HISTÓRIA COMESTÍVEL DA HUMANIDADE

Bom prato de história - Uma análise ambiciosa da evolução da agricultura mostra como a comida modificou as sociedades – e desfaz alguns mitos alimentares contemporâneos.

Poucos temas despertam tanta paixão e posturas irracionais como a alimentação. Mitos e "achismos" sobre o que é mais saudável ou politicamente correto costumam guiar cada uma das escolhas feitas diante de uma gôndola de supermercado. Alguns dos modismos modernos a esse respeito: os transgênicos são perigosos; as comidas produzidas localmente têm menor impacto ambiental; e a dieta ideal contém apenas produtos orgânicos. Em "Uma História Comestível da Humanidade" (Zahar; 280 páginas), o inglês Tom Standage, editor de tecnologia e negócios da revista "The Economist", emprega o seu texto fácil e a incansável busca por detalhes históricos para dar racionalidade ao debate sobre as escolhas alimentares. O título e a capa prometem repetir a fórmula de sucesso de "História do Mundo em Seis Copos", do mesmo autor, lançado no Brasil em 2005. Decepciona-se, no entanto, quem espera encontrar no livro uma viagem no tempo inspirada na gastronomia. Não há curiosidades sobre receitas nem descrições de sabores de pratos. Em vez disso, Standage explica como as transformações na produção e no comércio agrícola moldaram o mundo, desde a domesticação de plantas e animais, responsável pelo surgimento das primeiras civilizações, até a Revolução Verde, sem a qual o grande salto populacional do século passado não teria acontecido. O valor desse apanhado histórico ambicioso – que faz do título de Standage uma opção segura no variado cardápio das livrarias – está em desmitificar aqueles temas que atualmente atormentam o consumidor.

A desconfiança em relação ao que se come é um traço atávico do ser humano. Standage conta que, apesar de inúmeros alimentos do Novo Mundo, como o abacaxi, terem conquistado rapidamente as mesas europeias, a batata demorou a ser aceita, por preconceito. Até certo ponto, a repulsa é compreensível: ela foi o primeiro tubérculo comestível que a Europa conheceu. Mas também havia razões místicas para a batata, apesar de seu alto valor calórico e da facilidade de produção, ter demorado 200 anos para se popularizar, após ter sido levada pela primeira vez para o Velho Mundo em 1530. Explica Standage: "As batatas não eram mencionadas na Bíblia, o que sugeria que Deus não pretendera que os homens as comessem, diziam alguns clérigos. A aparência inestética, malformada, também repelia as pessoas". O paralelo com a irracionalidade que envolve as campanhas atuais contra os alimentos geneticamente modificados é evidente. Os transgênicos causam medo em alguns consumidores porque são desenvolvidos através da manipulação, em laboratório, dos genes. E, reza o mito, se um alimento não for resultado de processos naturais, não pode ser bom para o organismo humano nem para o ambiente. Uma História Comestível lembra, contudo, que a dieta humana é praticamente toda derivada de plantas e animais que não existem na natureza. São invenções do homem, resultado de centenas de anos de cruzamentos de variedades de espécies comestíveis.

Como no caso dos transgênicos, o consumidor que se pretende consciente, hoje, frequentemente se vale do argumento ambiental para dar preferência a este ou aquele alimento. Standage harmoniza exemplos históricos e acrescenta uma pitada de boa ciência moderna para mostrar que nem tudo é o que parece. A valorização da "comida local", por exemplo, aquela produzida dentro de um raio de poucos quilômetros da casa do consumidor, baseia-se em parte na ideia de que todo alimento que vem de longe provoca uma excessiva emissão de gás carbônico, por causa do combustível necessário para o transporte. Os cientistas já provaram, no entanto, que a produção local muitas vezes tem um impacto ambiental muito superior ao daquela feita em condições climáticas e geográficas mais adequadas, ainda que distantes. Um estudo recente citado no livro, por exemplo, descobriu que a criação de carneiros na Nova Zelândia emite tão pouca quantidade de gases do efeito estufa, comparada à da produção na Inglaterra, que compensa com folga as emissões causadas pelo transporte da carne de um país ao outro. Um brinde à racionalidade alimentar.

Artigo de Diego Schelp publicado na revista "Veja" edição 2161 de 21 de abril de 2010. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.



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