AS PODEROSAS EMPRESÁRIAS DA CACHAÇA


Defensoras da Branquinha

Um grupo de madames mantém de pé o estandarte da famigerada aguardente de cana-de-açúcar dentro e fora do País. Tarefa árdua, já que a bebida vem carregada de uma conotação pra lá de negativa e sempre é associada aos botecos chinfrins e seus pinguços de andar trôpego. Sem dar bola a tais provocações, elas já vão logo avisando que são cachaçólogas e cachacistas, sim senhor. Citam de boca cheia as duas expressões modernas que designam o profissional e o amante da cachaça, respectivamente. De fina estirpe, elas garantem que nunca experimentaram um vexame etílico. Degustam uma 'branquinha ‘como poucos marmanjos experientes na arte. Sabem diferenciar sabores, acidez e equilibrio e não trocam esse destilado por nenhum outro.
No comando do marketing institucional da Pirassununga, com 90 anos de tradição na fabricação de aguardente, Carolina Steagall Harley Tommaso de 30 anos, condena o herege que pede uma caipirinha de vodca. Herdeira e primeira mulher da família a entrar no ramo, ela é formada em Administração de Empresas. Cuida também da exportação e divulgação do produto no mercado externo. Jovem e bonita, num universo predominantemente masculino, ela precisa mostrar firmeza no trato com importadores norte-americanos e europeus. "Quando vou representar a cachaça lá fora, tenho uma postura reservada, incluindo a roupa."  Por mais que Carolina goste de tomar uma dose ou outra, ela destina esses momentos apenas para os dias de ócio, quando está com os amigos e o marido. "Esse é meu negócio, meu trabalho, respiro cachaça. Quando vendo esse produto no exterior, vendo também a imagem do País, a valorização do que é brasileiro."
Em 2001, a cachaça passou a ser considerado um produto genuinamente brasileiro, por meio de decreto assinado pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Em 2003, foi a vez de a caipirinha ser decretada a bebida oficial pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A aguardente de cana é o terceiro destilado mais consumido no mundo. Aqui, é a segunda preferência nacional, só perdendo para a cerveja, um fermentado. De acordo com dados do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), existem 4 mil marcas e mais de 40 mil produtores no País. Uma das mulheres mais atuantes nesse ramo é Raquel Salgado, de 55 anos, presidente executiva da Associação Brasileira dos Importadores e Exportadores de Bebidas e Alimentos (Abba).
Antes de assumir o cargo, em 2003, ela esteve presente em vários projetos que impulsionaram a melhoria da imagem da aguardente de cana e até a criação da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Cachaça, um fórum consultivo ligado ao Ministério da Agricultura. Raquel também ajudou a criar o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), entidade ligada ao setor privado. "Foi um trabalho de guerrilha, porque sempre houve muita resistência e rejeição ao produto", conta Raquel. "Mas hoje isso mudou muito e a cachaça está cada vez mais valorizada lá fora e aqui, embora ainda haja o que melhorar." Para a executiva da Abba, uma apreciadora convicta da bebida, essa tarefa tornou-se uma missão.

Novo Status.

Um dos episódios que simbolizam o empenho da executiva ocorreu durante a celebração dos 50 anos do Descobrimento do Brasil, em Porto Seguro, Bahia, no ano de 2000. A cachacista ficou indignada quando soube que o brinde entre ilustres convidados, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e autoridades políticas portuguesas, seria feito com vinho do Porto, bebida tradicional dos patrícios. "Negativo!", bradou Raquel, que iniciou uma articulação nos bastidores para que entrasse em cena a cachaça, símbolo nacional. Assim, foi feita uma garrafa especial com rótulo do evento e, finalmente, a aguardente virou a estrela da festa, com caipirinha servida no coquetel e a "caninha da boa" saboreada no tim-tim. Nessa luta, Raquel é amiga e parceira da pernambucana Vitória Cavalcanti, de 56 anos, casada há 33 e mãe de uma psicóloga.
Ela é a toda-poderosa da Pitú, empresa produtora de aguardente e uma das mais antigas e tradicionais do Brasil, além de maior exportadora. O empenho na fundação do Ibrac também está no currículo de Vitória. Ao mesmo tempo em que comandava os negócios da Pitú, empresa de sua família, assumia o cargo de primeira presidente do instituto. Hoje é vice-presidente, mas sua influência no setor vai além, a ponto de ser conhecida como embaixadora brasileira da cachaça. Atualmente, a herdeira da Pitú está envolvida na negociação para o reconhecimento do termo "cachaça" no mercado internacional. Nos Estados Unidos, por exemplo, o produto só entra classificado como "brazilian rum", apesar de a branquinha brasileira ter sabor e produção totalmente diferentes do rum. "Cheguei a ir com alguns produtores à embaixada brasileira em Washington para levar um químico e provar que essa denominação não fazia sentido", lembra Vitória, que é química de formação e fala com propriedade sobre o assunto.

