AMORES LOUCOS - DEZ CASOS DE ROMANCES DESCARRILADOS

Richard Burton e Elizabeth Taylor
O mal de amor, essa doença tão comum, afeta também os poderosos, estatuto que perturbará ainda mais os seus romances. Nos casos que aqui recordamos, a excentricidade não passou despercebida.

Apaixonar-se ardentemente implica quase sempre enlouquecer por completo e delirar com muito pouco tino. É como se fosse um vírus que ataca quase todos os seres humanos. Mistérios e meandros do cérebro que se tornam ainda mais exacerbados quando os apaixonados são personagens poderosas, dotadas de egos grandes e insuflados. Quase todos os casos mais conhecidos poderiam ser descritos, na realidade, como amores perturbados, pois é raro não terem incluído episódios impetuosos ou incoerentes: Marco António e Cleópatra, Abelardo e Heloísa, Shah Jahan e Mumtaz Mahal (os do Taj Mahal), Napoleão e Josefina...

Todavia, há relações em que os sentimentos, o comportamento ou as circunstâncias ultrapassaram os limites do convencional com especial ardor e singularidade, pelo que andaram nas bocas de todo o mundo. Efetivamente, os romances que descrevemos em seguida continuam a dar muito que falar.

INTENSOS, ÉBRIOS, GLAMOROSOS

Rodeado de fiéis admiradoras, Richard Burton recitava Shakespeare com a sua sofisticada pronúncia britânica numa festa em Bel Air (Califórnia) quando viu, do outro lado da piscina, Elizabeth Taylor, impressionantemente bela, que o olhou com curiosidade e, depois, o ignorou. Estava-se em 1953, e o ator galês, então com 28 anos, acabava de chegar a Hollywood. Eram ambos casados na altura, e seria preciso esperar nove anos para se atear o fogo dos seus sentimentos e temperamento, enquanto rodavam um filme que preconizava a idiossincrasia do seu amor: Cleópatra.

Dizem que ela se apaixonou verdadeiramente quando o ajudou a segurar no copo que lhe caía das mãos, de tão embriagado que estava. Foi aí que começou essa atração-proteção que ascendeu às alturas do glamour. Um cenário de luzes e excessos que a sua relação pareceu sempre exigir e que seria projetado em quase todos os filmes que fizeram juntos. Rodeados de um séquito de empregados, joias caríssimas, festas mediáticas, mansões de um luxo extravagante e álcool a rodos, viveram o seu romance entre episódios de sexo ardente, amor desorbitado e tremendas brigas, alheios aos títulos da imprensa, às censuras do Congresso norte-americano, às acusações do Vaticano e ao mórbido interesse de fãs de todo o mundo.

Liz e Dick, como lhes chamou a imprensa, casaram pela primeira vez em 1964. Quando o sexo, os conflitos e o álcool se tornaram mais amargos, divorciaram-se. Foi em 1974 e, passado um ano, voltaram a casar, embora a união tenha durado menos de um ano, nessa segunda tentativa. Ambos teriam mais cônjuges, nomeadamente Liz, mas não deixaram de se sentir unidos até à morte de Burton, em 1984, aos 58 anos. Ela morreu em 2011, aos 79.

UM DESAMOR INTERESSADO

Frio inverno de 1506, na estepe castelhana: um sinistro cortejo enlutado, o cadáver malcheiroso de Filipe, o Formoso, e Joana, a Louca, desolada e grávida. O seu amado morrera em Burgos, dizem que envenenado, e ela queria cumprir o seu desejo de ser enterrado em Granada, onde seguramente nunca chegariam. Altos coturnos. Isabel I, conhecida como Rainha Virgem, dança com Robert Dudley, conde de Leicester, seu amigo, protegido e amante. A renúncia da soberana ao casamento é um dos grandes enigmas da história inglesa.A loucura de Joana permanece em dúvida, por estar no centro de interesses políticos que se cruzavam, mas parece óbvia a perturbação suscitada pelo seu grande amor por Filipe, que não era assim tão formoso, mas sim atlético e um consumado conquistador.

Já desde criança a terceira filha dos Reis Católicos se mostrava peculiar e pouco dada à religião, para consternação da devota Isabel e da sua rígida corte castelhana. Assim, esta jovem especial ficou encantada quando se viu na permissiva e colorida corte flamenga. Perdidamente apaixonada por Filipe mal o viu, ficaria logo transtornada pelos ciúmes, pois ele não tardou a retomar as suas conquistas de alcova. Chegou a cortar o cabelo a uma das donzelas que se tinha deitado com Filipe, de quem não tirava os olhos, e compareceu mesmo em festas doente ou em avançado estado de gestação. Foi assim que o nascimento de Carlos, o futuro imperador, se produziu numa latrina.

