ZEBU, O GADO DOS TRÓPICOS


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O gênero Bos de acordo com sua origem e distribuição pode ser dividido em dois grandes grupos. O primeiro é constituído pelo tipo setentrional ou taurino, - Bos taurus - representado pelos bovinos europeus, que se caracterizam por possuir pele clara e aderente ao corpo e por ter pelos longos e chifres geralmente curtos; estão disseminados pelas regiões de clima temperado.
O segundo tipo, - Bos indicus - de especial interesse para nós, é o que vive nas regiões tropicais, tendo como características mais importantes à pele pigmentada e bastante solta, os pelos unidos, curtos e finos e chifres curtos ou longos. É conhecido sob a denominação de Zebu ou Cebu nos países latinos, e Brahman nos Estados Unidos. A maioria dos pesquisadores concorda que o Bos indicus seja originário da área Índia, Burma e Malaia, embora alguns acreditem que este tipo bovino tenha sua origem em regiões do Oriente próximo, na Ásia ou na África. A favor da primeira tese há o fato de que um terço do gado de todo o mundo é de tipo Zebu e está concentrado no sul da Ásia. Outra prova é a grande diversidade de raças zebuínas encontrada na Índia, o que sugere sua existência extremamente longa, nessa área, onde revela o mais alto grau de adaptação.

Paquistão Oriental hoje denomina-se Bangladesh
Para outros, o gado de cupim teria sua origem nas montanhas da Ásia Central, próximas ao antigo mar da Mongólia. Com o desaparecimento deste e gradual empobrecimento das terras adjacentes, viram-se seus povos na contingência de emigrar, levando consigo o gado para outras regiões do sul e oeste da Ásia. Embora o Zebu seja a vulgarmente chamado "gado da Índia", deve-se notar que ele é encontrado na maior parte da Ásia, abaixo do paralelo de 30° de latitude norte, e em quase toda a África Central, como animal nativo ou, pelo menos, aí existente desde eras muito remotas.
O gado de giba pode ser encontrado atualmente na China, Mongólia, Tibet, Iraque, Iran e em toda a Ásia Menor. Bovinos do tipo Zebu habitam ilhas da Malaia, tendo sido introduzidos na Austrália na segunda década do século XX. A África apresenta gado do mesmo tipo, o que permite a subdivisão dos zebuínos em asiáticos e africanos. Desde o norte do Continente Negro, no Egito, Líbia, Tripolitânia, Marrocos, região do Saara, África Ocidental, África Equatorial, Sudão, Etiópia, Ghana, Angola, Moçambique, Rodésia, em quase toda a África do Sul, inclusive na Ilha de Madagascar, são encontrados bovinos de raças e variedades enquadradas na subespécie Bos indicus ou denotando o seu sangue.
Nas Américas, os zebuínos, como, aliás, todos os animais domésticos, foram trazidos pelos colonizadores. Sua entrada em grande escala, entretanto, ocorreu no século XIX e prosseguiu no século XX.  Gado Zebu é encontrado no sul dos Estados Unidos e México, em vários países da América Central, do Mar das Caraíbas como Cuba e em muitas nações latino-americanas, principalmente na Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, até ao norte da Argentina. Mas, é o Brasil, depois da Índia, a nação que possui um dos maiores e melhores rebanhos, em processo de seleção étnica e funcional.

Características do Zebu

De modo geral, os zebuínos distinguem-se de seu parente europeu por características de conformação, temperamento e constituição. Provavelmente seja a giba ou cupim o atributo que mais impressione, mas outros detalhes de importância devem ser considerados, pois contribuem para a diferenciação entre estas duas subespécies; elas apresentam, todavia, uma particularidade interessante, qual seja a fecundidade indefinida entre os produtos de seu cruzamento.
A pele do Bos indicus é sempre mais fina, porém mais resistente que a do bovino europeu; muito pigmentada, apresenta geralmente cor escura ou preta, o que pode ser melhor observado nas partes desprovidas de pelo, como o focinho, as pálpebras e as aberturas naturais. Esse gado tem comumente a superfície do corpo muito desenvolvida, devido à pele solta, formando barbela ampla e pendulosa. Parece haver correlação entre o tamanho desta e a pele na região umbilical, impropriamente chamada bainha; esta, quando grande, é prejudicial principalmente nos touros, sujeitos que ficam a ferir-se nos pastos sujos ou com plantas de espinhos, surgindo então as umbigueiras.
Acredita-se que a pele, funcionando como um radiador permita ao Zebu eliminar o excesso de calor corporal, circunstância que lhe permite viver e produzir em condições em que o boi europeu fracassa dada a manifesta incapacidade de seu aparelho regulador. É fácil observar que, nos dias quentes, enquanto os indianos estão pastando normalmente, os europeus procuram a sombra ou mergulham nas aguadas para se refrescar.

