MUDANÇAS DE HÁBITOS ALIMENTARES NO BRASIL

Resumo

Este trabalho pretende verificar se no Brasil existe a tendência, presente nos países industrializados, de adotar novos hábitos, criados pela indústria alimentar e marcados pelo excesso de produtos artificiais, em detrimento do consumo dos produtos regionais e com forte tradição cultural. A pesquisa mostra que o feijão, a farinha de mandioca, o arroz e a farinha de milho, os alimentos mais tradicionais na dieta do brasileiro, têm tido uma redução em seu consumo. Os novos produtos alimentares, criados pela indústria, tem conquistado um público crescente, principalmente nos grandes centros onde também o fast-food é uma realidade para milhões de brasileiros. Isso se deve, em parte, à mentalidade moderna, presente globalmente, difundindo o desejo de consumo ilimitado, e à idéia da supremacia do conhecimento técnico e científico. Conclui-se que a identidade cultural presente no Brasil tem facilitado a entrada destes novos produtos.
Palavras-chave: padrão alimentar ocidental, mudança de hábitos, identidade cultural

1. Introdução

A pesquisa procurou verificar as tendências na alimentação da população brasileira nos últimos 40 anos.
Parte-se do pressuposto que o mundo todo tem passado por uma série de transformações desde a década de 50, entre as quais as mais perceptíveis talvez sejam os fenômenos da urbanização e da globalização. As mudanças afetam a qualidade dos alimentos produzidos e industrializados. As expectativas de consumo, orientando as escolhas para alimentos mais condizentes com o novo estilo de vida, são menos satisfatórias ao paladar e ao aporte nutritivo do que no padrão anterior.
Percebe-se que a fome hoje é resultante não só da pouca disponibilidade alimentar para os grupos de baixa renda, mas também da redução da qualidade dos alimentos, excessivamente industrializados. Isto evidencia-se na anemia e na obesidade como grandes problemas de saúde pública, atingindo a todos os estratos sociais.
Algumas outras questões deram especial direção ao processo de pesquisa. Um dos objetivos perseguidos foi discutir de que forma a mentalidade moderna, que pressupõem o consumo ilimitado, tem afetado os hábitos alimentares nas grandes metrópoles deste país. Outra questão importante foi verificar como a difusão global do consumo do hambúrguer e da Coca-Cola, símbolos do que é mais moderno, tem influenciado a identidade cultural alimentar do brasileiro.
Em resumo, procurou-se delimitar como está a alimentação no país neste fim de século e quais as transformações que se operaram nos últimos anos.
Inicialmente procedeu-se a discussão sobre a formação dos hábitos alimentares e sobre todos os fatores que interferem nesta construção. A formação do gosto nas diferentes culturas, o status, o prestígio, a pressão publicitária, o aspecto religioso, enfim os inúmeros aspectos que orientam as escolhas alimentares.
Alguns aspectos do padrão alimentar ocidental são aqui relacionados. A idéia foi de caracterizar a forma e o que se come nos grandes centros do mundo. O fast-food é o principal fenômeno de consumo no mundo moderno e a carne aparece como o alimento de maior prestígio no Ocidente. O sanduíche e os refrigerantes ganham preferência quando o mais importante é a praticidade e a rapidez. A publicidade e a ideologia do consumo favorecem a formação de novos hábitos inimagináveis há pouco mais de três décadas.
Foi necessário estabelecer algumas considerações sobre a globalização e seus reflexos na cultura brasileira. Também procurou-se evidenciar se a preocupação com a saúde, um dos efeitos da cacofonia alimentar presente no mundo moderno, está presente nos habitantes deste país.
Por último, objetivou-se distinguir o processo no Brasil, observando as particularidades aqui presentes, como a urbanização acelerada e as políticas estatais.
Os poucos estudos disponíveis sobre consumo alimentar foram analisados. Procurou-se evidenciar qual a alimentação preferencialmente aceita nos grandes centros, quais as tendências presentes nas escolhas alimentares.
Finalmente procurou-se demonstrar que a população dos grandes centros está incorporando progressivamente novos hábitos alimentares, típicos dos países desenvolvidos. Como hipótese, um novo padrão alimentar está se delineando, com prejuízo dos produtos tradicionais da dieta, como por exemplo, o feijão e a farinha de mandioca, e a favor de produtos industrializados e com maior valor agregado.
No momento o debate científico aponta para a inviabilidade de se propagar, em nível mundial, os padrões de consumo que hoje prevalecem no Primeiro Mundo. Descobrir novas alternativas, pautadas em um desenvolvimento sustentável, é cada vez mais urgente. Hábitos alimentares e padrões de produção agrícola que possam reduzir o consumo excessivo, o desperdício e a destruição começam a ser vistos não mais como uma opção mas como uma necessidade. Neste sentido, o trabalho pretende contribuir criticamente para o debate, lançando alguma luz no que se refere à produção, ao processamento e ao consumo do alimento neste país.

2. A comida industrializada

2.1. Formação dos hábitos alimentares

São inúmeras as razões que envolvem a escolha de alimentos. Muitas vezes estão em jogo, ao mesmo tempo, mais de um fator até a decisão final. Segundo Igor de Garine, apesar de percebermos como óbvias muitas relações entre comida, nutrição e fatores culturais, até hoje não se precisou as regras que regem os comportamentos alimentares, o que não se revela uma tarefa facilmente atingível no curto prazo.3
Em 1945, Mead e Guthe definiram os hábitos alimentares como “o estudo dos meios pelos quais os indivíduos, ou grupos de indivíduos, respondendo a pressões sociais e culturais, selecionam, consomem e utilizam porções do conjunto de alimentos disponíveis”.4 Desta forma, as aversões e as preferências, ou o que constitui a identidade étnica de um povo, vão corroborar para o fato de que nem tudo que possa ser consumido pelos seres humanos, o seja de fato.5
Excetuando-se os períodos em que a fome possa forçar alguma modificação, o ser humano mantém alguns limites entre o que é ou não comestível. A comida é uma forma de comunicação, na qual o indivíduo vai explicitar inclusive sua visão de mundo, ou seja, “comer é revelar-se”.6
A escolha do alimento revela muitas vezes a que grupo se deseja pertencer, seja este social, étnico ou de idade.7
Sabe-se que o instinto presente nos animais, que origina um comportamento que responde sempre às possibilidades do meio, não tem a mesma performance nos seres humanos. A diferença está na possibilidade do ser humano fazer escolhas e modificar seu meio ambiente. Percebe-se que a eleição dos alimentos satisfaz às necessidades do corpo mas também, em grande medida, às necessidades da sociedade. A cultura estabelece o que é comestível8, ou seja, a cultura ensina e leva a gostar de todo tipo de comida, dos mais variados sabores desde a pimenta ao tamarindo.
Os gostos são construídos de acordo com o que a cultura estabelece como aceitável. Na Idade Média, por exemplo, os mais diferentes tipos de carne vinham à mesa de forma a manter a peça inteira. Hoje percebe-se uma resistência a tudo que possa lembrar o animal.9
Ellen Messer lembra que os gostos são transmitidos como parte de uma cozinha cultural.10 Claude Lévi-Strauss foi o autor da idéia que “o alimento deve ser não só bon à manger mas também bon à penser: isto é, não só biológica, mas também culturalmente comestível”.11 Segundo ele “a cozinha de uma sociedade é a linguagem na qual ela traduz inconscientemente sua estrutura”12 e “... quando descobrimos onde, quando e com quem os alimentos são consumidos, estamos em condições de deduzir, ao menos parcialmente, o conjunto das relações sociais que prevalecem dentro de uma sociedade porque ... os hábitos alimentares são uma parte integrada da totalidade cultural”.13
Neste sentido, Sahlins comprovou que a comestibilidade da carne de boi e do porco, bem como o tabu na utilização da carne de cachorro e cavalo nos EUA não são fatos originados das vantagens biológicas, ecológicas ou econômicas. Segundo ele a América é a terra do cão sagrado. A cultura americana está pautada na carne como principal alimento. Sua própria estrutura de ocupação do espaço e da natureza esta pautada neste axioma. Segundo este autor o consumo da carne nos EUA tem como base a impropriedade de comer animais que vivem conosco como nossos amigos.14
O significado, portanto, não está ligado às características intrínsecas do alimento. A utilização do café, por exemplo, está menos ligada ao efeito estimulante, do que à sociabilidade que proporciona, ou mesmo paradoxalmente, ao efeito relaxante que representa a parada no trabalho.15
São inúmeros os exemplos que permitem acreditar que o consumo alimentar não se restringe apenas às razões econômicas. Apesar deste ser um fator importante num mundo em que as desigualdades são aviltantes, reduzir uma escolha tão complexa a termos numéricos é, no mínimo, uma simplificação dos fatos. Parece certo que “os consumidores ajustam e reajustam suas compras de acordo com as flutuações dos preços dos produtos habitualmente comprados”.16 Se o fabricante aumentou o preço de algum produto, este poderá ser substituído por outro mais barato.
Muitas vezes o consumo deste ou daquele alimento está relacionado às crenças que foram construídas por uma sociedade ao longo de sua história, as quais nem sempre estão de acordo com a ciência ou a razão. Ao contrário, as lembranças que os alimentos podem suscitar envolvem o que não é quantificável, ou seja, as emoções que habitam o mundo subjetivo.17 Utiliza-se certos alimentos para alcançar uma época distante, da qual se tem saudades.
Ao longo da história pode-se perceber que o uso ou não dos alimentos obedeceu a códigos ligados ao prestígio deste ou daquele alimento. Os aristocratas consumiam apenas a caça e as aves, enquanto a burguesia ficava com as carnes de açougue. Depois ambos passaram a consumir bons cortes de carne, enquanto que o povo ficava com as peças “de segunda”. A carne de porco é um exemplo destas diferenças. Esta carne foi perdendo prestígio ao longo da Idade Média, junto à nobreza. Primeiro as orelhas deixaram de ser adquiridas pelos nobres (1659), depois as costelas (1660), a fressura e a banha (1667) e até a simples “carne de porco”, a partir de 1670.18
O fato de alguns autores combaterem a visão que só apreende o lado biológico da alimentação, excluindo o prisma sociocultural19, demonstra uma tendência ainda muito presente na ciência contemporânea, qual seja, a visão fragmentada da realidade, na qual as disciplinas são reduzidas a departamentos estanques. “Deste modo, nossa sociedade contemporânea, muitas vezes, não parece que coma carne, maçãs, pão ou grão de bico, por exemplo, mas sim, tais e quais quantidades de vitaminas, de fibras, de minerais, de ácidos graxos poliinsaturados, mono-insaturados ou saturados, de hidratos de carbono, de lipídios, de ácido fólico, de calorias, de 'aditivos' diversos, etc.”.20 A alimentação permanece no domínio da área biológica.21
Inúmeros programas institucionais que visavam mudar o hábito de populações do Terceiro Mundo foram frustrados por desconsiderar os preceitos e as proibições religiosas, bem como as categorias culinárias locais. O mais interessante é que por muito tempo se colocou o problema no que concerne à população, ou seja, sua pretensa ignorância e superstição, além dos seus preconceitos. Evidenciou-se mais tarde que faltava sensibilidade por parte dos interventores em perceber o peso da cultura sobre a alimentação. Seu excessivo tecnicismo fez apenas visualizar a importância dos aspectos bioquímicos e nutricionais.22
Entretanto é crescente a percepção de que existe uma grande diferença entre comer, um ato social, e nutrir-se uma atividade biológica. Isso tem desencadeado a produção de inúmeros trabalhos na área de nutrição que compreendam as mais diferentes áreas do conhecimento.
Ora, essa visão transdisciplinar é fundamental a qualquer pesquisa que pretenda verificar os hábitos alimentares de uma população. Como coloca Jesús Contreras, identificar que se come pão, por exemplo, não representa uma informação com real significado. É necessário (dada a diversificação do produto na atualidade) especificar se é pão francês, pão integral, pão doce, etc..23 Roland Barthes, na década de 1960, já analisava este fenômeno em sua profundidade. “As unidades realmente significativas, relativas à alimentação, coincidem somente muito raramente com os produtos alimentícios que a economia e a dietética tem por costume tratar”.24 Este autor lembra que é na história de cada sociedade ou cultura que se pode encontrar o significado e as razões para as preferências e as aversões individuais ou coletivas, em suma, o que o alimento representa num dado meio social.
Parece claro que o ato alimentar é envolto por uma nuvem de tamanha complexidade que questões as mais diversas estão em jogo.25 Desde as de caráter biológico e ecológico, até os níveis tecnológico, econômico, social, político e ideológico.26 E “neste ato (alimentar) pesa um conjunto de condicionamentos múltiplos e ligados por complexas interações: condicionamentos e regulações de caráter bioquímico, termodinâmico, metabólico, psicológico; pressões de caráter ecológico; mas, também, modelos socioculturais, preferências e aversões individuais ou coletivas, sistemas de representações, sistemas de normas, códigos (prescrições e proibições, associações e exclusões), 'gramáticas culinárias', etc. Tudo isso influi na eleição, na preparação e no consumo dos alimentos”.27
Deduz-se, pois, que a escolha dos alimentos não é individual.
Independentemente da óbvia necessidade de manter a saúde física, considerações relacionadas com a etnicidade, status e prestígio, capacidade econômica, aceitação dentro de grupos sociais ou religiosos particulares, esnobismo alimentar, pressão publicitária e ajustes psicológicos, são todos eles aspectos da cultura que desempenham papéis importantes na determinação das preferências alimentares.28

