CARIOCAS SUBVERTEM O INGLÊS EM CARDÁPIOS

‘Yes, nós temos menu’

DE OLHO NOS GRINGOS QUE VIERAM PARA A COPA, RESTAURANTES DO RIO SUBVERTEM O INGLÊS EM CARDÁPIOS CÔMICOS (SE NÃO FOSSEM TRÁGICOS).

Atendentes do Porto do Sirigado
Imagine a cena. O cliente tem cabelos claros, a pele queimada de sol como se tivesse dormido na praia sem protetor solar, carrega uma máquina no pescoço e veste uma camiseta do Brasil. O garçom corre para a porta e pergunta: “Rau meni? Trui? Folou me, plis.” Os “trui”, ou melhor, os três turistas seguem o rapaz e, sentados à mesa, ouvem: “Quen ai gueti iu samfim tu drinqui ore ai iu reidi tu order?” Antes mesmo de pensarem se querem alguma coisa para beber ou se já estão prontos para fazer o pedido, vem outra pergunta: “Du iu nidi a lirou taime tu dissaide?” Sim, eles precisam de um pouco mais de tempo para decidir. O cardápio está em inglês, mas os pratos são inéditos para os estrangeiros: “buchada of goat”, “sururu soap” e “boyfriend fish”.

— Traduzir ingredientes tipicamente brasileiros não é nada fácil. No fim do ano passado, pedi para um conhecido me ajudar a elaborar um menu, mas ele desistiu do trabalho antes de começar — conta Stephano Manes, sócio do Porto do Sirigado, único restaurante com cardápio bilíngue na Feira de São Cristóvão, e que entregou aos seus funcionários uma cartilha com frases básicas em inglês.

Para facilitar o treinamento, welcome (bem-vindo) virou “ueucom” e sorry (desculpa) é “sórri”. Há duas semanas, o gerente Cláudio Pires, de 30 anos e ensino fundamental incompleto, estuda com afinco o manual.

Ele quer tratamento especial para a clientela que chegou ao Rio com o início da Copa. Em casa, é a mulher — que nunca estudou o idioma — que toma a lição de Cláudio.

— Vejo que eles estão se esforçando bastante. Fizemos uma pesquisa para destacar frases usadas no atendimento, e elas foram reunidas em três páginas. A escrita está incorreta, mas tenho certeza de que assim eles conseguem aprender e memorizar muito mais rapidamente — garante a consultora de marketing Danyella Sgarbi, dona da empresa contratada pelo Porto do Sirigado para o trabalho.

O empenho que se vê em São Cristóvão não se repete na maioria dos restaurantes de outros bairros turísticos. Bem pertinho da subida do Pão de Açúcar fica o tradicional Garota da Urca, onde poucos são os garçons que se arriscam no idioma. No menu, que não sofreu alterações nos últimos meses, a palavra style é usada para descrever grande parte dos pratos. Tem o “sea bass delight style” (filé de badejo à delícia), “namorado from ‘Brazilian waters’ style” (posta de namorado à brasileira) e o “shrimp greek style’’ (camarão à milanesa com arroz à grega). O cardápio do Belmonte, assim como o do Brasileirinho, que fica em ponto nobre, em frente à Praia de Copacabana, manteve algumas palavras em português, como couve e tropeiro. No primeiro, “catupiry cream cheese” e picanha são destaques em texto que tem também “françesa (sic) fillet steak”, servido com “traditional batata françesa” (sic).

Para os donos dos estabelecimentos que recorrem à ajuda de tradutores gratuitos na internet, o resultado pode ser ainda mais divertido — ou catastrófico. Dependendo de como é digitado no Google Translate (com acento, hífen ou sem espaço), contrafilé, por exemplo, pode ser “against filet” ou “kebab”, típica comida árabe. Bife à cavalo, que nada mais é do que um bife com ovo frito, vira “horse steak”, a carne do equino. A confusão pode aumentar ainda mais quando é preciso explicar o ponto de cozimento. “Well passed” e “bad passed” são invenções grotescas e equivocadas para resumir o que o gringo leva bem a sério: de rare (mal passado) a well done (bem passado).



Márcia Haaberg, coordenadora e professora do curso para estrangeiros Português Carioca, diz que os cardápios apresentam erros diversos e muitas vezes graves:

— As pessoas tentam se virar com a ajuda da internet ou acabam adotando uma tradução ao pé da letra. É preciso lembrar que há fatores importantíssimos para a compreensão de qualquer idioma, como a ordem das palavras e a pontuação.

A chef brasileira Letícia Schwartz, que mora nos Estados Unidos há 20 anos, concorda.

— Pudim de leite condensado, por exemplo, é uma receita simples, mas tipicamente brasileira. Melhor explicar bem os ingredientes e como ele é feito do que economizar palavras e decepcionar o cliente — defende Letícia, autora dos livros “The Brazilian Kitchen” e “My Rio de Janeiro: a Cookbook”.

Para atender à demanda crescente de estrangeiros, o Bar Urca, além de cardápios em inglês e braile, oferece versões em espanhol, alemão, francês e italiano. Todos virtuais. Para acessá-los, é preciso ter um leitor de QR code no smarthphone. Mas, claro, quando a rede wi-fi não dá problema. No Aipo e Aipim de Copacabana, a comunicação é feita à moda antiga, em papel colado à porta principal. O desafio é explicar sobre o funcionamento do tal estilo self service brasileiro, raro nos Estados Unidos e na Europa. “Cobranças são feitas de acordo com o peso em quilos consumido em cada refeição”, diz o texto, que relata, com um certo exagero de detalhes, o passo a passo que deve seguir cada cliente assim que entra no restaurante. Depois de escolher entre mais de 20 tipos de saladas e pratos quentes, é preciso “consultar” as balanças onde o peso do prato — o.k., não custa nada avisar — já foi descontado. Ao final, o tíquete recebido na entrada deve ser entregue à pessoa que está “sobre” a porta.

— A intenção é ótima, mas comecei a ler e desisti. Segui as outras pessoas, e acabei comendo mais do que devia — diz o australiano James Dusting, na saída do restaurante.

Texto de Roberta Salomone publicado na "Revista O Globo" anexa a "O Globo" de 15 de junho de 2014. Adaptado e ilustrado par ser postado por Leopoldo Costa.

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