Já em Castela, a partida de Filipe para a Flandres perturbou-a a tal ponto que a mãe teve de encerrá-la no Castelo da Mota. Claro que, por detrás de medida tão extrema, podia estar a ofensiva dos Reis Católicos contra a ambição de Filipe, o que não impediu que chegasse a ser coroado, ao lado de Joana. Foi então que morreu, e ela foi condenada ao encarceramento para o resto da vida em Tordesilhas, onde permaneceria durante 46 anos.

O INCONFESSÁVEL SEGREDO 

Em 1561, o embaixador de Espanha em Londres referia-se, numa carta, à hidropisia da rainha Isabel I de Inglaterra, cujo inchaço se concentrava, suspeitosamente, no ventre. Grávida, a gloriosa Rainha Virgem? O rumor correu por toda a Europa e não era para menos, pois ninguém entendia a teimosia da monarca que, desobedecendo ao seu Parlamento, recusava o matrimónio e dizia já estar casada com Inglaterra. De fulgurante cabeleira ruiva, a filha de Henrique VIII e Ana Bolena (decapitada quando ela tinha apenas três anos), foi rainha de Inglaterra após a morte dos meios-irmãos, Eduardo VI e Maria I, e o seu celibato significaria o fim da dinastia Tudor.

A verdade é que podia ter engravidado em consequência do intenso romance com Robert Dudley, conde de Leicester. Amigos de infância, partilharam a alcova real, tendo ele sempre sido objeto indissimulado dos favores da monarca. Todavia, ela, por razões que se desconhecem, nunca quis casar-se, pelo que Dudley se viu na obrigação de passar por duas esposas.

Enquanto a primeira, Amy Robsart, morria num estranho acidente, Isabel e Robert passavam juntos alguns dias numa mansão campestre, no meio de bailes de máscaras e muita diversão. Porém, ninguém disse nada, pelo menos em voz alta, e Sua Majestade, que sobreviveu quinze anos ao seu amigo-amante, morreria “virgem” após 44 anos de reinado.

DA ABNEGAÇÃO AO ABANDONO

Era a época do seu retiro rural, e Renée--Pélagie Cordier de Launay de Montreuil, marquesa de Sade, já não é a jovem inocente que sonhava formar uma família exemplar. Sabe há anos que o marido, Donatien Alphonse François de Sade, não só escreve obras sobre sexo depravado, muito em voga nos anos anteriores e posteriores à Revolução Francesa, como é também praticante habitual desse erotismo perverso, e que já esteve mais de uma vez na cadeia, tanto pelo escrito como pelo feito. Contudo, ei-los na sua casa de campo, com os três filhos, e é a própria Renée-Pélagie que recebe as jovens que o marquês traz para prosseguir os seus impulsos e as suas experiências.

Como tolera esta rapariga simples um comportamento condenado tanto pela velha aristocracia como pelos novos líderes revolucionários? Enquanto preparava o vestido de noiva, o marquês de Sade sofria no leito os efeitos da gonorreia que lhe fora transmitida pela amante, Laure-Victoire de Lauris. Contudo, ela irá ceder ao marido imposto, e sucumbirá aos tremendos prazeres carnais com que ele a envolve nos primeiros meses. Depois, vem o desprezo e a humilhação; no entanto, é ela que o visita na prisão e lhe leva artefactos para ele próprio se sodomizar.

Consegue, por fim, a separação e duras obrigações económicas por parte do marquês, que vai de mal a pior. Renée-Pélagie encontra refúgio no castelo da família, longe daquele amor – ou seja o que for-, e ali permanece até à sua morte, aos 69 anos, em 1810.

O DELÍRIO DOS MALDITOS

De repente, ouvem-se tiros na Rue des Brasseurs, em Bruxelas. Era um dia de julho de 1873, e as pessoas saíram de casa e ficaram a saber que se tratava de dois poetas franceses, ensandecidos e escandalosos. Paul Verlaine ferira com a sua pistola Arthur Rimbaud, dez anos mais novo. Para trás, ficavam dois anos de um amor enlouquecido, no qual se tinham sucedido paixão, viagens, violentas brigas, absinto, haxixe, sexo ardente e os mais belos poemas.

Já consagrado como poeta na Paris da Comuna, Verlaine, apesar de um temperamento irascível, levava uma vida mais ou menos normal com a mulher, Mathilde Mauté, e o filho, Georges. Até ao dia em que recebeu uns poemas de um adolescente chamado Arthur Rimbaud; entusiasmado, decidiu convidá-lo a ir a Paris. Foi amor à primeira vista, quando viu o jovem de grandes olhos azuis e sedutora infantilidade. Este ficou igualmente fascinado pela sua brilhante poesia e caústica personalidade, disposta a tragar o mundo, provar todos os vícios e rir-se da moral burguesa. Tal atitude fê-los abandonar o conforto que o seu êxito como poetas prometia, e lançou-os no caos e na loucura, desfrutáveis e sofridos.