2.2. Mudanças com a industrialização: o padrão alimentar ocidental

É importante lembrar que as mais variadas culturas evoluíram dentro de um equilíbrio alimentar próprio, o que demonstra que suas escolhas revelavam uma sabedoria apreendida através de gerações. Mais ainda, “se aceita que as técnicas para elaboração de alimentos e as combinações de alimentos desenvolvidas no passado tem dado lugar a cozinhas nutricionalmente vantajosas e que, sem prévia elaboração, os alimentos de uma região resultam não comestíveis ou menos nutritivos em outras”.29
A questão que se coloca diz respeito, por um lado, à persistência e por outro, às mudanças que se realizam nos sistemas alimentares e, portanto, na cultura.
Lucien Febvre, em 1938, apontou para a existência de elementos fundamentais dentro dos sistemas culinários, os “fundos de cozinha”. Para este autor alguns alimentos estariam tão integrados a uma cultura que poderiam resistir às conquistas, à colonização, à mudança social, às revoluções técnicas, e, em alguns momentos até à industrialização e à urbanização.30
Claude Fischler, ao contrário, defende que os sistemas alimentares evoluem e, as vezes, de forma imprevisível. Entretanto isso não se dá sem uma aparente resistência pautada na inércia e na recusa. A tendência dos imigrantes em conservar seus hábitos alimentares é amplamente retratada nos estudos etnográficos.31
Pode-se dizer que alguns fatos ocorridos a partir de 1850 possibilitaram uma aceleração nas mudanças alimentares no Ocidente. Os progressos na agricultura livraram da fome grande parte da população européia.32 Por outro lado, a urbanização, a tecnologia e o comércio tiveram um impulso nunca dantes verificado. Produtos como o açúcar, o café e o chocolate conheceram um público cada vez maior.
Fischler lembra, entretanto, que estas mudanças são mínimas se comparadas às que se vive no período contemporâneo mais recente. Estas apresentam um tal grau de aceleração que, às vezes, em poucos meses pode-se verificar alterações nos comportamentos.33
Ora, se a alimentação faz parte da cultura isso não poderia ser de outra forma. As últimas décadas do século XX assistiram a uma verdadeira revolução cultural. Para Eric Hobsbawm pode-se entender este movimento como “o triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais”.34
Neste processo o estilo jovem de ser passou a ser a marca em nível mundial, não mais como uma etapa para a vida adulta, mas como um estilo de vida. O blue jeans, o rock, o hambúrguer e a Coca-Cola são expressões simbólicas desta nova cultura. Os adolescentes ganharam maior autonomia neste fim de século e isso tem sido cada vez mais explorado pela indústria que vislumbra aí um mercado promissor. “O surgimento do adolescente como ator consciente de si mesmo era cada vez mais reconhecido, entusiasticamente, pelos fabricantes de bens de consumo”.35
Os jovens, a partir de suas escolhas, desejavam mostrar que estavam fundamentalmente rejeitando as convenções ditadas pela sociedade, construídas historicamente e pautados pela tradição e pelos costumes. As refeições feitas em conjunto, com horário determinado e um cardápio planejado, foram se tornando ocasiões cada vez mais excepcionais.
Assim, percebe-se que a alimentação de diferentes culturas está sendo transformada muito rapidamente em todo o mundo36, como parte de uma cultura que também se modificou. Dentro de um processo mais amplo, qual seja o desenrolar da civilização industrial ocidental, a alimentação, dentre as inúmeras expressões culturais, também tem sido influenciada por este processo acelerado. Em nome da ilimitada autonomia do desejo humano, a sociedade de consumo de massa foi, paradoxalmente, impulsionada até pelos críticos das convenções e restrições.37 O triunfo universal da sociedade de consumo de massa arruinou, em grande medida, a alta cultura clássica.38
A tendência das sociedades desenvolvidas de comer muito além do que seria necessário para as necessidades do organismo, induz a pensar que a sabedoria alimentar, característica das sociedades tradicionais, não tem conseguido acompanhar o desenvolvimento da sociedade moderna. Para Claude Fischler, a cultura moderna tem reduzido a capacidade do ser humano em perceber qual alimentação ser-lhe-ia mais adequada.39 Jesús Contreras acredita que as razões para esta cacofonia alimentar estão assentadas na crise cultural vivida pelas sociedades mais desenvolvidas. Percebe-se uma crescente “desestruturação dos sistemas normativos e dos controles sociais que regiam, tradicionalmente, as práticas e as representações alimentares”.40
A indústria de alimentos foi, em grande parte, responsável pela mudança radical que se operou na alimentação dos norte-americano nos últimos oitenta anos.41 A indústria prosperou num sistema em que a ética foi submetida aos interesses do mercado.
Sentimos que o poder está em toda parte e que a sociedade é menos regida por instituições que se baseiam no direito e na moral que pelas exigências da concorrência econômica, pelos programas dos planificadores ou pelas campanhas de publicidade. A sociedade, que é ao mesmo tempo técnica e poder, divisão de trabalho e concentração de recursos, torna-se cada vez mais estranha aos valores e às demandas dos atores sociais. Se a idéia de sociedade de massa ou de consumo substitui a de sociedade industrial, é porque ela constata a separação entre o mundo da produção e o universo de consumo, ao passo que a sociedade industrial definia ainda o ser humano como trabalhador, portanto nos mesmos termos que o sistema de produção.42