Cenário Feminino.

Mais mulheres despontam como produtoras no emergente mercado da aguardente de cana. São profissionais liberais que se encantaram com esse universo antes mesmo de se tornarem apreciadoras (cachacistas). É o caso da paulista de São Bernardo do Campo Viviane Luppi, de 35 anos, que cuida da 'Jacuba', cachaça envelhecida dois anos no carvalho, produzida em Minas Gerais e comercializada, sobretudo, em São Paulo, capital. Formada em Administração de Empresas, a bela morena cuida do negócio de seu marido, um admirador da "branquinha" e de um amigo sócio. Quando os dois resolveram ter um alambique, iniciaram uma maratona de cursos, entre os quais, o de pós-graduação à distância, oferecido pela Universidade Federal de Lavras (MG).
A 'Jacuba' levou seis anos para entrar no mercado, em 2008. Foi o tempo necessário para a montagem do alambique e a conquista da chancela de 'premium' (denominação para a bebida envelhecida em tonel de madeira por mais de um ano). "Essa cachaça é como um filho para mim", explica Viviane, que administra a marca em seu escritório, na Vila Olímpia. "E foi durante a sua gestação que aprendi a gostar de beber."

Projeto Acadêmico.

No Rio Grande do Sul, Carla Adam, de 39 anos, é mentora e sócia (com seu irmão) da cachaça 'Moenda Nobre'. O negócio nasceu durante seu mestrado em Engenharia de Produção. A gaúcha sabia que se dedicaria a algo ligado à cana-de-açúcar porque a região onde mora, Santo Antônio da Patrulha, é grande cultivadora. Pesquisou sobre vários produtos atrelados à cana, como melado, rapadura, açúcar mascavo, até cair na cachaça. "Comecei a visitar alambiques e me encantei pela história e produção dessa aguardente", conta Carla, que é formada em Administração e também tem urna empresa que fabrica cintos femininos.
"Aprendi a conhecer os aromas, distinguir os sabores, perceber equilíbrio, enfim, a gostar desse produto tão brasileiro." Quando finalizou seu mestrado, ganhou nota máxima e o incentivo do professor para levar o projeto adiante. O primeiro lote da Moenda Nobre saiu em 2007 e ganhou fama por seu sabor. A trajetória da carioca Katia Espírito Santo, de 55 anos, também é um tanto curiosa. Antes de se tornar produtora da branquinha, a fonoaudióloga desenvolveu um programa de educação especial para crianças carentes com dificuldade de aprendizado. Esse projeto foi implantado na Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), e ganhou reconhecimento da Unicef, que a convidou para ser consultora em um estudo entre crianças vítimas de guerras em Moçambique e a Angola, na África. "Estava cansada de viajar e, pois foram cinco anos nesse trabalho. Quando voltei ao Brasil, me vi diante da fazenda do meu pai, que se afastou dos negócios por causa da idade”, conta a empresária, casada e mãe de três filhos adultos.
"Fiquei com a parte da cachaça e meus irmãos assumiram outras funções." Katia não era apreciadora da bebida, apesar de a produção da 'Cachaça da Quinta' existir desde 1923 e ser muito valorizada na vizinhança de Carmo, pequena cidade a quase três horas da capital fluminense. Empenhada em redesenhar o produto, mergulhou em cursos.
Com os estudos, entendeu a riqueza e complexidade desse destilado - surpresa para quem, até então, só bebia vinho. Hoje, minuciosa e exigente, Katia acompanha de perto toda a produção. Vestida com uniforme de labuta, botas de plástico e touquinha no cabelo, ela cuida pessoalmente da fermentação e destilação, enquanto gerencia seus funcionários e os qualifica. "Uma mulher à frente desse tipo de negócio e apreciadora de aguardente seria impensável tempos atrás."

Por Ciça Valério no suplemento semanal 'Feminino' (ano 56 N. 3084) do Estado de S. Paulo semana de 9 a 15 de janeiro de 2011, como 'Defensoras da Branquinha'. Digitado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

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