A CIÊNCIA DOS COSMÉTICOS
Tudo beleza
Físicos estudam a radiação solar. Químicos esmiúçam os efeitos da poluição. Biólogos desvendam as moléculas que tiram o brilho da pele. Desse esforço coletivo está nascendo uma nova geração de produtos científicos para atender, de uma vez só, a vaidade e a saúde.
No ano passado, os brasileiros gastaram 906 milhões de dólares tentando apagar as rugas. Para quem acha que eles compraram ilusão em potes e bisnagas, os pesquisadores da área da Cosmiatria - o estudo médico e bioquímico dos cosméticos - rebatem: suas novas poções científicas. Desde o dia 1º deste mês, a Sociedade Européia das Indústrias de Cosméticos proíbe que um produto acene com efeitos mágicos se eles não forem provados. As maiores empresas brasileiras do setor têm acordos com os europeus e, por isso, devem topar essa prova de fogo. Além dos exames biológicos, entram computadores para analisar a imagem de cada centímetro quadrado de pele antes e depois de um tratamento. Poros, marcas, tamanho das rugas, tudo vai ser milimetricamente medido. Quem quiser experimentar um creme, deve procurar os resultados de testes na bula. Se não conseguir achá-las é porque o cosmético não pertence à nova safra. Melhor deixá-lo na loja.
Cápsulas com 1 milionésimo de milímetro
Se o espelho mostrasse o que realmente acontece com a pele, a imagem seria a de um bombardeio. Os torpedos mais potentes são moléculas de radicais livres. Existem substâncias, como o famoso ácido retinóico e a tretinoína, recém-aprovada pelo governo americano, capazes de recons-truir a pele arrasada. Mas elas agem na sua área intermediária, a derme, e por isso são remédios. Pois os cosméticos têm uma área de atuação limitada aos 0,6 milímetro superficial, a epiderme. Alguns até contêm esses ácidos, mas em doses insuficientes.
Os cremes, porém, vão cada vez mais fundo dentro de seus limites. “Antes, eles eram sopões de ingredientes sobre o rosto”, reconhece Edith Clar, diretora de pesquisas da famosa marca francesa Lancôme. “Eles mal penetravam 0,2 milímetro. Células tão superficiais já estão no final do seu ciclo de vida e aí resta pouco a fazer.” Há dez anos, a Lancôme usou pela primeira vez os chamados lipossomas, cápsulas com cerca de 1 milésimo de milímetro, recheadas de cosméticos. Pequeninas, mergulhavam 0,4 milímetro. Agora, inventaram-se cápsulas mil vezes menores do que os lipossomas e cem vezes menores do que os espaços entre uma célula e outra. São as nanocápsulas. Só elas entregam sua mercadoria, vitaminas que previnem o envelhecimento, bem na última camada da epiderme, onde as células nascem.
O sol que, aos poucos nos envelhece
“Além de provocarem o câncer de pele, os raios solares são o principal fator de envelhecimento cutâneo”, garante a dermatologista paulista Shirlei Borelli (veja gráfico ao lado). O sol que bronzeia a moçada nas praias brasileiras ainda é mais cruel, porque aqui chegam mais raios ultravioleta A (UVA) do que ultravioleta B (UVB). Na costa da França é o oposto. Sorte dos banhistas franceses, porque os filtros atuais são eficientes em barrar os UVB. No entanto, só filtram 15% dos UVA e, mesmo assim, se o sol não estiver a pino. Por volta do meio-dia, o melhor dos filtros solares existentes será pomada paliativa.
Não quer dizer que a indústria não avançou. Mesmo os 15% dos UVA bloqueados merecem comemoração, uma vez que há dois anos só 10% eram filtrados. Uma das últimas novidades, a ser lançada este ano, é um filtro físico para refletir, feito espelhos microscópicos, os raios infravermelhos, que nos deixam quentes, cor de pimentão e, como ficou provado nos últimos dois anos, mais sujeitos a tumores. Daqui pra frente, o certo é preferir os que também asseguram, no rótulo, proteção contra esses raios. “Ninguém dava bola para os infravermelhos”, explica Wilson Pinotti, diretor científico da Natura, uma das líderes na fabricação de cosméticos no Brasil. “A gente achava que eles não faziam mal. Era um engano.”