2.3. O prestígio da carne: ascensão e queda

O consumo de carne cresceu no mundo todo e, mesmo no Japão, onde a dieta baseou-se durante muito tempo, no arroz, nos peixes e em inúmeros subprodutos da soja. Os dados de consumo identificam que em 1980 aproximadamente 20% das calorias da alimentação japonesa vinham da carne.43
No Ocidente, pode-se dizer que da década de 50 a 1980, a carne foi um dos alimentos que mais cresceu em consumo, considerando as mais diferentes espécies.
Nos Estados Unidos passou de 84 quilos por habitante/ano em 1955, a 116 em 1978. O consumo humano por habitante aumentou 32 quilos. Na França se passou de 71 a 108 quilos, o consumo por habitante aumentou 37 quilos. No Japão se passou de 5 quilos (os japoneses quase não comiam carne nos anos 50, só pescado [peixe]) a 29 quilos. O consumo aumentou 24 quilos por habitante/ano.44
A carne tem um peso tão forte na cultura alimentar dos Estados Unidos que criou-se a expressão “Religião do Grande Bife Americano”.45 A carne, principalmente o bife, carrega um enorme status: é símbolo de poder econômico. Para Frances M. Lappé a carne, ao lado da Coca-Cola e do jeans, constitui símbolo do estilo de vida americano, imitado em todos os cantos do planeta.46 No imaginário coletivo das classes médias urbanas, a carne as aproxima do mundo moderno. Em contrapartida, o consumo de cereais diminuiu internacionalmente, vistos como remanescentes de um mundo que muitos querem esquecer, o mundo das vilas e aldeias.
Claude Fischler afirma que “os produtos crescem ou declinam com as classes que os consomem: o declínio dos camponeses e depois dos trabalhadores explica em parte o declínio de certos alimentos mais característicos do ‘gosto de necessidade’ popular”.47
Por outro lado, observa-se no primeiro mundo, desde os anos 80, uma tendência em reduzir o consumo de carne vermelha, principalmente nas populações com maior poder aquisitivo. Na França, por exemplo, uma pesquisa demonstrou que este alimento perdeu grande parte de seu poder simbólico. Em 1985, 23% dos entrevistados concordava que a carne é indispensável ao equilíbrio alimentar. Em 1987, somente 19,6% tinha esta mesma opinião e 67% achava que seu consumo de carne de boi era demasiado, necessitando de uma redução.48

2.4. A mudança de valores: o importante é ser prático

O tempo é um dos grandes inimigos do prazer. Hoje somos levados como rebanhos para tudo que possa facilitar o trabalho na cozinha. Os alimentos são comprados quase prontos para o consumo e daí o boom dos congelados, do pré-cozido (arroz, principalmente) e do que já vem pré-temperado (a carne de frango).
Estes produtos, inventados pela indústria, são novos ao paladar e aos hábitos. Assim, para facilitar sua aquisição, normalmente a indústria vai se valer de alguns estratagemas. De um lado a embalagem vai ser extremamente colorida para chamar a atenção do consumidor. De outro lado os produtos passam a ser fabricados incorporando enormes quantidades de açúcar, sal e gordura.49 Além disso os aditivos químicos tornaram-se cada vez mais comuns.
Há cinqüenta anos atrás seria difícil imaginar que teríamos a variedade de produtos industrializados de que dispomos hoje: “comida desidratada congelada, hortigrangeiros industrializados, carne recheada de enzimas e vários produtos químicos para modificar o seu gosto”.50
Na busca pela redução do tempo e do trabalho humano até os restaurantes de países com uma larga tradição culinária, como a França, apresentam modificações em seus produtos. Nestes, não são mais servidos os hors-d’oeuvre.51 A diminuição do consumo de legumes e de sopas é outro fenômeno observado na França moderna.
Nesta época agitada de delirium dieteticum, dominada pelo medo do colesterol e pelo culto das vitaminas, atraída por uma cozinha que alie sabor e magreza, é bizarro que se tenha visto, numa geração, desaparecer de quase todas as nossas mesas os pratos de legumes.52
Revel está se referindo aqui aos pratos nos quais os legumes aparecem como ‘estrela’ principal, pois os legumes enquanto acompanhamento ainda persistem nas refeições, porém em quantidades bem menores. O autor lembra que a humanidade consumiu durante milênios legumes em inúmeras preparações, não sendo um hábito restrito aos vegetarianos. Põe por terra a falsa crença que as raízes53 eram consumidas só pelos pobres. Ao contrário, a aristocracia francesa, e mesmo o Rei, tinham tal apreço por estes alimentos que o seu cultivo era uma atividade de destaque na corte.
Foi Luís XIV que encarregou um genial horticultor, Jean de La Quintinie, de ampliar a paleta das hortas francesas. ... A revolução gastronômica da segunda metade do século XVII deve muito às variedades de legumes pesquisadas por La Quintinie, que enriqueceram o repertório dos novos cozinheiros de então.54
Uma outra razão apontada para a diminuição no consumo de legumes se refere à qualidade que os mesmos apresentam hoje, na qual o gosto difere em muito dos de antigamente.
Não será porque se tornaram insípidos que nos afastamos deles? Será que a quantidade não matou a qualidade? A superprodução não visa antes conseguir a subvenção do que satisfazer o consumidor? ... A dessazonalização, com efeito, é outro flagelo que priva de alma os neolegumes insípidos, criados debaixo de toldos ou em túneis de plástico. As pobres plantas jamais conheceram nem a terra plena nem o sol, e só deixaram sua prisão para serem jogadas num caminhão refrigerado.55

2.5. O comedor solitário

Outra questão pouco discutida é a dissolução crescente dos rituais que acompanham o ato alimentar. A vida nas cidades grandes minimizou a importância do ato alimentar. Parece não importar muito o que se come, com que se come e como se come. O típico habitante da cidade grande come no intervalo de almoço um sanduíche, ou um pedaço de pizza, e bebe um refrigerante, sozinho e de pé, no balcão de alguma lanchonete.
Talvez esta seja uma das razões pelas quais procuramos uma satisfação onde não a poderemos encontrar, ou seja, na quantidade de comida ingerida.56 A relação de afeto que antes permeava a refeição nas trocas familiares e entre amigos, hoje cede lugar a uma alimentação onde o seu parceiro é o aparelho de televisão e, nos países de primeiro mundo, os livros são convidados para o almoço num restaurante. Uma das características deste modelo é o apelo a comer demais.

2.6. O supermercado e a padronização das compras

As compras, nas últimas décadas, passaram a ser feitas em grandes supermercados, que conheceram um crescimento vertiginoso neste mesmo período. Estimava-se que na década de 1980 os supermercados, nos Estados Unidos, já representavam um monopólio considerável. “Em mais de um quarto de todas as cidades norte-americanas, quatro redes (de supermercados) controlavam pelo menos 60% das vendas”.57
Esta nova forma de comercializar os alimentos, em grandes áreas, normalmente nos arredores dos grandes centros urbanos, foi utilizada pelas firmas multinacionais e pela agroindústria como a via principal de indução a novos hábitos alimentares, acionando para isso, grande arsenal publicitário.58

2.7. A publicidade e a ideologia do consumo

“As preferências alimentares na sociedade moderna estão cada vez mais influenciadas pela publicidade”.59 É interessante assinalar que o significado dos alimentos vai ser elaborado principalmente no ato da sua transformação e do seu consumo. No que concerne à sua produção poucos significados serão incorporados.60
A indústria tem sido eficaz nesta função, qual seja, a de outorgar símbolos a tudo que produz. Muitas vezes o que tem valor simbólico pode trazer prejuízos: é gostoso mas não tem valor nutricional.61
As preferências pelos alimentos com prestígio não dependem do valor nutritivo que ele possa ter. “Somente os seres humanos evitam o uso de alimentos nutritivamente valiosos por que são de ‘baixo status’ e ... pelo contrário, consomem produtos cujas qualidades organolépticas são medíocres e nutritivamente pobres, com a finalidade de aparentar prosperidade econômica”. De Garine, a partir destas constatações, afirma que “a maioria das sociedades estão capacitadas para resolver sua subsistência e que dispõem dos excedentes suficientes, mas que a maior parte da alimentação se desenvolve por razões de prestígio”.62
A comida é percebida como uma forma de obter status social.63 O alimento em nossa sociedade é uma mercadoria, e como tal, é explorada pela mídia.
Percebe-se que os jovens apresentam uma tendência maior a incorporar novos hábitos alimentares. Em populações migrantes, os estudos são unânimes em afirmar que a socialização dos jovens, principalmente nas escolas e nas reuniões sociais, permite que eles, antes do restante da família, alterem seus hábitos em favor do novo meio social.64 Mesmo em sociedades mais homogêneas, o poder de influência dos adolescentes é muito grande. Pode-se dizer que, a partir dos anos 70, essa influência ficou ainda maior. Isso veio a contribuir para a proliferação dos restaurantes com aspecto mais juvenil, os fast-food.65
Sobretudo as adolescentes parecem estar mais sensíveis e permeáveis às mudanças e, portanto, mais vulneráveis à propaganda. D. Hamblin, em estudo sobre a relação dos adolescentes com a sua alimentação, comprovou que a batata frita é o alimento mais consumido na Inglaterra.66 Na América do Norte isso parece ser diferente. Segundo inúmeras pesquisas, a pizza tornou-se o alimento preferido pelo jovem norte-americano.67 De qualquer forma, o aspecto emocional que envolve toda fase da adolescência, permite algumas generalizações.
Apesar deste grupo apresentar insatisfação em relação ao seu peso, revelando um sonho de ser mais magro, seus hábitos não lhes permitem alcançar esta imagem. Os adolescentes não são os únicos a sofrer com esse conflito. Na realidade este é o sonho de grande parte da humanidade no Ocidente: comer tudo que é anunciado e permanecer igual à modelo que faz o anúncio. Todos fingem acreditar, por exemplo, que tomando Coca-Cola tudo vai melhorar, ou que Coca-Cola dá mais vida.68
Pode-se utilizar a Coca-Cola como um exemplo de como a mídia tem condicionado as preferências do consumidor. Pode parecer estranho mas os primeiros comerciais deste refrigerante, no final do século passado, vendiam um produto indicado para casos de dor de cabeça e esgotamento físico.69 Nos primeiros cinqüenta anos, seu desempenho comercial foi discreto. Entretanto, durante a Segunda Guerra, a Coca-Cola alcançou popularidade mundial. Sob o lema “onde estiver um soldado americano terá uma Coca-Cola por cinco centavos de dólar”, a empresa conseguiu instalar (com a ajuda do governo norte-americano) engarrafadores em todos os cantos do mundo.
Na década de 80, a Coca-Cola constatou, para sua surpresa, que alguns consumidores americanos preferiam o sabor da Pepsi, em testes de olhos vendados. Ora, o fracasso de vendas da New Coke, quando de seu lançamento em 1986, demostra que a Coca-Cola vende antes imagem do que sabor. Na verdade os americanos não aceitaram substituir um dos símbolos da tradição e dos valores americanos.
Essa imagem foi construída ao longo dos anos, através de técnicas e pesquisas de marketing, nas quais os gastos são fabulosos. No início da década de 90 a empresa já gastava US$ 1 bilhão anual em publicidade direta, em todo mundo, chegando este valor a US$ 4 bilhões se contados os gastos com promoções e marketing indireto.70