Até ao disparo, que valeu a Verlaine dois anos de prisão. Reencontro novamente tempestuoso, quando saiu, e separação para sempre. A partir daí, Verlaine entraria em declínio, em todos os aspetos, até à sua morte, em 1896. Rimbaud, após abandonar a poesia e a vida louca, acabaria como traficante de armas em África, de onde regressou com um tumor no joelho que o faria perder uma perna e, seis meses depois, a vida, aos 37 anos.

SUPERESTRELAS DO CRIME

Com as sombras da Grande Depressão ainda a pairar no horizonte, a imprensa norte-americana dos anos 30 transformou o sensacionalismo em recurso de vendas e, depois, em rotina. Foi então que surgiram Bonnie Parker e Clyde Barrow, um casal de bonitos criminosos que aterrorizou, com o seu bando, os estados do sudoeste do país. As suas fotos e o relato dos seus audaciosos assaltos eram publicados nas primeiras páginas, envoltos na aura de apaixonados incompreendidos a quem não resta alternativa do que delinquir e fugir sem parar. O mito estava pronto para ser servido.

Bonnie, uma bela empregada de mesa de Dallas, tinha apenas 19 anos quando conheceu Clyde, o qual já passara, aos 21 anos, pela prisão, para onde regressou pouco depois do início do apaixonado romance. Na cadeia, cometeu o seu primeiro homicídio, o de outro recluso que o violara em diversas ocasiões. Quando foi finalmente libertado, o par iniciou uma frenética carreira de delinquentes, com os ecos da lenda disseminados pelos jornais, a qual crescia à medida que se sucediam os assassínios, cada vez mais impiedosos. Contava-se que ela chorava de cada vez que fugiam do local do crime, e que ele a abraçava porque sabia que o fazia pelo amor incondicional que lhe votava.

Por fim, a polícia teve conhecimento do seu itinerário e, na madrugada de 21 de maio de 1934, seis oficiais comandados por Frank Hammer dispararam 167 tiros contra o Ford V8 roubado em que o casal viajava. Os corpos foram crivados de balas. A mãe de Bonnie impediu que fossem enterrados juntos, desejo que ambos tinham manifestado.

Nos seus túmulos em dois cemitérios diferentes de Dallas, a maior homenagem floral foi a dos vendedores de jornais da cidade: o violento e romântico final dos amantes fê-los ganhar muito dinheiro.

UM ACIDENTE CONSTANTE

“Diego é o segundo grande acidente da minha vida”, costumava dizer Frida. O primeiro ocorrera em 1925, num autocarro que maltratou profundamente o seu corpo, já afetado pela poliomielite que sofrera aos seis anos. As complicações e as dores nas costas e no pé direito iriam acompanhá-la toda a vida, e funcionariam como inspiração para se transformar numa das pintoras mais carismáticas do século XX.

Contudo, tiveram também grande influência os 25 anos que, com várias interrupções, durou a relação que manteve com o pintor de murais Diego Rivera. Pura paixão, para o bem e para o mal. Casaram a 21 de agosto de 1929. Ele, grande e gordo; ela, baixinha e magra; ele, com 42 anos; ela, com 22.

Ambos artistas, ambos comunistas, ambos exaltados: assim viajaram e viveram à custa do êxito de Diego, sucesso que os quadros intimidantemente belos de Frida também conheceriam depois; tudo isso entre amores, brigas e ardentes casos extraconjugais.

O impulso mulherengo dele era de tal ordem que chegou a manter um relacionamento com a irmã mais nova dela, Cristina, o que conduziria ao divórcio, mas ela desforrou-se com outros amores, mais com mulheres do que com homens, até que casaram novamente e foram viver para a Casa Azul, lar dos Kahlo em Coyoacán. Ficaram mais tranquilos a partir daí, embora Frida, por paixão ou por despeito, não tivesse evitado um fugaz romance com Leon Trotski, que fora convidado, com a mulher, para visitar a formosa Casa Azul. Depois, a inexorável deterioração da saúde de Frida marcaria os últimos anos da relação, até à sua morte, em 1954.

O TRIUNFO DAS IDEIAS

Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, dois ícones do existencialismo e da esquerda exuberante dos anos 60 e 70, sintonizaram logo que se conheceram. O verbo sedutor de Jean-Paul sobrepunha-se à sua escassa beleza física, da qual Simone estava bem servida, e a sua união amorosa-intelectual seria consequente com a frase que ele lhe dissera: “Trabalharemos muito, mas levaremos vidas apaixonantes em liberdade.”