Para os cabelos, 40 horas de tortura
Outra área da Cosmiatria que deu passos largos foi a dos tratamentos capilares. Nos laboratórios da L’ Óreal, na França, todo dia útil do ano 450 mechas de cabelos sofrem em prol de mais progressos. Elas são bombardeados por uma máquina que simula fortes banhos de sol, chuvas e ventanias durante 40 horas seguidas. A cada 15 segundos, uma trégua. Ou melhor, uma lavagem com xampus e cremes. “Não acaba por aí. Os fios seguem para um extensômetro”, conta Marie-Christine Auseau, uma das responsáveis pelos testes. Nesse equipamento, são esticados até arrebentaram. É um jeito de aferir sua elasticidade. “Antes, 68% dos fios tingidos se rompiam com um impacto de 25 gramas. Hoje, apenas 10% deles se quebram com esse impacto”, conta Marie-Christine. O segredo está em uma nova família de ingredientes incorporada aos xampus e, no ano passado, às tinturas. “São polímeros que formam uma espécie de filme sobre cada fio”, diz ela. É como se os cabelos usassem uma capa plástica protetora.
Mas a maior vitória em cosméticos foi, de fato, para o rosto. A Helena Rubinstein, indústria francesa, lançou no final do ano passado um creme com vitamina C pura. Era o desafio de todos os fabricantes, pois essa substância, reconhecida como a melhor forma de combater os desgastes diá-rios, se desfaz com água e calor. “Conseguimos conservar a polpa da laranja para ser injetada dentro cápsulas microscópicas de materiais impermeáveis”, conta Pierre Fodor, diretor de pesquisas da Helena Rubinstein. A tecnologia, ele confessa, veio da Rodhia, quando seu setor de remédios desenvolveu uma vitamina concentrada para curar gripes e resfriados.
Para saber mais:
Cuidados com a Pele, Mitos e Verdades, Shirlei Borelli, Editora Iglu, São Paulo, 1994. (apesar de ter sido escrito há dois anos, ainda é a melhor publicação sobre o tema).
Rosto liso e sem barba
Entenda o que fazem os produtos de barbear.
O creme...
... amolece não só pêlo a ser extirpado pela lâmina como as células. Assim, durante a raspagem, a camada superficial da pele também é eliminada.
E a loção...
... tem ingredientes que acalmam a camada pele nova, repentinamente exposta. E previne infecções pois mata as bactérias, que se aproveitam da fragilidade temporária.
Com o passar do tempo
Veja como a pele envelhece e como esse processo pode ser freado se ela for bem tratada.
Em plena juventude
As células nascem na base da epiderme e levam um mês subindo. Quando chegam à superfície já estão mortas. Mesmo assim, mantêm a umidade e são unidas por fibras firmes.
Sol e poluição
A pele envelhece a partir dos vinte anos, em média, em função do sol e dos poluentes. Em uma experiência da indústria francesa Clarins, ratos foram submetidos a uma fumaceira equivalente à dos engarrafamentos de trânsito. A renovação celular dos bichos ficou lenta e as fibras se deformaram.
Como um terremoto
Ao queimarem nutrientes, as células produzem o seu próprio lixo. São toxinas e radicais livres. Com o ataque do sol e da poluição, o lixo celular aumenta ainda mais, corroendo as fibras de colágeno. Sem boa sustentação, as camadas da pele saem de lugar, criando vales e montanhas. Os vales são as rugas.
A (quase) recuperação
Os novos cremes usam nanocápsulas, tão pequenas que escorregam nos vãos entre as células. Quanto mais descem, mais estreitos se tornam os corredores intercelulares. Apertadas, as cápsulas estouram. Ou são destruídas por enzimas. Assim, liberam vitaminas e outras substâncias para reparar danos.
Para a pele, todo dia é dia
Limpar, tonificar e hidratar são três cuidados diários indispensáveis para homens e mulheres.
Produtos de limpeza
Eles contêm detergentes cujas moléculas têm extremidades diferentes. Uma delas agarra a sujeira. A outra se liga à água arrastando tanto a sujeira como a célula morta.
Tônico nos vãos
A loção tônica penetra na pele 4 para estimular o trabalho dos queratinocídeos, células que produzem elastina e colágeno - as proteínas que formam fibras de sustentação.
Esponjas d’água
As células epiteliais precisam de muito líquido. Um hidratante, no entanto, fornece pouca água em si. Seu segredo são moléculas feito esponjas 6, como as de glicerol, que retêm líquido do próprio corpo.
O ataque dos raios
O que acontece em um banho de sol e como os filtros nos defendem das radiações malignas.
Diferentes alvos
Todos os tipos de raios solares produzem os radicais livres destruidores e podem causar câncer de pele. Até há pouco tempo, os cientistas achavam que os raios infravermelhos apenas esquentavam o corpo e provocavam vermelhidão. Hoje se sabe que aceleram a formação dos tumores.