2.8. O fast-food como ícone da modernidade

Segundo Barthes, dentro da polissemia que acompanha a alimentação, temos hoje uma certa “modernidade alimentar”.71 A alimentação antes tinha nas festas a ocasião para se realizar de forma organizada. Hoje, as mais variadas situações “pedem” uma comida condizente. O trabalho orienta e dá os significados das formas de se alimentar da vida moderna. Para Jesús Contreras, “o snack não somente responde a uma necessidade nova, mas dá a essa necessidade uma certa expressão teatral, converte aos que os freqüentam em ‘homens modernos’, em ‘executivos’ com poder e controle sobre a extrema rapidez da vida moderna”.72 O que se objetiva não é mais a confraternização, mas a economia de tempo. No momento em que as refeições são destituídas desta função de reunir e solidificar laços afetivos alguns autores se perguntam sobre conseqüências dessa nova “evolução”.73
A utilização de espaços públicos, na forma de lanches rápidos, teve início nos Estados Unidos, no pós guerra.74 O modelo de produção em massa, ou o princípio fordista, ampliou-se para diferentes tipos de produção. A junk food75 foi apenas uma das várias atividades industriais a prosperar neste período.
O termo fast-food foi criação dos irmãos Richard e Maurice Mc Donald, no final da década de 40.76 O drive-in que possuíam desde 1937 passou por uma reformulação que buscava maior racionalidade no serviço, tornando-se um lugar amistoso para as famílias. Decidiram fazer da velocidade a essência do seu negócio e, para isso, acabaram com o atendimento personalizado, em que cada cliente poderia sugerir alteração no produto, segundo a sua escolha. O novo conceito de lanchonete foi logo imitado por outros empresários. Este sistema buscou solucionar o problema das grandes cidades no que se refere à alimentação no período de trabalho.
Nos Estados Unidos estão grande parte das empresas multinacionais do ramo alimentar.77 Por essa razão as comidas industrializadas e o fast-food são confundidos com a cultura norte-americana.
A McDonald’s Corporate foi a empresa que impulsionou o sistema de franquias de fast-food, e atualmente conta com mais de 13 mil estabelecimentos em todo o mundo, sendo a marca que mais franquias detém no mercado mundial. Sua entrada em todos os países do mundo, inclusive nos de regime socialista, fez com que essa marca, que comercializa hambúrgueres, seja considerada a “face exportável do sonho americano.78
Os produtos são fabricados segundo critérios de facilidade e rapidez na utilização, exportando para o mundo todo este know-how. Hoje o hambúrguer ou a marca Mc Donald’s e a Coca-Cola são símbolos do “Tio Sam”. Se a Mc Donald’s é uma das maiores cadeias de fast-food da atualidade isso se deve, em grande medida, a fórmula por ela adotada que conjugou rapidez e custo, mas também à imagem vendida que satisfaz inteiramente a sociedade moderna, pautada no consumo desenfreado.
Resta saber até onde a indústria do fast-food pode prosseguir substituindo o gosto pela rapidez. Na ânsia crescente pela economia de tempo e dinheiro, recentemente realizou-se uma experiência em cem lanchonetes da rede Mc Donald’s na qual robôs preparam os sanduíches, fritam as batatas e enchem os copos de refrigerantes. Percebeu-se que os clientes não notaram a diferença. “Até porque não é exatamente uma arte preparar alimentos sem gosto e muita gordura, ingerido às pressas, deglutidos com refrigerantes e arrematados com sorvete”.79

2.9. A globalização alimentar

Num mundo cada vez mais integrado pela informação e pela economia, é quase impossível que a cultura também não sofra os efeitos desta situação.80 A economia mundial está progressivamente ligada ao sistema global. Percebe-se “uma divisão mundial cada vez mais elaborada e complexa do trabalho e uma rede cada vez maior de fluxos e intercâmbios que ligam todas as partes da economia mundial ...”.81
São inúmeras as definições de globalização, tendo como base as várias visões que norteiam este processo. Para os mais entusiastas, o processo estaria sendo comandado pelo capitalismo e pela tecnologia e o futuro teria como cenário uma civilização global na qual as perspectivas de solidariedade seriam maiores. Neste sentido haveria uma reorganização da divisão do trabalho e o fim do Estado-Nação. Para os transformistas, a modernidade seria o motor deste processo global, que levaria a um futuro marcado pela fragmentação e pela integração mundial. Quanto às perspectivas sobre a solidariedade global os teóricos desta corrente parecem não arriscar, ainda, nenhum prognóstico. A globalização, segundo esta visão seria a reordenação das relações inter-regionais e a ação à distância. Em relação ao Estado, visualizam uma transformação na política mundial.82
Parece não haver dúvida que o mundo está mais interconectado e que as fronteiras nacionais estão sendo atravessadas por um movimento global que faz interagir comunidades e organizações em uma nova perspectiva de espaço e de tempo.83 Os movimentos que mobilizam as populações transcendem áreas geográficas e transformam-se em lutas planetárias. O movimento feminista e o movimento ecológico são alguns exemplos.
Para o jornal francês Le Monde a globalização só recentemente assumiu o que se poderia chamar de total integração planetária. Afirma este diário que “o comércio entre nações é velho como o mundo, os transportes intercontinentais rápidos existem há vários decênios, as empresas multinacionais prosperam já faz meio século, os movimentos de capitais não são uma invenção dos anos 90, assim como a televisão, os satélites, a informática”. Para o Le Monde, a novidade é “a desaparição do único grande sistema que concorria com o capitalismo liberal em escala planetária, ou seja, o comunismo soviético”.84 Este fato abriu as portas para o capitalismo se disseminar por todo o planeta.
Parece, entretanto, que a partir dos anos 80 as conquistas tecnológicas no campo da informática em associação com às de telecomunicações, tornaram o mundo realmente menor.
A ideologia que comanda a globalização é a do neo-liberalismo. Isto implica numa lógica globalizante que torna o mundo ainda mais desigual. “Desde 1960, quando os ricos ganhavam 30 vezes mais do que os pobres, a concentração da renda mundial mais do que dobrou. Em 1994, os 20% mais ricos abocanharam 86% de tudo o que foi produzido no mundo. Sua renda era 78 vezes superior à dos 20% mais pobres”.85
Interessa focalizar como a globalização está afetando as culturas tradicionais e se a sua trajetória vai resultar no que se pode chamar de “uma cultura global”. Esta é uma questão bastante complexa e talvez o máximo que se possa fazer é apontar algumas proposições para debate.
Pode-se visualizar três tendências de julgamento quanto aos efeitos da globalização na cultura. Num extremo, temos uma visão que parece acreditar que, pela técnica, o mundo vai ficar cada vez mais informatizado e este benefício estará disponível para todos os indivíduos do planeta. O mundo-rede informatizado teria na Internet seu principal álibi.
Em outro extremo, uma visão mais politizada e mais pessimista definiria a cultura global pela inexorável difusão, por todo o planeta, de um padrão cultural único. Os sistemas de crenças, os comportamentos e as representações presentes na nação mais industrializada, os Estados Unidos, estariam subjugando as heterogeneidades culturais e impondo-se como uma totalidade uniformizada.86
Estas duas visões contemplam processos reais, porém deve-se ter o cuidado de não considerá-las, numa análise um pouco simplista, como verdades absolutas. Dito de outra forma: o mundo-rede é fabuloso mas daí a considerar que revolucionará a vida social na terra existe enorme distância. Da mesma forma não se pode afirmar que o poder dos Estados Unidos, tão visível no campo da alimentação, irá destruir completamente as culturas heterogêneas.
É preciso ter em conta que, ao mesmo tempo em que a invasão da cultura americana preocupa os defensores das culturas tradicionais, as migrações de minorias étnicas também atemoriza os países centrais. Tentando exemplificar melhor este processo, talvez fosse mais fácil pensar que haveria uma terceira via, ou seja, nem culturas seriam completamente transformadas, nem tampouco haveria possibilidade de existência de culturas puras. Tudo indica que está havendo uma maior sobreposição das culturas, ou, como se define no atual estágio da globalização cultural, “um processo em curso, sugerido, mas não concluído, no qual formas culturais nacionais ou locais entram crescentemente em contato, desterritorializam-se, geram mediações e criam ‘terceiras culturas’”.87 Esta terceira hipótese seria desvinculada da idéia do Estado-nação como difusor de sua própria cultura. Na realidade os consumidores de fast-food, por exemplo, estariam mais ligados à comodidade desta forma de comer do que ao estilo americano de viver.
Claude Fischler lembra que da mesma forma que o hambúrguer invade os mercados mundiais, as lojas de croissant também progrediram nos Estados Unidos, país em que a pizza tem a preferência da maioria dos jovens.88 O crescimento das cadeias de fast-food nos Estados Unidos, nos anos 70, encontrou mesmo um sincretismo cultural apoiado na proliferação de diferentes culturas alimentares: vendiam pizza, croissant, tacos mexicanos e, é claro, o hambúrguer.89
Para Fischler as transformações alimentares no mundo não refletem simplesmente um processo “de americanização” dos costumes. Em verdade, por estas transformações terem iniciado neste país mais cedo do que no restante do mundo, isso pode confundir o observador, parecendo ser essa difusão do fast-food uma típica ação imperialista. Porém este processo pode ser melhor compreendido se for relacionado à modernidade. “Mesmo que a América apresente certas particularidades culturais e culinárias altamente específicas e as propague através de seu comércio e de sua indústria, o mundo desenvolvido se americaniza menos do que se moderniza e se transforma mais do que se acultura”.90
Entretanto, na França, alguns chefs têm denunciado os riscos que a culinária de seu país corre com a globalização de pratos e sabores. Como alternativa a essa tendência em direção a uma “cozinha mundial” eles propõem a busca da regionalização.91
Para Lauret Suadeau, presidente da “Associação Brasileira da Alta Gastronomia” (ABAG), com sede em São Paulo, a alta cozinha não está ameaçada com o crescimento das redes de lanches rápidos. “O fast-food já cresceu muito mas ainda pode mudar a concepção que se tem de um bom restaurante”.92 No futuro, diz ele, os restaurantes tendem a ser mais baratos e com menor sofisticação. O que vai contar talvez seja o talento do chef.

