SAINT-HILAIRE VISITA O CENTRO OESTE DE MINAS
Leopoldo Costa
Auguste de Saint-Hilaire foi um naturalista francês, nascido em 1779 e falecido em 1853. Chegou em 1816 ao Brasil aos 37 anos, empreendendo durante seis anos, em condições precárias, várias viagens pelo interior do país, colhendo informações principalmente, sobre a sua especialidade que era a Botânica. Conseguiu catalogar e coletar 30.000 exemplares de plantas de 7.000 espécies diferentes, das quais 4.500 eram até então desconhecidas.
Escreveu vários livros sobre as suas pesquisas e as suas viagens. Era um observador minucioso, preocupado em dar o máximo de informações ao seu leitor. Por isso, os seus relatos são sempre enriquecidos com lições de História, Zoologia, Geografia, Sociologia e Antropologia. Mesmo quando tinha que descrever as mazelas do Brasil daquela época, ele se expressava de uma forma diferente, demonstrando carinho e preocupação com o futuro do nosso país. Não criticava apenas por criticar e muitos vezes corrigia informações depreciativas de outros viajantes que o antecederam.
No seu livro “Viagem ás Nascentes do Rio São Francisco e a Província de Goiás” escrito entre 1816 a 1822 e publicado em Paris em 1847, existe uma detalhada narrativa de quando ele percorreu a região de São João Del Rei, Oliveira e Itapecerica, que ocupa os Capítulos VII e VIII da obra, denominados respectivamente “Quadro Geral da Região Montanhosa e Deserta Situada entre São João Del Rei e a Serra da Canastra” e “Inicio da Viagem de São João del Rei ás Nascentes do São Francisco. Os povoados de Conceição e de Oliveira. A cidade de Tamanduá.”
No capítulo VII, ele se ocupa da etapa da viagem até Oliveira, que é bastante interessante e narra a passagem pelo atual distrito de Morro do Ferro (na época São João Batista):
“... para chegar a essa terra tomei a direção oeste-quarta-noroeste e andei cerca de 45 léguas. A região que percorri então forma uma espécie de crista e deve ser forçosamente muito elevada, pois se acha situada entre as cabeceiras do Rio Grande e as nascentes dos primeiros afluentes do São Francisco. Sabe-se, aliás, pelas observações barométricas de Eschwege que a Fazenda do Vicente localizada a quatro léguas da pequena cidade de Tamanduá, situada a beira da estrada, tem uma altitude de 551 metros acima do nível do mar, e que a vila de São João Batista, cinco léguas distante de Oliveira, onde passei, fica a uma altitude de 994,8 m.”
Descreve a região como bastante montanhosa, apresentando algumas vezes pastagens, outras vezes matas e até uma densa floresta virgem nas proximidades de Tamanduá (Itapecerica). Continua observando que a qualidade das pastagens era ‘inferior as existentes no distrito do Rio Grande’, onde existe o capim-flecha, gramínea de boa qualidade. Disse ter visto árvores raquíticas e retorcidas nos campos, (o cerrado) comparando-as com as que tinha visto antes no norte de Minas Gerais.
Informa que o povoado de Formiga está localizado a 24 léguas de São João Del Rei e confirma que daí em diante só existia o ‘sertão’. Observou algumas lavras de mineração nas proximidades de Tamanduá e Pium-i e fazendas de criação de porcos e de gado em todo o seu percurso.
“... logo depois de passar pela propriedade do Capitão Pedro, situada a nove léguas do Rio das Mortes, vi em todas as fazendas um grande número de suínos. São eles que constituem a principal riqueza dos arredores de Formiga”
Explica com detalhes, como era realizada a criação de porcos na região, que ficavam todos em liberdade e aglomerados ao redor das fazendas, os machos, as fêmeas e os leitões. Duas vezes por dia eles eram alimentados com espigas de milho e de 2 em 2 meses recebiam uma porção de sal diluído em água. Se apresentassem feridas eram tratados com mercúrio-cromo. Apenas os porcos castrados e prontos para a engorda eram separados num terreiro e recebiam 3 rações por dia, duas de milho e uma de fubá misturado com inhame ou com cará. De 15 em 15 dias recebiam água salgada para beber. Quando a propriedade dispunha de produção de queijo, o sal era substituído pelo soro (leitelho) proveniente desta produção.
