás de Genova e de Veneza, elas podiam sair aos domingos.

Violência e Vigilância 

Os clientes do Castel Joyeux deviam ser aprovados pelo "abade". Os que entravam na casa sem permissão eram condenados à prisão. Os que eram admitidos, tinham de entregar as armas sob pena de prisão multa e confisco. Nessa época em que grassava a violência, não surpreende que os bordéis fossem frequentemente fortificados e que os estatutos de muitas cidades italianas autorizassem seus gerentes a portar armas. As primeiras vítimas eram, evidentemente, as mulheres.
Outro problema eram os roubos. Era recomendado aos clientes entregar joias e dinheiro ao 'abade' do Castel Joyeux, que não se responsabilizaria se eles não o fizessem. O gerente não era o único a se ocupar da guarda do bordel. A municipalidade e, ás vezes, funcionários reais faziam a vigilância externa. Em Toulouse, por exemplo, o bordel era protegido de dia por um funcionário, e de noite pelo capitão da ronda. Mas a diferença entre a vigilância externa e administração interna nem sempre era clara. Em 1433, por exemplo, Pierre Darganhac, capitão da ronda, dividia com uma prostituta o arrendamento de uma casa pública de Toulouse. No bordel de Pamiers eram excluídos os gigolôs. A proibição dos 'amantes de coração' estava inscrita nos estatutos do bordel de Nuremberg. Muitos deles proibiam também o jogo.
Muito poucas moças tinham escolhido voluntariamente essa maneira de viver. É possível discernir várias etapas na carreira das mulheres públicas. A maioria se entregava ocasionalmente à prostituição no início (aos 17 anos), impelida, mais ou menos, por um companheiro. Depois entrava como camareira nas saunas (aos 20 anos) e acabava no bordel quando sua juventude já não constituía um atrativo suficiente para a clientela das saunas (em torno dos 28 anos). Assim, cinco prostitutas com idade entre 28 e 34 anos denunciaram a concorrência desleal de um 'bordelage’.
privado. Elas relataram, em 1464, uma expedição frustrada, empreendida, segundo disseram, por instigação de algumas mulheres de bem. Mas o objetivo consistia provavelmente em obrigar suas colegas a abandonar o lugar ou ingressar no bordel

A Decadência 

Algumas prostitutas conseguiam uma promoção e se tornavam 'abadessas'. Outras se retiravam em uma das fundações destinadas ao seu arrependimento. Por exemplo, em Sainte-Marie-Madeleine de Avignon, elas viviam enclausuras, dedicando-se a jejuns e à oração. Os magistrados da cidade se ocupavam dessa fundação, cujos bens administraram até 1370.
Embora as prostitutas terminassem suas carreiras na miséria, um certo número delas conseguiu se reinserir na sociedade, casando com parceiros. Em Poitou, Ettiénne Giboin, homem sem fé e sem lei desposou 'uma mulher de muito má vida, censurada e publicamente difamada por seu corpo'. Em Beaucaire, em 1480, um trabalhador casou-se com uma moça de bordel e o contrato assinado diante do notário indicava a situação dela.
Além disso, algumas prostitutas queriam se passar por burguesas e se vestir como elas, apesar das proibições - numerosas, prova de que elas não eram observadas. Em Paris, no começo do século XV, era proibido às moças de pouca virtude exibir sobre o vestido e o penteado botões de prata ou dourados, pérolas, cintos de ouro e de prata, saias ousadas, casacos forrados de pele de esquilo e fivelas de prata nos sapatos.
Quando iam à igreja, escreveu um cronista, levavam grossos livros que incapazes de ler por serem analfabetas. Entretanto, ficou impossível distingui-las das mulheres pudicas.
Uma nova era emergia no século XVI: a instituição se desmantelou. A proibição de todas as casas foi proclamada pelo decreto de Orléans de 1561. Mas muitas das casas municipais já tinham fechado suas portas antes disso.
As razões dessa evolução são muitas e complexas. Associava-se a prostituição mais à peste e ao contágio em geral do que às doenças venéreas. Junte-se a isso a política repressiva dos reis da França e os fatores demográficos.
Assim, no fim da Idade Média, a prostituição era aceita, institucionalizada até, porque ela afastava os homens das mulheres honestas e evitavam que eles se tornassem homossexuais. Evidentemente, a má conduta era malvista, e com respeito às prostitutas existia uma atitude ambivalente. Contudo, embora a doutrina cristã proibisse as relações sexuais fora do casamento, e mesmo em seu interior as considerasse um mal indispensável para procriar, a prostituição floresceu.

Dez Dinheiros o Programa 

O preço do programa variava bastante. Dependia, em especial, da prostituta. Na região do Ródano, a quantia de 1 blanc (10 dinheiros; 12 dinheiros equivaleriam a 1 tostão, ou 5 centavos de franco) parecia habitual para o serviço mais rápido. Em junho de 1462, enquanto as moças de 15 a 17 anos recebiam de 2 a 6 blancs, uma mulher recebia 2 blancs para trabalhar uma jornada nas vinhas.
Numa casa de prostituição de Rouen, dois companheiros deram 5 tostões à gerente para ter duas moças para a noitada. A título de comparação, em Potiers, no início do século XV, um pedreiro ganhava 3 tostões por dia, um servente 20 dinheiros. O programa durava habitualmente meia hora, tempo indicado pela moça ou pela patroa para despachar o cliente.

Texto de Jean Verdon, traduzido por Celso Paciornic, publicado na revista 'História Viva ‘com o título de 'Os Bordéis Casas das Mais Toleradas’. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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