Simone tinha bom porte para chegar à família com filhos que desejava, mas deparou com o fulgor da rebeldia e com Sartre, farol e guia, que lhe disse que o seu amor seria para sempre, embora houvesse outros secundários, pois a fidelidade era uma patranha da religião e do sistema burguês. Iam ser sinceros para poderem contar um ou outro a intensidade do que atravessasse o seu caminho. Assim, ele falava-lhe da devoção pelas jovenzinhas que se rendiam à sua lábia, como Arlette Elkaïn, que acabaria por se tornar filha adotiva e herdeira. Simone contava-lhe o intenso romance com o escritor norte-americano Nelson Algren, e os seus affaires com mulheres, como Sylvie Le Bon, a quem deu o seu apelido e nomeou sua testamentária.

Triunfo do amor livre? Dizem que ela estava mais apaixonada e que sofreu mais, mas a sua relação, escandalosa mesmo para muitos camaradas do Maio de 68, durou 51 anos, nos quais nunca viveram juntos; durante 18, viveram em quartos separados do mesmo hotel.

MÚSICA POR TODO O LADO

A 9 de novembro de 1966, John Lennon, já consagrado pelo êxito dos Beatles, entrou na Indica Gallery, de Londres, e, intrigado pelas obras expostas, procurou a autora. Era Yoko Ono, uma artista japonesa com certo prestígio entre a vanguarda nova-iorquina. Era ali que vivia desde que deixara Tóquio, onde nascera numa abastada família de banqueiros, tendo sido colega de escola do atual imperador Akihito. Essa mulher tinha algo que os fãs dos Beatles não conseguiam ver, ofuscados por considerá-la a causa da separação do grupo.

A convivência entre o quarteto de Liverpool já começara a ressentir-se antes de Yoko. Porém, o escândalo da relação foi maiúsculo, e aumentaria ainda mais com as suas atividades políticas, após o casamento em Gibraltar (“a rocha do fim do mundo”, segundo Lennon), em 1969. Tudo começou na sua lua de mel, em Amesterdão (Países Baixos), onde protestaram contra a guerra do Vietname: alojaram-se no quarto 402 do Hilton e deixaram-se fotografar pela imprensa, em pijama e rodeados de cartazes antibelicistas. A repercussão mediática foi tal que repetiriam a experiência em Montréal.

Depois, houve uma simbiose total, já a viver em Nova Iorque, que se refletiria na relação pessoal e colaboração artística entre ambos. A canção Imagine é o expoente mais brilhante dessa época. Outro escândalo seria a capa em que apareciam nus, o que dispôs as autoridades norte-americanas contra John. Vários problemas acabariam por separá-los, mas apenas por 18 meses, e voltaram a juntar-se em redor do filho, Sean, no apartamento do edifício Dakota. Um tempo sossegado que seria interrompido pelo assassínio de John, em 1980.

SEXO, DROGAS E PUNK ROCK

“Vive depressa, morre jovem e deixa um bonito cadáver”. Este lema teve grande eco na época do punk, em meados dos anos 70, meio ao qual foram parar duas personagens muito semelhantes: Sid Vicious e Nancy Spungen. Ele, nascido em Londres, em 1957, viveu com a mãe em Ibiza, com a qual partilhou drogas e indolência hippie. Nancy, que veio ao mundo na Pensilvânia, em 1958, fora sempre problemática e muito agressiva. Ninguém a parava e, aos 17 anos, fugiu para Nova Iorque, para engrossar a legião de groupies, até que, numa 61das suas frequentes birras caprichosas, decidiu partir para Londres, onde alcançou notoriedade exercendo a mesma atividade. Foi assim que conheceu Sid, que já era um reputado baixista e passara por bandas como Siouxsie & The Banshees, sendo agora estrela dos Sex Pistols. Eram feitos um para o outro.

Tornaram-se inseparáveis desde então, apesar da aversão do grupo, verbalizada pelo líder, Johnny Rotten: “Essa estúpida cadela malcheirosa...” Todavia, eles continuaram mergulhados na sua espiral psicótica de amor e sexo, com muita heroína pelo meio, festas destrutivas, confusões, casas ocupadas, altos e baixos. Ela queixava-se de que ele adormecia e não sofria: “Diz-me alguma coisa, maldito filho da p...! Insulta-me! Zanga-te! Bate-me! F...-me! Mata-me!” Ele dizia que a namorada estava louca. Até que, um dia, ela apareceu morta à facada na casa de banho. Tinha 20 anos. Ele, que de nada se lembrava, foi preso. Morreria de overdose pouco depois de ser libertado. Tinha 21 anos.

Texto publicado em a "SuperInteressante", Portugal, n.221, setembro 2016, assinado pelas iniciais M.M, excertos pp. 56-61. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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