Acrescenta uma crítica, dizendo que os habitantes de São João Del Rei eram desleixados com as suas moradias, bem diferente dos habitantes de outros distritos que visitou e onde havia a prospecção ou a mineração de ouro.
o capitão-mor João Antonio de Oliveira, proprietário da Fazenda Cachoeirinha, situada um pouco antes de Tamanduá, possuidor de grande extensão de terras, de muitos bois, de muitos porcos e de muitos carneiros. Ele sendo um homem bastante rico, habitava casa modesta e sem conforto. Estava entre as senzalas dos escravos, ao fundo de um terreno cercado por mourões roliços. A mobília da casa era formada apenas por alguns tamboretes forrados de couro e alguns bancos de madeira. Num canto, existia uma talha de barro para servir água. Tinha ao lado um caneco que era usado por todos, sem nenhum cuidado.
Sobre o seu trajeto para Oliveira escreveu:
“Quando, depois de passar a noite na Fazenda do Tanque, quisemos partir, procuramos inutilmente o tocador que o Alferes José Pereira da silva me tinha arranjado. Ele tinha fugido. Na verdade, o homem me havia acompanhado obedecendo a uma ordem de seu superior, mas eu lhe havia prevenido que pagaria 100 réis por dia. Além do mais estava desempregado havia muito tempo. Mas por que iriam trabalhar esses homens, se em toda parte encontram gente que lhes dão alimento a troco de nada? Vimo-nos forçados a partir sem tocador. Ao alcançar o cume das colinas que dominam o vale onde está situada a Fazenda do Tanque, descortinei uma vasta extensão de terras montanhosas, em que as matas predominam sobre as pastagens. Depois de andar meia légua cheguei ao Arraial de Conceição.”
Mais adiante, descreve o povoado de Conceição, observando em nota de rodapé de tratar-se de Nossa Conceição da Barra e não de Conceição do Mato Dentro. Explica que o povoado teve origem na prospecção de ouro que existia as margens do Rio das Mortes. As lavras esgotaram-se e os habitantes que podiam, mudaram-se do lugar que ficou apenas sendo habitado por “pessoas de cor”.
Notou a existência de muitas mulatas prostitutas que viviam da venda de seus encantos. Existia no lugar cerca de 100 casas, todas pequenas, baixas, algumas cobertas de telha e causou estranheza encontrar no meio delas uma igreja exageradamente grande para o tamanho do lugar. Muito bonita repleta de ornamentos, de douraduras e de bonitas pinturas na sua maioria retratando milagres de Nossa Senhora da Conceição. Existia outra igreja no lugar, um pouco menor. Apesar da miséria ele sentiu um efeito bonito do conglomerado de casas, que quebrava a monotonia da paisagem.
Prossegue descrevendo a sua passagem pela Fazenda do Capão das Flores e pela Fazenda do Capitão Pedro. Disse ter visto pouco gado e descreve um fato pitoresco: no meio do pasto um cachorro-do-campo apareceu correndo. Sendo informado que o bicho costumava fazer grandes estragos no rebanho de carneiros, autorizou o seu companheiro a atirar, para matá-lo. Ele errou o disparo e o animal fugiu velozmente.
Ganhou pouso na Fazenda do Capitão Pedro, onde deram-lhe como aposento um estábulo escuro, mal cheiroso e forrado com o estrume de gado. Teve a ousadia de reclamar ao proprietário das condições do local de hospedagem sendo então convidado a dormir na casa do capitão num aposento mais adequado.
A Fazenda do Capitão Pedro, tinha duas léguas de extensão onde era cultivado o milho, o feijão, o arroz e criava-se porcos. Existia também um plantação de algodão, que parecia de difícil adaptação ao tipo de terra do local. A cana de açúcar parecia se dar muito bem.