2.10. A insegurança presente nas escolhas diárias

A desconfiança em relação aos alimentos tem raízes diversas. Por um lado as autoridades sanitárias, preocupadas com os custos aumentados dos gastos com saúde, tem alertado o consumidor para os perigos da mesa.
Apesar dos extraordinários avanços científicos experimentados, e apesar da preocupação com o estado de saúde da população, acompanhada de inversão econômica, que orienta as autoridades políticas e científicas, os alarmes sobre o estado nutricional são cada vez mais freqüentes. ... não parece que comamos bem de acordo com os cânones nutricionais existentes.93
A utilização de venenos na agricultura tem sido uma prática bastante difundida nas últimas décadas. Sabe-se que os pesticidas estão presentes em grande parte dos cultivos. No Terceiro Mundo, no qual o poder de pressão dos consumidores é menor, percebe-se um uso muitas vezes irresponsável. Pode-se dizer que no Brasil a utilização dos agrotóxicos teve um aumento significativo nas décadas de 60 a 70. De 1964 a 1975 o incremento do uso de fertilizantes inorgânicos foi de 1.234,2%, o de inseticidas de 233,6%, o de fungicidas de 548,5%, o de herbicidas de 5.414,2% e o de tratores de 398,1%, entretanto o aumento de produtividade das principais culturas foi da ordem de 4,5% ao ano.94
Além de ser o quinto consumidor mundial de agrotóxicos, o Brasil é responsável por absorver a metade do montante comercializado na América Latina. É isso que o torna, em grande medida, líder nas estatísticas mundiais sobre acidentes de trabalho na zona rural.95

2.11. O sedentarismo e o hábito de se comer demais

A tendência a comer demais é típica das sociedades industriais. No passado o indivíduo “comia para viver”. Hoje, o consumismo induz as sociedades a “viver para comer”.
Mas não apenas o consumo se modificou com a industrialização crescente. Nas sociedades urbanas as facilidades de transporte, o trabalho mecanizado e também sedentário fez com que os organismos gastassem cada vez menos energia, tornando as necessidades calóricas menores.96
Ora, a obesidade97 é um reflexo desta tendência. Diferentemente da Europa, as autoridades dos Estados Unidos apresentam o excesso de peso como um grave problema de saúde pública. Lá, 30% da população é obesa e estima-se que até o final do século este número poderá aumentar para 50%. O mais interessante é que o fato de ser gordo parece não preocupar aquela população: “A obesidade é tão freqüente e os EUA são tão insulares que as pessoas pararam de reparar nela. ... A obesidade nos EUA não é obesidade. É normal”.98

2.12. A preocupação com a saúde

Alguns estudos referem os anos 30 como o início de um movimento por uma alimentação saudável. Mais tarde isso se intensificaria com o movimento hippie, que deflagrou uma preocupação com a comida e fez com que o “natural” interferisse na escolha de um número crescente de consumidores. Segundo Caldas, hoje o gosto pelo “natural” apresenta resquícios deste movimento, persistindo principalmente na faixa etária dos 30 e 40 anos.99
Verifica-se também, uma preocupação, em alguns setores da sociedade, com a alimentação enquanto um veículo de garantia de boa saúde. Para alguns isso pode parecer contraditório.100 Para outros isso é uma resposta que reflete a insatisfação que antes era apenas de uma minoria, e que passou a ser de um número crescente de pessoas que se opõem ao atual padrão de desenvolvimento, voltado para o lucro em detrimento da vida. O medo do colesterol é uma mania até no Brasil.101

3. Reflexões sobre o caso do Brasil

3.1. A urbanização acelerada

A urbanização e a crescente metropolização de algumas cidades brasileiras são características que permitem estabelecer algum grau de comparação com os países desenvolvidos. A tendência, observada naqueles países, de consumir produtos com um grau de industrialização cada vez maior, apresenta inúmeros reflexos no Brasil.
Os aspectos ligados à urbanização no Brasil, quais sejam, a grande velocidade deste processo, bem como a procura pelas grandes cidades, propiciaram mudanças profundas na alimentação de grande parte da população brasileira.
Desde 1940 tem crescido o número de famílias que, dadas as condições de vida do meio rural, tem procurado as cidades para se estabelecer.102 Porém entre os anos de 1960 e 1990, este processo foi mais rápido. “A proporção de pessoas residindo em área urbana aumentou de 45% para 75%”.103
É importante lembrar que neste período a indústria brasileira conheceu o seu maior florescimento. A década de 60 é apontada como sendo o período em que o país passa a contar com importante estrutura industrial, no bojo de uma política desenvolvimentista que objetivava implantar indústrias pesadas e de consumo durável.104
Na transição para a economia industrial moderna o Brasil, assim como o México, produziu burocracia, corrupção e desperdício, porém a taxa de crescimento anual nestes dois países foi de 7% durante décadas. O Brasil foi durante muito tempo lembrado por seus governantes como a oitava potência mundial e não pela sua vergonhosa distribuição de renda, uma das piores do planeta.105 Apesar da renda nacional mais que triplicar de 1960 a 1990, os contrastes sociais aumentaram. A sociedade brasileira carrega hoje um triste recorde: é considerada a mais desigual do mundo.106
industrializada, por tudo o que é rotulado como artesanal e não processado em grande escala, a valorização da produção doméstica e o vegetarianismo”. R. W. D. Garcia, op.cit.,p.158.
A partir deste período e principalmente durante as décadas de 70 e 80 a urbanização se intensificou. Isso resultou em transformações da estrutura social, na formação de metrópoles nacionais e na “conformação de uma base de trabalhadores urbanos”.107
O processo de urbanização é um fenômeno que vem ocorrendo no mundo todo. Na segunda metade do século XX as cidades tornaram-se o local de moradia para 42% da população mundial.108 Para Eric Hobsbawm, a morte do campesinato é “a mudança social mais impressionante e de mais longo alcance da segunda metade deste século, e que nos isola para sempre do mundo do passado. Pois desde a era neolítica a maioria dos seres humanos vivia da terra e seu gado ou recorria ao mar para a pesca”.109
O caso específico do Brasil distingue-se pela rapidez do seu processo, refletindo-se na ocupação desorganizada do espaço urbano. “Estima-se que, entre 1960 e 1980, cerca de 30 milhões de pessoas deixaram as áreas rurais em busca de áreas urbanas”.110
No início do século e até o fim da II Guerra Mundial, os assalariados utilizavam as “pensões familiares” e os restaurantes populares. Havia inúmeros restaurantes anexos a cafés ou bares.111
O mercado de trabalho nas grandes cidades trouxe como conseqüência o aumento da distância entre o local de moradia e o do trabalho. Apesar da melhoria no sistema de transportes, a rigidez nos horários de refeição não possibilitam grandes deslocamentos. Isso tornou o hábito de fazer as refeições fora de casa uma necessidade crescente.
O fast-food tornou-se assim uma alternativa rápida de refeição, porém na maior parte das vezes carecendo de aporte nutritivo. Em busca de solucionar o problema do tempo, passou a satisfazer minimamente as exigências do paladar, resultando, pois, no sacrifício do prazer gustativo.

