AÇORIANOS E POVOAMENTO DO SUL DO BRASIL


Chegada dos Açorianos ao Brasil
        Em 31 de agosto de 1746, o rei dom João V de Portugal comunica aos habitantes das ilhas dos Açores que a Coroa oferece uma série de vantagens aos casais ilhéus que decidirem imigrar para o litoral do sul do Brasil.
        Nos termos do edital fartamente distribuído pelas nove ilhas do arquipélago, as vantagens do convite para a voluntária expulsão resultam evidentes:
        - haverá um grande alívio nas ilhas porque elas não mais verão “padecer os seus moradores”, uma vez que vão diminuir os males resultantes da indigência em que todos vivem;
        - haverá um grande benefício para o Brasil, já que os imigrantes irão cultivar terras ainda inexploradas.
        O edital acena com uma série de mordomias a partir do transporte gratuito “até os citios que se lhes destinarem para as suas abitaçoens”.
        “E logo que chegarem aos citios que haverão de habitar, se dará a cada casal uma espingarda, duas enxadas, um machado, uma enxó, um martelo, um facão, duas facas, duas tesouras, duas verrumas, uma serra com sua lima e travadeira, dois alqueires de sementes (27,5 litros), duas vacas e uma égua.
        No primeiro ano se lhes dará a farinha, que se entende bastar para o sustento, assim dos homens como das mulheres, mas não às crianças que não tiverem sete anos, e aos que tiverem até os 14 se lhes dará quarta e meia de alqueire para cada mês.
        Se dará a cada casal um quarto de légua em quadra, para principiar as suas culturas, sem que se lhe levem direitos nem salários algum por esta sesmaria. E quando, pelo tempo adiante tiverem família com que possam cultivar mais terra, a poderão pedir ao governador do distrito”.
        Também fica definido por sua majestade que o primeiro estabelecimento de casais açorianos far-se-á na Ilha de Santa Catarina e nas suas vizinhanças, “em que a fertilidade da terra, abundância de gados e grande quantidade de peixes conduzem muito para a comodidade e fartura destes novos habitadores.”
        Em menos de um ano, 7.817 pessoas comprovam o desejo de se transferirem para o outro lado do Atlântico.
        Uma Provisão Régia de 9 de agosto de 1747 determina ao brigadeiro José da Silva Paes, governador da capitania da Ilha de Santa Catarina, que tome todo o cuidado em tratar bem os novos colonos.
        “O dito brigadeiro porá todo o cuidado em que estes novos colonos sejam bem tratados, e agasalhados, e assim que lhe chegar esta ordem, procurará escolher assim na mesma Ilha, como nas terras adjacentes, desde o Rio de São Francisco do Sul até o Serro de São Miguel, nos altos da Serra do Mar, e no sertão correspondente a este distrito, com atenção porém que se não dê a justa razão de queixa aos espanhóis confinantes.”
        A decisão de sua majestade em respeitar as terras dos espanhóis confinantes, plantados muito longe lá pelos lados do Oeste, fez esquecer a definição dos limites norte-sul das terras que açorianos de Santa Catarina poderiam ocupar.
        Dom João V e muito menos o brigadeiro Silva Paes podiam prever que o descuido de Lisboa dava os primeiros passos para gerar um conflito de limites dentro das terras brasileiras e uma guerra encarniçada entre os próprios catarinenses.

