A INFLUÊNCIA DA CULTURA NA ALIMENTAÇÃO


A nossa cultura – nossas crenças, tabus, religião, entre outros fatores – influencia diretamente a escolha dos nossos alimentos diários. Desse modo, a alimentação humana parece estar muito mais vinculada a fatores espirituais e exigências tradicionais do que às próprias necessidades fisiológicos.

O homem pré-histórico era onívoro, ou seja, comia de tudo. Com o homem contemporâneo, já é bem diferente. Nem todos os animais e vegetais presentes na região fazem parte da sua cozinha. Muitos preceitos religiosos e culturais determinaram os costumes existentes nos dias de hoje.

A ligação entre a alimentação e a religião está presente na Bíblia e começa pela história de Adão e Eva, os primeiros homens criados pelo Deus dos cristãos. Segundo o Antigo Testamento, Iavé criou no Paraíso a árvore do Bem e do Mal e também a árvore da Vida. A primeira era proibida ao homem, mas Adão, convencido por Eva, desobedeceu Iavé e comeu o fruto daquela árvore. Conseguiram, com isso, o conhecimento entre o Bem e o Mal e, para que não tivessem a imortalidade, foram expulsos do Paraíso e condenados a procurar e produzir seus próprios alimentos. O maior exemplo dessa influência do plano espiritual está na frase de Jesus Cristo: “aquele que come da minha carne e bebe do meu sangue tem a vida eterna”.

A religião dos israelitas permitia o consumo de gafanhotos e estes ainda são saboreados em toda a África do Norte, especialmente em Marrocos e no Saara. Um prato de gafanhotos assados, bem como larvas, ratos e lagartos, vale para a população tanto quanto uma salada de camarões para um ocidental.

Os sertanejos do Nordeste do Brasil comem preás e camaleões, insuportáveis para qualquer homem das cidades litorâneas. Os macacos da Amazônia assados são manjares para a população nativa, mas causam náuseas aos brasileiros em geral. Em compensação, o sertanejo que ama o peixe de água doce não admite os crustáceos e menos ainda verduras. Diz que não é “lagarta para comer folha” e se alimenta de raiz de umbuzeiro e de farinhas de macambira, mandioca e xique-xique. Tais alimentos, produtos da flora nativa dos sertões do Nordeste, são apontados como a explicação para a extraordinária resistência orgânica do sertanejo. Os budistas não matam o peixe pescado; deixam-no morrer na praia para ser comido depois.

Os hindus não comem carne de gado porque acreditam que ela é sagrada. Muitos deles morrem de fome, mas respeitam esses animais, que pastam e dormem no meio das ruas.

Na África Central, a maioria dos rebanhos não é aproveitada pelos negros. Constituem riqueza, elemento de venda, ostentação de prosperidade. Para muitos africanos, a galinha e o galo são animais para o sacrifício, oferendas aos deuses, e não para alimentação regular. Essas atribuições já podiam ser observadas no século XV, com intenções sempre religiosas, e estão presentes atualmente, de forma semelhante, nos candomblés, macumbas, xangôs etc.

A carne de gado também é raramente consumida na Ásia e pouco apreciada na Oceania. Para o europeu e seus descendentes na América, esse tipo de carne é indispensável na mesa.

A carne de porco foi proibida por muitos líderes religiosos e era abominada no Egito. O africano adorava o porco assado como refeição tanto quanto o romano, que o indicava para fortalecer os atletas. Com relação aos bois, não se permitia abatê-los quando fossem do trabalho rural, assim como ocorre na África, Índia, China e Ásia Menor. No tempo do imperador Calígula, a proibição era formal e matar um desses animais era considerado um crime tão grave quanto tirar a vida de um homem. O profeta Isaías afirmava quase o mesmo: “quem mata um boi é como o que fere um homem”.

As religiões proíbem o consumo de certos alimentos, mas também torna outros sagrados, tendo como cerimônia indispensável um ritual com banquete. Assim, nenhum orixá pode existir sem suas comidas privativas, a exemplo de Ogun com a galinha d’angola. Os velhos deuses olímpicos possuíam animais que lhes seriam sacrificados como oferenda. Iavé deixou sua pragmática, instruções e pormenores sobre animais dedicados em holocausto.

Há mais de dois mil anos o pão se tornou o alimento típico dos mais diferentes povos. Significa o sustento, alimentação cotidiana, clássica. Pão de cada dia. Ganhar o pão com o suor do rosto. “Eu sou o pão da vida” declarava Jesus Cristo.

Na Roma antiga, o leite de vaca era incluído nos sacrifícios fúnebres e nas oferendas aos deuses. Tratava-se de um alimento proibido aos budistas e considerado um produto do paraíso para os muçulmanos. Gregos e romanos incluíam tal bebida às estórias de suas figuras mitológicas. O leite das burras animava crianças doentes e os tuberculosos, crença mantida nos sertões do nosso país. O sertanejo vivia no meio das vacas, mas não lhe bebia o leite a não ser o da cabra.

O comportamento à mesa também apresenta certas particularidades. Os orientais não admitem a possibilidade de comer na mesma sala com um inimigo e servem-se em silêncio. O mesmo acontecia com os indígenas. Hoje o indígena conversa enquanto come por influência do homem branco. Nos antigos banquetes ingleses, conversava-se depois do brinde ao Rei. Nas refeições do velho sertão brasileiro, rezava-se antes e depois de comer.

Texto de  Elisabetta Recine e Patrícia Radaelli (revisão de Taísa Ferreira) publicado com o título de "Alimentação e Cultura" Foi desenvolvido como apoio ao vídeo Alimentação e Cultura da série “TV Escola” do Ministério da Saúde como parte do programa de atividades de parceria entre o Depto de Nutrição da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (FS/UnB) e a Área Técnica de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Política de Saúde do Ministério da Saúde (DAB/SPS/MS). Excertos pp.8-10. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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