3.2. A expansão do fast-food no Brasil

A expansão dos serviços de alimentação do tipo fast-food está ligada a uma demanda crescente, por parte da população, de rapidez a baixo custo e de uma suposta qualidade. De modismo, esta passou a ser a opção permanente para um número crescente de consumidores urbanos.
Desta forma, a cadeia de lojas Mc Donald’s cresceu e com ela outras cadeias de lojas de refeições rápidas. Hoje observa-se não só a venda de hambúrgueres, mas de pizzas, de cachorro-quente, etc. Ao mesmo tempo aumentou o consumo de bebidas refrigerantes e molhos artificiais industrializados, produtos lácteos e sorvetes.
O consumo de hambúrguer no Brasil iniciou-se com a rede de lanchonetes Bob’s, na década de 50, em Copacabana. Cabe aqui uma ressalva. Na França o início dos fast-foods é bem posterior, quase vinte anos mais tarde. Os jovens eram, no início, o principal grupo alvo.112 Progressivamente as crianças foram também captadas para este mercado. Hoje um instrumento de marketing do Mc Donald’s é um palhaço.
Apesar do consumo alimentar ser ainda um tema pouco explorado no Brasil, algumas pesquisas apontam para uma mudança no padrão alimentar do brasileiro. Percebe-se um aumento do consumo da alimentação industrializada.

3.3. As políticas estatais e a mudança de hábitos alimentares no Brasil

A política de alimentação e os restaurantes para trabalhadores na década de 40 resultaram numa transformação dos hábitos.113 Os bandejões, inicialmente uma novidade, depois tornaram-se a forma mais comum de servir os alimentos nos restaurantes das empresas que atendiam seus funcionários.
A utilização de produtos formulados industrialmente nos programas oficiais do governo, como por exemplo, a sopa desidratada e o milk-shake, à base de soja114, são exemplos claros de como a política do governo brasileiro esteve muitas vezes voltada para os interesses das grandes indústrias de alimentos.
A ajuda alimentar dos países desenvolvidos ao Terceiro Mundo também foi responsável por alterar os hábitos regionais.115 O programa “Alimentos para a Paz”, desenvolvido pelos Estados Unidos, foi apresentado como uma forma de melhorar a alimentação do brasileiro. O trigo e o leite em pó foram doados à população na década de 50. Na realidade, percebeu-se que para os Estados Unidos era importante encontrar um escoamento de sua produção excedente, pois do contrário os preços baixariam. Além disso, este programa “obteve o desejado efeito de aumentar enormemente os mercados comerciais norte-americanos para o exterior”.116
Estes dois produtos foram incorporados aos hábitos da população tornando-a dependente destes alimentos. Em troca, a população reduziu o consumo de produtos tradicionais da dieta como a mandioca e o milho. O governo brasileiro também incentivou o consumo do trigo durante o período em que subsidiou seu preço para o consumo da população.
Não apenas a cultura alimentar foi alterada, mas ainda a alimentação foi empobrecida já que trigo branco carece de nutrientes encontrados no milho e na mandioca. Num país onde a fome ainda é um sério problema de saúde pública, isso veio agravar a situação de grande parte da população. Além disso, o consumidor paga mais. O preço de um pão francês, por exemplo, é proporcionalmente maior que o do mingau de fubá. É interessante observar que já se sugeriu introduzir o milho no preparo do pão comercializado, pois o preço poderia ser reduzido. Entretanto parcelas da população foram absolutamente contrárias a esta medida. Defendiam o trigo sem saber o quanto ele é recente na história alimentar do país.
A política do governo, na área do abastecimento alimentar, estimulou a introdução dos supermercados no Brasil. Ora, esse fato foi responsável, em grande medida, pela piora no sistema de abastecimento da periferia.117 Além disso os novos produtos por ele veiculados passaram a seduzir um número crescente de consumidores. O fato da aquisição de alimentos ser efetuada, cada vez mais, em grandes redes de supermercados, associado ao apelo publicitário via televisão, são alguns dos motivos que desencadearam uma maior uniformidade nas compras e nos hábitos alimentares.118