Terras paulistas de Lages 

        A designação de Luiz Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, para governador e capitão general da Província de São Paulo, em dezembro de 1764, tem profunda repercussão no povoamento do Planalto e na fixação dos limites entre Santa Catarina e as futuras terras do Paraná.
        Um dos primeiros atos do morgado é o de fazer povoar metodicamente os sertões de Curitiba e todos os imensos campos da região, até a margem direita dos rios Pelotas e Uruguai. O forte argumento para essa tomada de decisão é o de fazer frente aos espanhóis confinantes, que haviam ocupado uma grande parte do território do Rio Grande do Sul.
        Antônio Corrêa Pinto de Macedo, rico e experimentado fazendeiro daqueles sertões paulistas, em fins de 1766, instala-se “na paragem chamada as Lages”. Para facilitar a tarefa, o fundador está autorizado a convocar todos os índios carijós já civilizados “que andam vadios e não têm casa, nem domicílio certo”, nem são úteis à coisa pública. E ele pode obrigá-los a ir povoar as ditas terras.
        A viajada oficial de Antônio Corrêa Pinto para o Sul e a missão de fundar uma povoação na referida “parada das tropas” irrita as autoridades do Rio Grande do Sul porque garantem deter a jurisdição de parte daquele território até a margem esquerda do Rio Canoas, afluente do Pelotas. E transtorna os catarinenses porque eles defendem que o limite sul é pelo Rio Pelotas e, ao norte, pelos rios Negro e Iguaçu.
        Passado meio século, 9 de setembro de 1820, toda a região do Planalto é desanexada de São Paulo e unida à Província de Santa Catarina, com os seus limites a oeste indefinidos.
        Com a decisão do governo de Portugal, os paulistas fundadores de Lages e seus descendentes tornam-se catarinenses com papel passado em Lisboa.
        Mas São Paulo e, a partir de 1853, o Paraná não abrem mão de seu território e continuam a banhar-se nas águas do Pelotas e do Uruguai. Até que um dia, meio século depois, acontece o estouro da peonada que não se rendeu e acaba destruída pelas armas de um governo que age em nome da lei.

Cidades nascem no caminho dos tropeiros 

        O povoamento do Planalto de Santa Catarina adota uma estratégia bem diferente daquela que resultou da ocupação do Litoral, do Vale do Itajaí e das planuras do Sul. Na Serra-Abaixo, ao longo de 150 anos, adota-se a fixação do imigrante europeu em pequenas glebas de terra - o sítio, o lote, a colônia - como ponto de partida para a abertura do processo civilizador.
        No planalto central da Serra-Acima a qualidade do solo não se adapta à fixação definitiva de um colono dedicado à agricultura. As imensas pastagens naturais obrigam a substituir o manejo da terra pela convivência com o gado. Esse mesmo gado resultará na produção do imenso estoque de carnes no Rio Grande do Sul.
        O perigo de utilizar o transporte marítimo para entregar o boi gordo no mercado devorador de São Paulo e do Rio de Janeiro torna-se evidente pelos riscos que a medida acarreta como naufrágio, pirataria e a necessidade de alimentar os animais no decorrer do trajeto que, além de tudo, fica dependendo da colaboração de ventos favoráveis para empurrar o navio cargueiro.
        A solução encontrada é simples e copia o exemplo de Alvaro Nuñez Cabeza de Vacca e sua comitiva deslocando-se a pé entre o porto de São Francisco do Sul e a capital do Paraguai. Dessa maneira, os próprios animais se deslocam ao local de consumo através do “caminho das tropas”, também chamado Estrada Real ou Caminho do Sul, que liga Vacaria, os campos de Lages e da Estiva com as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro.
        Dezenas de povoados e de cidades do Planalto Catarinense resultam de um “descanso das tropas e dos tropeiros”. Mas ocorre um fato novo na história desse povoamento. Enquanto Santa Catarina alega que tem a seu favor uma série de leis que lhe garantem a propriedade das terras, os paulistas, na quase totalidade proprietários das vacarias do Rio Grande, vão se fixando pelo Planalto e pelos campos de Palmas, muito ao sul dos rios Negro e Iguaçu.