Pelagem e Tolerância ao Calor

Os pelos curtos e lisos conferem aos bovinos maior aptidão para eliminarem o excesso de calor comum nos climas quentes. Bonsma observou, na África do Sul, em rebanhos Hereford, - que os animais de pelos curtos e lisos apresentam grande vantagem sobre os de pelos longos, não só em relação ao peso vivo na maturidade como também na percentagem de parições. Verificou ainda, mesmo no gado Africânder, altamente resistente ao calor, que os animais peludos apresentam fraca resistência e reagem de modo semelhante ao gado europeu inadaptado. A espessura, a mobilidade, a pigmentação da pele, são, também, de grande importância nos trópicos, como defesa contra os ectoparasitas e os raios solares.
O ideal para a tolerância ao calor parece ser o pelo claro ou branco sobre uma pele de pigmentação escura, tal como comumente ocorre no gado zebuíno. A pele escura impede a passagem dos raios ultravioleta, cujo excesso provoca lesões nas camadas mais profundas dos tecidos. A cor branca nas raças bovinas está associada à pele branca, mais susceptível às queimaduras pelo sol e à foto sensibilização. Por outro lado, os pelos curtos, lisos e brilhantes refletem melhor a radiações do que as pelagens opacas, longas e crespas, características estas convenientes apenas para os climas frios. Também a cor vermelha, comum ao gado nativo, tanto na América como em certas regiões da África, oferece eficaz proteção a esses animais.
No gado europeu, a coloração dos pelos se apresenta de acordo com a da pele, mas o Zebu, tendo a pele quase sempre escura, pode apresentar pelagem de qualquer cor. A branca e a cinza são as mais comuns a um grande número de raças; outras se apresentam vermelha ou em suas variantes, podendo ainda ser uniforme ou manchada, em maior ou menor extensão. Em grande parte das "raças", a extremidade da cauda e os cascos são pretos.

Conformação e Constituição

O perfil craniano, a forma e tamanho das orelhas são elementos básicos na classificação dos tipos e raças zebuínas; estas veriam muito em suas dimensões, sendo mais frequentes as médias e as grandes. Certas raças as possuem pequenas, mas terminadas em ponta, e não arredondadas, como nos taurinos. Os chifres constituem outro detalhe importante, variando quanto ao tamanho, à forma, ao diâmetro, à inserção no osso frontal e à direção que tomam; são normalmente maiores que os das raças da Europa, com poucas exceções.
A silhueta do Zebu difere da do Bos taurus, a começar pela posição da cabeça e a direção dos cornos; mas a giba constitui o caráter mais notável. Esta é um depósito músculo-adiposo, colocado sobre a cernelha e, às vezes, um pouco adiante, sobre o pescoço. Grande e volumosa em algumas raças, pode ser pequena ou quase inexistente em outras. Dentro da raça, o cupim varia com o sexo - maior nos machos - e com o estado de gordura. Os animais bem tratados apresentam-no mais desenvolvido. Há várias teorias quanto ao seu papel, acreditando a maioria dos estudiosos que se trata de matéria de reserva alimentar, fato negado por outros.
O zebuíno parece ser mais estreito que o gado europeu, pois suas costelas são visivelmente menos arqueadas, dando ao animal a aparência de ter os lados chatos. A ossatura é fina, porosa e leve, e a cauda é delgada, comumente longa. Quanto ao tamanho, os Zebus são menos pesados que os europeus. Dentro do tipo zebuíno há enorme variação no tocante ao porte, encontrando-se variedades que vão desde as considerações anãs até as de peso elevado para a família bovídea. O desenvolvimento do Zebu é geralmente mais lento que o dos taurinos, condição susceptível de ser alterada pela seleção; no tocante à dentição, observou-se que a primeira muda ocorre mais tarde do que nos europeus, mas as seguintes se sucedem mais rapidamente, apresentando o animal a 'boca feita' aos quatro anos, de modo idêntico aos bovinos de precocidade média, pouco melhorados pela seleção.
Os melhoradores das raças europeias tiveram a preocupação de encurtar os membros de seu gado, reduzindo desse modo parte do corpo que, pouco apresentando de útil, determina diminuição no rendimento do gado de corte. A natureza dotou o Bos indicus de pernas longas, predicado que o habilita a percorrer grandes distâncias em busca de alimento ou à procura de água, contingências frequentes nos meses de seca nas regiões de clima de savana, quando as forragens escasseiam e os mananciais desaparecem.
A facilidade de locomoção é notada desde a primeira idade; algumas horas após o nascimento, os bezerros já acompanham as mães e se movimentam com o rebanho. Em nosso País as pernas do Zebu não constituem propriamente defeito, uma vez que o gado ainda está sujeito a grandes caminhadas, das zonas de criação para as de engorda e destas para os centros de matança.