Vejam que interessante descrição ele faz de Oliveira:
“Entre a fazenda das Vertentes do Jacaré e o arraial de Oliveira, distante dela três léguas e meia, as terras montanhosas e cortadas de matas e pastagens apresentam vastas e despovoadas extensões. Não encontrei ali um único viajante, não vi um único boi, tendo notado a presença de apenas duas propriedades, uma ao longe e outra á beira do caminho. Na véspera eu havia subido sempre, mas nesse dia o caminho começou a descer abruptamente, de uma forma muito pronunciada. Pouco depois atravessei, por uma ponte de madeira em péssimas condições, como de resto são todas as da região do Rio Jacaré que nasce na fazenda onde eu passara a noite e lhe dá o nome (fazenda das Vertentes do Jacaré). Eu tinha subido o morro para chegar ás nascentes desse rio e em seguida descera para me achar de novo as suas margens. Pouco antes de chegar ao arraial de Oliveira atravessei um pequeno vale muito aprazível, de onde já podia ter uma visão do lugarejo ao longe e no qual já se viam algumas casinhas. Em Oliveira vi-me num rancho imundo, misturado com tropeiros de todas as cores. Havia sacos de algodão amontoados em todos os cantos e cangalhas empilhadas umas sobre as outras. Dois ou três fogões rústicos cozinhavam a comida dos tropeiros. Uma dezena de pessoas nos rodeou, maravilhadas com a paciência de José Mariano em preparar os animais para empalhar.
Os mineiros tem uma acentuada aversão por viagens marítimas, mas em compensação gostam de viajar por terra. A liberdade desfrutada nos ranchos agrada especialmente aos jovens. Depois de uma jornada fatigante eles saboreiam o repouso estendidos displicentemente sobre couros e se divertem tocando violão ou contando suas aventuras.
Oliveira, ou Nossa Senhora de Oliveira, onde passei a noite, pertence a Paróquia de São José,(hoje Tiradentes) uma pequena cidade situada, como já disse antes, a duas léguas de São João Del Rei. O arraial conta-se entre os poucos que não devem a sua fundação á presença de ouro em suas terras. Sua existência se deve unicamente ás vantagens de sua localização. De fato, várias estradas importantes passam pelo lugarejo: a que vai de Barbacena ao Arraial de Formiga, q que liga a região do Rio Grande á cidade de Pitangui, a que vai do Rio de Janeiro e São João Del Rei a Goiás, a de Vila de Campanha a Formiga etc.
O povoado é rodeado de morros e está situado ao alto de uma colina de cume achatado. É composto de duas ruas, sendo a principal bastante larga. A maioria de suas casas é de um só pavimento, mas cobertas com telhas e bastante amplas para os padrões da região. De um modo geral são caiadas, com portas e janelas pintadas de amarelo e emolduradas de cor-de-rosa, o que forma um contraste bastante agradável com as paredes brancas. Uma grande parte dessas casas, mesmo as mais bonitas, só são ocupadas no domingo, pois pertencem a fazendeiros que passam o tempo todo em suas terras e só vão ao povoado nos dias em que a missa é obrigatória.
Oliveira conta com duas igrejas, sendo que a mais importante foi construída numa elevação no centro da rua principal e a igual distância das fileiras de casas. É uma igreja muito bonita no seu interior. Para orná-la foi empregada uma pedra de uma bela tonalidade verde, que o mineralogista Pohl afirma tratar-se de talco petrificado.
Encontram-se em Oliveira várias lojas de tecidos e armarinhos com variado estoque, além de botequins, uma farmácia e dois albergues, cada um com seu rancho. Há também alfaiates, sapateiro, serralheiros etc.”
Em nota de rodapé, o autor observou: ”As casas de Oliveira não são palácios, mas-vê-se pelo que descrevo aqui, que não merecem o nome de choças que lhes dá Pohl. Não concordo igualmente, com esse autor nem com Eschwege quanto ao número de ruas que há em Oliveira, pois ambos afirmam que ali só existe uma”
Prossegue Auguste de Saint-Hilaire a descrever a sua saída de Oliveira, rumo a Fazenda de Bom Jardim. Relata que não viu muito gado nos pastos e que na fazenda existia apenas um engenho de açúcar. Continua o seu trajeto para chegar em Tamanduá, passando pela Fazenda Cachoeirinha...
Aí é outra história. Vale a pena ler o livro na íntegra...
(Escrito em 2002 e publicado no 'www.carmopolisdeminasonline' na época.)
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