Colonos e militares na fronteira 

        Pelos meados do século XIX, dom Pedro II dá-se conta de que o Brasil precisa definir e proteger suas extensas fronteiras com os diferentes países da América do Sul, uma vez que a maioria deles apresenta contornos indefinidos.
        A saída encontrada pelo imperador é a fundação de colônias militares nas quais possam conviver a vigilância do militar com o trabalho do civil, ambos acompanhados da respectiva família. Nesta linha de pensamento, o Decreto 2.502, de 16 de novembro de 1859, cria as colônias militares do Chopim e do Chapecó, no extremo-oeste da região contestada por Santa Catarina e pelo Paraná e bem ao lado dos 30 mil quilômetros quadrados de território brasileiro exigido pela Argentina.
        Mas o entusiasmo do imperador pela convivência entre civis e militares na fronteira esfria durante quase 25 anos. Só em 14 de março de 1882 o capitão José Bernardino Bormann instala a colônia militar de Chapecó. De imediato, o capitão abre várias frentes de trabalho destinadas a povoar a região com pequenos lavradores e criadores das redondezas, do Rio Grande do Sul e do Paraná e também para defender a fronteira, atrair os índios, implantar o progresso, difundir a cultura. Logo nos primeiros tempos, a colônia dispõe de duas escolas de primeiras letras, uma escola de música e respectiva banda. Existe até um jornal,O Xanxerê.
        Em 1895, um laudo pericial do presidente Cleveland, dos Estados Unidos, define que a Argentina não tem nenhum direito sobre as terras do assim chamado Campos de Palmas e a região é definitivamente incorporada ao território brasileiro.
        Em 1916, as terras contestadas serão divididas entre o Paraná e Santa Catarina. Solucionados os dois conflitos, Xanxerê e Chapecó, em Santa Catarina, Clevelândia e Palmas, no Paraná, começam a exercer um papel importante para o desenvolvimento das terras que a Argentina e os dois estados haviam cobiçado.

O papel do cacique Condá 

        Pelos meados do século XIX, dezenas de pequenos proprietários vão se estabelecendo nos campos de Palmas, região contestada por Santa Catarina e pelo Paraná. Sobre essas terras vivem índios kaingang.
        A presença do homem branco contribui para o surgimento de pequenas fazendas de criação de gado, sem contornos definidos por estarem localizadas sobre terras devolutas, isto é, pertencentes ao Poder Público. As confrontações entre posseiros e os enfrentamentos com os índios são freqüentes e resultam em total desrespeito às divisas naturais que delimitam as fazendas.
        Quando da ocupação dos campos de Palmas, em 1839, os moradores não encontram solução para as contínuas depredações e por isso buscam a colaboração dos árbitros João da Silva Carrão e José Joaquim Pinto Bandeira, de Curitiba. Os dois dirigem-se ao local e pedem o apoio do cacique Condá, profundo conhecedor da topografia daqueles campos. A determinação do cacique é a de que todos os índios do grupo se unam em torno dos moradores para assentar as bases de um povoamento ordenado e sem futuras rixas.
        Em 1815, Athanagildo Pinto Martins abriu a Estrada das Missões, ligando Guarapuava, Clevelândia, Campos Novos e Lages. Trinta anos depois, Francisco Ferreira da Rocha Loures une Palmas a Goio-En.
        Com a situação mais ou menos definida, em 1865 o governo imperial decide abrir uma estrada para ligar Palmas a Corrientes, na Argentina, passando pelo oeste das terras contestadas por Santa Catarina e pelo Paraná. Os primeiros estudos sobre o trajeto da estrada contam com a colaboração do cacique Condá e de 37 índios. Eles também acalmam os índios do Nonoai, no outro lado do Uruguai, revoltados com a invasão das terras pelos operários da estrada.
        Os caciques Condá e Viri são personagens importantes para a história do povoamento dos campos de Palmas e dos sertões do Extremo-Oeste de Santa Catarina. Para alguns historiadores, Condá passou de “bugre a bugreiro”, pois recebia pagamento para cada índio que aldeasse.
        Em Chapecó, uma enorme estátua exalta a memória do índio Condá.

Copiado da Internet em janeiro de 2007. Autoria e origem não anotada. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa 

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