VIDA CONSTRUÍDA NA COZINHA


Resenha do livro 'Sangue, Ossos e Manteiga' de Gabrielle Hamilton, lançado no Brasil pela Editora Rocco na tradução de Lucas Murtinho.

Numa época em que os cursos de gastronomia se espalham pelo Brasil e jovens de classe média sonham ser chefs de cozinha, é oportuna a chegada ao país do livro 'Sangue, Ossos e Manteiga', lançado há pouco pela Editora Rocco. Ao longo de mais de 300 páginas, sua autora, a americana Gabrielle Hamilton consegue ao mesmo tempo enaltecer o que há de mágico no ato de transformar ingredientes em comida como meio de vida e mostrar o quanto a profissão é mal paga e cansativa e com um tempero extra: a sua vida pessoal, que se mistura com a carreira, é daquelas que dão uma novela.
O mais importante, porém, é que Gabrielle tem tanto talento para cozinhar quanto para escrever. Seu restaurante, o Prune, situado no East Village, em Nova York, é um sucesso, assim como esse seu primeiro livro. Lançada no ano passado, a obra mereceu elogios rasgados de veteranos integrantes da tribo dos chefs escritores. Anthony Bourdain, produtor e apresentador de programas de TV sobre gastronomia e autor de best-sellers como 'Cozinha Confidencial' e 'Em Busca do Prato Perfeito', dassificou 'Sangue, Ossos e Manteiga' como "magnífico": "Simplesmente o melhor relato de um chef em todos os tempos". Detalhe: os dele são muito bons.

POR ACASO O subtítulo da obra de Gabrielle é bastante revelador: 'A educacão involuntária de uma chef relutante'. Embora o ângulo pelo qual escolhe narrar a sua trajetória faça o leitor imaginar que sua profissão estava escrita nas estrelas,  a verdade é que ela foi parar na cozinha porque predsava ganhar dinheiro e não tinha treinamento para nada No entanto, cultura gastronômica, aquela de berço, a chef tem sobra. Caçula de cinco filhos, ela foi criada na área rural da Pensilvânia (EUA) nos anos 1970, em meio a ingredientes sazonais orgânicos, numa época em que ninguém se preocupava com isso.
Com a mãe, uma francesa que passava o dia inteiro "cozinhando coisas como rabos, garras e ossos cheios de medula" usando salto alto, delineador e avental, aprendeu a extrair tudo o que é comestível de um animal e a apreciar os alimentos pelo sabor e não pela aparência. O pai, cenógrafo, lhe ensinou o valor de uma festa bem montada. Todos os anos, na primavera, ele convidava uma centena de pessoas para um assado de cordeiro de primavera, feito em fogueira montada a céu aberto.
Quando Gabrielle tinha 11 anos, porém, os dois se separaram, e ela teve que crescer sem a supervisão de um adulto. Sem dinheiro, tinha que arranjar um emprego - e o primeiro que conseguiu foi num restaurante perto de casa. Logo descobriu que havia sido feita para aquele mundo de trabalho duro, gente interessante e noitadas regadas a álcool, sexo, drogas e rock'n'roll.

Gabrielle Hamilton na cozinha do 'Prune'

AMADURECIMENTO No entanto, todos aqueles que sobrevivem às loucuras da juventude sentem, mais cedo ou mais tarde, a necessidade de crescer e sossegar. Cozinheira free lancer de bufês, depois de percorrer vários países (entre eles Grécia, Turquia e Índia) com uma mochila nas costas e US$ 1 mil em traveller checks no bolso, arranjando bicos em bares e restaurantes quando ficava sem dinheiro, surgiu praticamente do nada a chance de ter o próprio restaurante. Mesmo sem ter ideia de onde tirar o capital necessário, ela topou - e aí está, até hoje, o Prune.
Enquanto isso, na vida pessoal Gabrielle saía de um relacionamento lésbico de anos para um casamento de conveniênda com um cliente com quem mantinha um caso sem compromisso, um médico italiano que precisava de um green card. Acabou se transformando na mãe dedicada de dois garotos, firmemente comprometida com uma família e um marido que nunca chegou a entendê-la. Por meio dele, entretanto, ganhou uma sogra italiana típica e férias anuais de verão numa vila à beira-mar na região da Apúlia. No entanto, as peculiaridades do seu relacionamento arranjado, que já dura sete anos, começam a pesar. Independentemente do que ocorrer dali para a frente, porém, Gabrielle sempre encontrará o seu lugar na cozinha.
Silvia Laporte



Por Sílvia Laporte, publicado no jornal 'Estado de Minas'de 12 de fevereiro de 2012, página 2 do Suplemento 'Feminino & Masculino'. Digitado, ilustrado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

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