Estratégias de defesa
Alguns filtros realizam uma proteção química. No caso, anéis formados por moléculas de benzeno absorvem a energia solar. Outros fazem uma proteção física. São como pedrinhas microscópicas de zinco que refletem os raios ultravioleta ou, recentemente, os infravermelhos.
Espremeção geral
A celulite aparece quando células de gordura malnutridas se deformam. “A celulite surge na adolescência quando a gordura se acumula nas coxas, mas a maioria das adolescentes ainda não percebe o processo”, diz Brigitte Petit, bióloga do Grupo L’Óreal. Os adipócitos, células que guardam essa gordura, tendem a ficar inflamados. Então, incham e endurecem. Os vasos sangüíneos terminam espremidos entre eles e não transportam direito os nutrientes e o oxigênio, o que deixa essas células deformadas 2. Para combater o problema, as fórmulas mais modernas contêm cafeína. A substância expulsa o excesso de gordura dentro dos adipócitos inflamados 3. Então, a consumidora não só perde centímetros como diminui o aperto para o sangue passar. A fórmula do laboratório francês Clarins tem a mesma finalidade. Mas no lugar da cafeína são usadas enzimas que param entre a superfície cutânea e as gorduras. Ali, elas estimulam a produção de outras enzimas, estas sim, capazes de esvaziar os adipócitos. “A cafeína nos cremes mal alcança a camada gordurosa”, justifica o químico Lionel de Benetti, da Clarins. Na prática, porém, as duas estratégias têm o mesmo efeito. Os cremes, de fato, apenas aceleram o sumiço da celulite, quando a usuária mantém o pêso normal e faz ginástica. Sozinhos, não resolvem nada.
As conquistas por um fio
Os cabelos saíram ganhando com novos produtos de higiene e avanços nas fórmulas de tintas.
Banho de espuma
O xampu levanta as escamas sobrepostas que revestem o cabelo para retirar o sebo que se acumula entre elas. As novas fórmulas fazem mais espuma para dar a sensação de limpeza.
Escamas cruzadas
As escamas erguidas pelo xampú se enroscam com as dos fios vizinhos. Resultado: cabelos embaraçados. O condicionador, então, fecha as escamas e deposita nutrientes para os fios.
Passagem livre
Na hora de tingir, o primeiro passo é inchar o fio, para facilitar a saída e a entrada de pigmentos. Sais alcalinos, como o amoníaco, fazem a espessura de um fio passar de 70 para 140 micra.
Quase branco
Em uma segunda etapa, a água oxigenada entra em ação. Dentro do fio, elas dispara um bombardeio de radicais livres. Essas moléculas destroem os pigmentos naturais. A cabeleira fica descolorida.
Nova cor
Pigmentos artificiais ocupam o lugar dos naturais. A busca de substâncias colorantes é árdua. Nos últimos três anos só foram descobertas treze delas, porque muitas não se fixam nos fios.
Toque final
As novas substâncias usadas no tingimento não se contentam em fechar as escamas. Elas encerram depositando vitaminas e proteínas para reforçar o fio, enfraquecido depois de todo o processo.
A nova cara da maquiagem
Ela borra menos graças a novos ingredientes. “A maquiagem era uma mistura de tintas que não tinha outra função a não ser pintar e enfeitar”, afirma Anton-Philip Hunger, diretor da marca francesa Guerlain, famosa no mundo inteiro por seus batons, sombras e afins. Hoje, os produtos de maquiagem são instrumentos para tratar a pele. “Os rímeis lançados no último ano contêm ceramidas, moléculas fortalecedoras porque fazem parte do revestimento natural dos fios”, exemplifica Hunger. É como se cada cílio descascasse, perdesse algumas ceramidas ao longo do tempo, ficando a ponto de cair. O rímel repõe essa substância, tapando buracos. Muitos produtos, segundo Hunger, contêm ainda vitaminas, hidratantes e filtros solares. Há também maior conforto na área. Entre 1989 e 1994, Hunger trabalhou duro para colocar no mercado o Kiss Kiss, então o único batom que não saía com a água da saliva e nem deixava marcas nas roupas. “Ele é feito com silicone volátil em vez de cêras.”
Fernando Valeika de Barros e Lúcia Helena de Oliveira publicado na revista "Super Interessante" edição 112 de janeiro de 1997. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
0 Response to "A CIÊNCIA DOS COSMÉTICOS"
Post a Comment