3.4. Algumas evidências na mudança alimentar do brasileiro

Com a velocidade da informação ao nível global, percebe-se que a expectativa de consumo de um habitante do Terceiro Mundo está cada vez mais próxima do que é consumido nos países desenvolvidos.
É hoje um fenômeno recorrente no Terceiro Mundo a tendência a imitar os países consumistas mais desenvolvidos no desejo de adquirir bens industriais e conforto como carros, televisores e outros objetos, fato que leva às vezes ao sacrifício de gastos essenciais para o financiamento de gastos secundários.119
No Brasil, assim como na maioria dos países não desenvolvidos, as pesquisas sobre o consumo alimentar são escassas.
Na década de 70 foi realizado o Estudo Nacional da Despesa Familiar.120 O ENDEF, primeiro inquérito no território nacional, verificou que, guardadas algumas particularidades regionais, o hábito alimentar do brasileiro era muito semelhante de Norte ao Sul do país.121 Este estudo pôs por terra alguns axiomas que procuravam afirmar que a fome da população brasileira era oriunda de falta de conhecimento técnico, ou seja, que a população não saberia se alimentar. Concluiu-se que a proporção de proteína consumida era muito semelhante em todos os extratos sociais, ou seja, a qualidade da dieta não mudava nos diferentes níveis socioeconômicos. O problema residia na quantidade dos produtos consumidos, que eram menores nos extratos com menor capacidade de consumo. A cesta básica naquele momento era composta por poucos produtos e, na sua maioria, não industrializados.122
Além deste estudo, ao nível nacional, temos mais duas Pesquisas de Orçamento Familiar (POFs). A primeira, realizada entre 1961 e 1963, e a segunda entre 1987 e 1988. Mondini e Monteiro, analisando os dados destas três pesquisas chegaram a importantes conclusões a respeito do padrão alimentar da população urbana nas últimas três décadas.123 Pode-se dizer que mudanças significativas ocorreram na composição do cardápio do brasileiro. Acompanhando mudanças que ocorreram não apenas nos países desenvolvidos mas, recentemente, até em outros países em desenvolvimento, o Brasil apresenta a tendência de “reduzir o consumo de cereais e tubérculos, de substituir carboidratos por lipídios e de trocar proteínas vegetais por proteínas animais”.124 Nos países desenvolvidos, estas mudanças na alimentação estão associadas ao aumento não apenas da obesidade mas de diferentes doenças crônicas degenerativas.125
Quanto às gorduras, observou-se uma substituição daquelas de origem animal pelas de origem vegetal. A banha de porco e o toucinho deram lugar ao óleo de soja, a manteiga foi substituída pela margarina. A ingestão de fibras parece que ficou prejudicada tendo em vista a redução no consumo de feijão e cereais e a permanência do alto consumo de açúcar.126
Em 1996, o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, o INAN, em conjunto com universidades brasileiras, decidiu realizar uma ampla pesquisa sobre o consumo alimentar brasileiro, o “Estudo Multicêntrico sobre Consumo de Alimentos”.127 Naquele período, foi levantado o consumo alimentar em
cinco cidades brasileiras: Campinas, Curitiba, Goiânia, Ouro Preto e Rio de Janeiro. Esta pesquisa vem comprovar que o tradicional prato de arroz e feijão não tem mais a mesma aceitação entre a população brasileira. Apesar de continuar como a base da dieta nacional seu consumo diminuiu em 30% nos últimos vinte anos. “O novo cardápio nacional agora inclui carne, frango, salsicha, maionese, mortadela, leite e ovos”.128
Houve um aumento na quantidade de proteína ingerida, com uma diminuição na quantidade dos carboidratos. “De acordo com os números levantados pela indústria alimentícia, salsichas e presunto engordaram suas vendas em 50% nos últimos dois anos”.129 Percebeu-se também que o refrigerante é um dos dez produtos alimentares mais consumidos, fazendo parte da cesta básica do brasileiro.130 Só no Rio de Janeiro o aumento no consumo de refrigerante foi de 268% nos últimos vinte anos.
Como muitos estudos já demonstraram, quando há uma melhoria na renda se consome mais gordura e mais carne. Para M. A. Galeazzi “sempre que aumenta a renda de um grupo, seu padrão de consumo tende a ficar parecido com o do segmento mais rico, mesmo quando nenhum outro hábito se altera”.131
Com a estabilização da moeda, que permitiu maior planejamento de compras132, os brasileiros de todas as classes estão consumindo uma variedade maior de alimentos, porém isso não significa dizer que houve uma melhora qualitativa da dieta.133 Percebe-se que alguns produtos como “cereal matinal, creme de leite e refrigerantes tiveram aumento de consumo espantoso, especialmente entre as classes sociais mais baixas”.134 É interessante observar que alimentos in natura como os legumes e as frutas continuam com consumo reduzido: apenas 44% dos brasileiros diz comer frutas e 58%, legumes. Segundo Maria A. Galeazzi, “os brasileiros adequam sua alimentação de acordo com o poder aquisitivo e a oferta de mercado ... o efeito do que se come na saúde é uma idéia que ainda não direciona as compras. São poucos os que se preocupam”.135
O aumento de consumo de refrigerantes e embutidos, que têm marketing muito agressivo, ou mesmo dos laticínios, que, além da propaganda maciça, também tiveram redução de preço nos últimos anos, permite dizer que a propaganda, aliada ao bom preço, tem sido eficaz na mudança de hábitos do brasileiro. À margem do consumo durante décadas, alguns setores mais pobres estão exercendo seu poder de compra, talvez buscando para além da praticidade, o status que estes produtos industrializados lhes fornece.
Outra revelação deste estudo é que o brasileiro das grandes cidades está seguindo a tendência mundial, que para alguns pode ser chamada “padrão americano”, traduzida em comer mais, aumentar a proporção da gordura ingerida e adotar o hábito de comer fora de casa. Em relação à utilização de refeições rápidas, só nesta década, esse mercado cresceu 30%. Mas o problema pode ser ainda maior. Cada vez mais o fast-food invade também os lares brasileiros.
O consumo doméstico de hambúrgueres, pratos prontos, aves e carnes congeladas cresceu surpreendentes 70% em apenas dois anos. ... as vendas de massas tradicionais caíram... enquanto as de massas instantâneas dispararam. ... a macarronada está sendo substituída pelo Miojo. ... A sopa pronta que recebe o nome de sopão teve aumento de 140% entre 1994 e 1995, apenas entre as classes C e D.136
O novo padrão alimentar do brasileiro traz uma conseqüência bastante desagradável. Observa-se que a obesidade está se tornando um importante problema de saúde publica.137 Entre os anos de 1974 a 1988 o aumento da prevalência da obesidade em adultos que vivem em grandes áreas urbanas foi em torno de 50% a 70%.138
A questão que gostaríamos de trazer à luz diz respeito às razões pelas quais o fast-food penetrou no hábito do brasileiro de forma mais rápida e intensa que em outros países.139 É notória a tendência da maioria dos brasileiros de importar modelos de consumo, até porque a valorização da nossa cultura, em geral, nunca foi um objetivo a ser alcançado. Apesar do papel central da comida na cultura de qualquer país, percebe-se que grande parte dos brasileiros desconhece as tradições brasileiras. “No Brasil, as pessoas não sabem aproveitar materiais básicos da nossa culinária. As frutas estrangeiras, por exemplo, acabam sendo mais valorizadas porque os brasileiros tentam imitar o modelo europeu”.140
As elites do país nunca prestigiaram as expressões da arte brasileira. Segundo Darcy Ribeiro, “a maior prova de que a elite não cuida da cultura reside no fato de o Brasil só ter expressão no mundo por meio da sua música e do futebol”.141 Estas atividades talvez puderam se desenvolver tendo em vista estarem tão presentes no imaginário popular que prescindiram de investimentos públicos. Para entender um pouco a cultura alimentar brasileira e a quase uniformidade de preferências em todas as classes sociais, é interessante atentar para a expressão que diz: “As vezes mais difícil que enriquecer é acostumar-se aos queijos e vinhos da nova vida social”.142
A sensação de empanturramento, também muito presente em nossa cultura, é alcançada facilmente com estes lanches altamente gordurosos. Um lanche típico no Mc Donald’s representa mais da metade das calorias e das gorduras necessárias numa dieta de 2.000 calorias.
O consumo de hambúrguer também foi bem recebido tendo em vista o valor que o brasileiro deposita na carne. Inúmeros estudos comprovam que a carne no Brasil tem um valor inestimável, em todas as classes sociais. O clássico estudo de Antônio Cândido sobre o caipira paulista revelou que a fome psíquica, ou seja, o desejo do homem rural era voltado para a carne, em primeiro lugar. Depois vinha o pão e, em menor grau, o leite.143 Alba Zaluar definiu que, para as classes menos favorecidas, poder comer carne todos os dias significava ser rico. Assim, a carne além de representar prestígio social, era considerada um alimento forte e bom para a saúde.144 Nesta mesma linha apontou o trabalho de Ana M. Canesqui. A carne, os ovos e o leite foram apontados como as comidas mais fortes, o que lhes conferia o poder de fortificar o organismo, e não simplesmente a capacidade de encher a barriga.145
Percebe-se que desde os anos 70 o sistema industrial de alimentos se impõem como regime alimentar cada vez mais predominante no Brasil. Para John Wilkinson, as mudanças no sentido da industrialização, verificadas no Brasil, têm sido pior para os pobres. O alimento é cada vez mais um artigo de luxo numa lógica em que a sofisticação é a idéia basilar.146
Segundo George Martine, os defensores do atual modelo de modernização agrícola brasileiro trabalhariam com a expectativa de que a população urbana adquirisse novos hábitos alimentares e aprendesse a consumir os produtos industrializados gerados pelas cadeias do complexo industrial.147
Por outro lado, o consumo de feijão e de farinha, alimentos que foram a base do cardápio da grande maioria da população desde o século 17, reduziu-se nos últimos dez anos. “O consumo anual de feijão caiu de 11,8 Kg para 9,9 Kg por brasileiro. E a farinha de mandioca ocupa o 38º lugar no mercado alimentar”.148
Dados recém divulgados da última POF (Pesquisa de orçamentos familiares), revelam que o pão francês consome 7,2% de todo o dinheiro gasto pelas famílias brasileiras com alimentação em casa. “Todo mês, uma média de R$ 11,96 sai da carteira do chefe da família para o caixa da padaria. Multiplicando-se esse valor pelo número de famílias das principais cidades brasileiras, descobre-se que o pão francês é responsável pelo maior mercado alimentar do país: R$ 1,8 bilhão por ano. O peso do pãozinho no bolso do brasileiro vem aumentando ao longo do tempo. Desde 1987, a fatia do pão francês no orçamento das famílias brasileiras cresceu 30%”.149 Em média, 17,4 Kg de pão são consumidos por habitante ao ano, só perdendo para o arroz, que detém um consumo anual de 25 Kg por habitante. Este pãozinho recebeu este nome não porque seja igual ao francês que é a baguette mas porque é o da padaria, artesanal, feito por padeiros, num estilo europeu. Diferentemente do pão industrializado, comercializado nos Estados Unidos, onde a máquina substituiu o homem neste ofício. Na Europa (com a exceção da Inglaterra) o pão acompanha a maior parte dos pratos como por exemplo as carnes, os legumes e os queijos na França. No Brasil tudo indica que, progressivamente, a refeição da noite está sendo substituída pelo “lanche” que tem no pão seu principal componente, acompanhado de embutidos e refrigerantes.
Assim sendo, a alimentação do brasileiro, ao contrário do que supõem alguns, está incorporando progressivamente as novidades criadas pela indústria. Parece certo que a população das grandes cidades está mais propensa a estas transformações e nestas, são as crianças as mais afetadas, através dos biscoitos, dos chips e dos iogurtes infantis. Apesar destas mudanças serem um fato no mundo todo, parece que no Brasil elas encontram uma facilidade maior para ocorrer. A cultura brasileira, desde o período colonial, parece apreciar com bons olhos tudo o que vem de fora o que não parece ocorrer, na mesma proporção, com os artigos nacionais.

4. Conclusão

Parte-se do pressuposto de que no processo de construção do conhecimento o consenso não pode ser alcançado. Além disso, acredita-se que todo fim leva a um novo começo.150 Assim, esta pesquisa não pretendeu, em nenhum momento, esgotar o assunto. Almejou-se tão somente, lançar as preocupações oriundas da prática profissional, que emergiram nos últimos dez anos, procurando contribuir com o debate científico.
A primeira questão importante a ser lembrada é que o paradigma moderno difundiu-se no mundo todo, inclusive nos países subdesenvolvidos. O Brasil das grandes cidades, apresenta valores e desejos de consumo semelhantes aos dos países desenvolvidos. O fast-food penetrou o cotidiano das metrópoles brasileiras vinte anos mais cedo que na França. Lá, a tradição gastronômica construída ao longo de séculos é um dos símbolos nacionais, fato que dificultou a entrada dos produtos símbolos da modernidade.
No Brasil, a mentalidade, escrava do tempo, tem difundido o uso dos congelados, dos enlatados, do microondas e do refrigerante. As novidades da indústria alimentar conquistam novos consumidores todos os dias. A propaganda televisiva tem um papel decisivo neste processo. Na década de 80 o número de lares brasileiro que possuíam televisão chegava à 80%.151 O aumento do consumo de carne pode refletir a necessidade do brasileiro de mostrar certa ascensão social.152 Para grande parte da população, que sempre viveu à margem do consumo, a carne ainda continua sendo o alimento que mais demonstra a condição econômica. Talvez seja o alimento mais desejado pelo brasileiro, pois é dos que causam maior sensação de saciedade. A redução do consumo de feijão e de farinha de mandioca, bem como o crescimento do consumo do pão francês apontam para um novo hábito que vem crescendo, o “lanche”. Aparece, talvez, como substituto do jantar.
Percebe-se, porém, ainda que de forma muito restrita, uma nova preocupação com a saúde. A partir daí, também com a qualidade do alimento. Num mundo em que a informação chega aos lugares mais inóspitos, compreende-se que a massificação ocorra em dois sentidos. Por um lado, a procura por alimentos de fácil preparo e, por outro, a necessidade, ainda tímida, de cuidar melhor das escolhas alimentares, buscando produtos de maior qualidade.
Para concluir, é necessário frisar que o hábito de consumir produtos cada vez mais industrializados é uma marca da modernidade. É uma tendência mundial. Faz parte do fenômeno da globalização. Porém, percebe-se que os produtos industrializados têm no Brasil uma facilidade maior para conquistarem espaço. A cultura da quantidade e não do sabor, a ausência de uma tradição ligada à gastronomia, que aqui é vista como um luxo, e não uma arte, como a música ou a pintura, favorecem a introdução de novos produtos que têm status, principalmente junto aos mais jovens.