Nutrição

0s bovinos há muito adaptados aos climas quentes, possuem elevada capacidade de aproveitamento das forragens grosseiras, peculiares à zona tropical, onde o regime alimentar é caracterizado principalmente pela deficiência de proteínas e excesso de fibras. O aparelho digestivo do zebuíno é mais reduzido, em comparação com o do gado europeu, o que o leva a comer menos, mas repetidas vezes. O Zebu, se não pode ingerir rações tão volumosas como os taurinos, tem, todavia a faculdade de aproveitar forragens de qualidade inferior. Descreveu-se essa diferença com duas palavras, chamando de extrativa a nutrição do indiano, que exige menor quantidade e aproveita melhor o alimento, e de capacidade a do europeu, que pode e necessita ingerir maior volume de alimentos: No menor volume da barrigada dos animais de sangue indiano reside uma das causas do elevado rendimento por eles apresentado nas provas de cepo.

Zebu Leiteiro
Índole

Criado em grandes extensões, sem costeio, o Zebu pode se apresentar arisco ou bravio; torna-se, porém, extraordinariamente manso quando alvo de cuidados e de conveniente manejo. Quanto ao temperamento, difere bastante do gado europeu, pois neste os machos costumam ser bravos e as fêmeas dóceis, ao passo que entre os indianos, são as vacas normalmente dotadas de temperamento mais vivo do que os touros. Quando paridas, em regime de campo, revelam-se perigosas, investindo até contra os campeiros.
Outra peculiaridade deste gado é sua natureza gregária, que mantém os animais reunidos, facilitando o manejo e a movimentação do rebanho, embora dificultando as apartações. Sujeitos aos inimigos naturais, inevitáveis na criação em regime extensivo, os zebuínos acostumaram-se a viver e pastar em grupos, como medida de defesa. Há, também, notável diferença entre os sons que emitem os representantes dessas duas espécies: em lugar do mugido do bovino, o Zebu solta apenas um grunhido, como que tossindo.

Resistência aos Ectoparasitos

Sabe-se que o Zebu possui considerável resistência natural contra diversas pragas, especialmente insetos, que proliferam nas regiões de clima quente. Vários fatôres concorrem para reduzir a infestação e os danos causados pelos diversos tipos de parasitos. A pelagem curta e densa impede ou dificulta a penetração de pequenos insetos na superfície da pele ou que aí procurem fixar-se. A pele do indiano, embora mais fina que a dos taurinos, é mais resistente, o que dificulta a ação da tromba dos insetos sugadores. A cor clara atrai menos parasitos; observa-se que as moscas, por exemplo, concentram-se mais intensamente no gado de pelagem escura. Também o berne é mais frequente nos animais negros e nas regiões mais escuras, como o cupim e espáduas, em certos tipos de pelagem.
Outro fator repelente é a secreção oleosa, de cor amarelada, que se nota nos zebuínos, especialmente nas dobras da pele, e mais intensa nos animais que estiveram expostos ao sol. Os zebuínos dispõem também, de recursos para afastar os insetos; os panículos musculares, bastante desenvolvidos, lhes permitem mover livremente a pele, afugentando os parasitos que os importunam; as orelhas longas e bastante móveis, bem como a cauda de terminação muito flexível, os auxiliam igualmente na luta contra os insetos. Os carrapatos atingem menos os animais de sangue indiano do que os de origem europeia. Acredita-se ser essa resistência de origem genética.

Resistência a Moléstias

Um ponto em que é visível a superioridade dos zebuínos, é o referente à resistência a diversas moléstias, condição apreciável nas regiões em que a defesa- sanitária é precária ou inexistente. Sujeito em seu "habitat" a toda uma série de moléstias endêmicas, criado e mantido em más condições de higiene, o Zebu acabou adquirindo, através de gerações, marca da resistência às mesmas. Sabe-se que o gado indiano é menos sujeito à febre aftosa, do que o gado europeu. Enquanto este tem sido dizimado pela tristeza bovina, o Zebu é tão pouco afetado que se o considera imune, ou pelo menos muito resistente à piroplasmose e à anaplasmose. A própria peste bovina, que atinge tão duramente os taurinos, causa males muito menores nos rebanhos das regiões tropicais. Quanto à tuberculose, espantalho das criações de gado leiteiro das raças aperfeiçoadas, sua incidência diminui à medida que se eleva a percentagem de sangue Zebu nos rebanhos.

Produtividade 

Os bovinos europeus das raças melhoradas distinguem-se pela sua conformação, dependente da função económica dominante; neles a ação do homem se fez sentir de maneira acentuada, através da seleção que se estendeu por séculos. Apresentam, por isso, rendimento elevado no tocante à produção de leite ou de carne. Lá o gado. Dos trópicos se mostra em estágio mais primitivo, ou diríamos melhor, mais natural, sendo tipicamente um produto do ambiente; seu nível de produção é geralmente baixo, devido à sua constituição e aos poucos cuidados que têm recebido do homem. Ambos sofrem os efeitos das latitudes baixas e desta circunstância decorrem muitas de Suas qualidades e defeitos. Urge melhorá-lo, dando-lhe condições de maior produtividade.

Por Alberto Alves Santiago no livro 'Zebu e Cruzamentos- Produção de Carne e Leite nos Trópicos', São Paulo, 1965. p. 95-103. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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