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NOTAS

3 Este autor alerta para a necessidade dos estudos procurarem estabelecer análises rigorosas dos aspectos socioculturais envolvidos em cada caso concreto, evitando conclusões precipitadas ou generalizações indevidas. Neste sentido afirma que apesar da tendência da civilização industrial ocidental em estender-se para todo o mundo, isso não pode ser encarado como uma verdade, a priori. Igor de Garine, “Los aspectos socioculturales de la nutrición”, in: Jesús Contreras, (Org.) Alimentación y cultura. Estudi General. Ciències humanes i socials; 3, Universitat de Barcelona, Barcelona, 1995, p. 129.
4 “Manual for the Study of Food Habits”, citado por Igor de Garine, in: ibid., p.130.
5 A. Leroi-Gourhan, Le Geste et la Parole: la memoire et les rythmes, citado por Igor de Garine, ibid., p.130. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 3
6 João Chagas, “Viagem ao redor de um almoço”, in: L. da C. Cascudo (org.), Antologia da alimentação no Brasil. Citado por Cláudio de M. Castro & M. Coimbra (org.) O problema alimentar no Brasil. São Paulo, Ed. da Unicamp/Almed, 1985, p.203.
7 Jesús Contreras, op. cit., p.19.
8 Mary Douglas, “Las estruturas de lo culinario”, in: Jesús Contreras, op. cit., p. 171 e Jesús Contreras, op. cit., 1992, p.99.
9 N. Elias, O processo civilizador. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1994, V.I, p. 124 e R. W. D. Garcia, “Representações sociais da comida no meio urbano: um estudo no centro da cidade de São Paulo”. São Paulo, USP/IPS, 1993, Dissertação de Mestrado, p.171.
10 “Perspectivas antropológicas sobre la dieta”, in: Jesús Contreras, op. cit., p.42.
11 “O Brasil vai à mesa”, Superinteressante, Ano 5, n.6, junho, 1991, p.22-35.
12 Ibid., p.22.
13 Jesús Contreras, op. cit., 1992, p.101.
14 Marshall Sahlins, Cultura e razão prática. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979, p.190-199.
15 Jesús Contreras, op. cit., 1992, p.99. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 4
16 Cláudio de M. Castro & M. Coimbra, op. cit., p.202.
17 Para descrever como uma experiência do paladar pode estar impregnada pela memória, Garcia foi muito feliz ao utilizar o “episódio das madalenas”, do romance Em Busca do Tempo Perdido - No Caminho de Swann, de Proust. R. W. D. Garcia, op. cit., p.2.
18 J.-L. Flandrin, “A distinção pelo gosto”, in: Roger Chartier (org.), História da vida privada, 3. Da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p.275.
19 Jesús Contreras, op. cit., 1992, p. 98 e Igor de Garine, op. cit., p.129.
20 Jesús Contreras, op. cit., p.9.
21 Jesús Contreras, op. cit.,1992, p.100 e op. cit., p.130.
22 Claude Fischler, L’homnivore. Paris, Éditions Odile Jacob, 1993, p. 155. Sobre a incapacidade de algumas pesquisas em captar a específica racionalidade dos hábitos alimentares e, portanto, a tendência a não compreensão destes, ver também Jesús Contreras, op. cit., p.10.
23 Op. cit., p.11. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 5
24 Segundo este autor, os fatos que estão ligados à alimentação e que apresentam enorme significado do ponto de vista sociocultural e que, em última análise, orientam as escolhas dos consumidores, são sutis a ponto de parecerem imperceptíveis, na maior parte dos casos, aos nutricionistas, economistas e estatísticos. “Pour une psichologie de l’alimentation contemporaine.” Citado por Jesús Contreras, op. cit., p.11-13.
25 Um estudo bastante interessante, publicado em 1979, chegou a conclusão de que em nossa sociedade moderna, a alimentação apresenta no mínimo vinte usos diferentes. Destes, somente um estava ligado a nutrição: 1) Satisfazer a fome e nutrir o corpo; 2) Iniciar e manter relações pessoais e de negócios; 3) Demonstrar a natureza e a extensão das relações sociais; 4) Propiciar um foco para as atividades comunitárias; 5) Expressar amor e carinho; 6) Expressar individualidade; 7) Proclamar a distinção de um grupo; 8) Demonstrar pertencer a um grupo; 9) Reagir ao stress psicológico ou emocional; 10) Significar status social; 11) Recompensas ou castigos; 12) Reforçar a autoestima e ganhar reconhecimento; 13) Exercer poder político e econômico; 14) Prevenir, diagnosticar e tratar enfermidades físicas; 15) Prevenir, diagnosticar e tratar enfermidades mentais; 16) Simbolizar experiências emocionais; 17) Manisfestar piedade ou devoção; 18) Representar segurança; 19) Expressar sentimentos morais; 20) Significar riqueza.” M. A. Baas; L. M. Wakefield; e K. M. Kolasa; Community nutrition and individual food behaviour. Citado por Jesús Contreras, op. cit., p.16-17.
26 Jesús Contreras, ibid., p.99.
27 Claude Fischler, “Gastro-nomie et gastro-anomie: sagesse du corps et crise bioculturelle de l’alimentation moderne”, citado por Jesús Contreras, op. cit., 1992, p.101.
28 Dorothy N. Shack, “El gusto del catador: determinantes sociales y culturales de las preferencias alimentarias”, in: Jesús Contreras, op. cit., p.124.
29 S. Katz, “Food, behavior, and biocultural evolution”. S, Katz; M. L. Hediger; L. A. Valleroy, “Traditional maize processing techniques in the New World”. C. Ritenbaugh, “Human foodways: A window to evolution”. D.E. Yen, Indigenous food processing in Oceania. Citados por Ellen Messer, “Perspectivas antropológicas sobre la dieta”, in: Jesús Contreras, op. cit. p.41. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 6
30 “Repartition géographique des fonds de cuisine en France”, citado por Claude Fischler, op. cit., p.151.
31 Claude Fischler, op. cit., p.152-154.
32 M. Aymard, “Dietary Changes in Europe From 16th to 20th Century, With Particular Reference to France and Italy”, citado por Claude Fischler, op. cit., p.156.
33 Claude Fischler, op. cit., p.156.
34 Eric Hobsbawm, Era dos Extremos. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p.328.
35 Ibid., p.318.
36 Aceita-se que as mudanças na direção de uma ‘dieta ocidental’ (dieta rica em gorduras, especialmente as de origem animal, açúcar e alimentos refinados e reduzida em carboidratos complexos e fibras) iniciaram-se nos Estados Unidos, de forma lenta, ainda na segunda metade do século XIX e durante o século XX. Estas mudanças nos países em desenvolvimento, ocorreram há bem menos tempo. Em contrapartida, nestes países elas foram significativamente mais rápidas. C. A Monteiro et alii, “Da desnutrição para a obesidade: a transição nutricional no Brasil”. In: C.A Monteiro, op. cit., p.247. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 7
37 “Assumia-se tacitamente agora que o mundo consistia em vários bilhões de seres humanos definidos pela busca de desejo individual, incluindo desejos até então proibidos ou malvistos, mas agora permitidos, não porque se houvessem tornado moralmente aceitáveis, mas porque tantos egos os tinham”. Ibid., p.327.
38 Se o consumo de pratos tradicionais ainda persiste em inúmeros pontos do globo isso se deve em grande medida ao status social ligado a “alta cultura”. Bourdieu, em La distinction, analisou o uso da cultura como sinal de classe. Citado por E. Hobsbawm, ibid., p.495. Sobre a ausência de “bom gosto” no mercado de massa, bem como a ausência da noção de qualidade nos julgamentos pós-modernos, Hobsbawm tem este exemplo pitoresco: “Um joalheiro britânico que produzia para o mercado de massa criou um escândalo ao dizer numa conferência de homens de negócios que seus lucros vinham da venda de merda a pessoas que não tinham gosto melhor para nada”. Ibid., p.502.
39 Citado por Jesús Contreras, op. cit., 1992, p.104.
40 Op. cit. 1992, p.104.
41 F. M. Lappé, Dieta para um pequeno planeta. São Paulo, Global, 1985, p.139.
42 Alain Touraine, Crítica da modernidade. Petrópolis, Rio de Janeiro, Vozes, 1995, p.392.
43 F. M. Lappé & J. Collins, Food First. Citado por F. M. Lappé, op. cit., p.109. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 8
44 Jacques Chonchol, “O modelo de alimentação dos países industrializados”, in: M. C. de S. Minayo, (org.), Raízes da fome. Rio de Janeiro/ Fase, Petrópolis/ Vozes, 1985, p.99.
45 Segundo Lappé, a maioria dos americanos na década de 80 já comia duas vezes a quantitade de proteína que seus organismos poderiam utilizar. Frances Moore Lappé, op. cit., p.30, 32, 41 e 114.
46 Lappé cita o exemplo de uma propaganda utilizada por uma empresa nos Estados Unidos: “Compre nossa carne, quando quiser impressionar o seu cunhado”. Ibid., p.110.
47 Op. cit., p.205.
48 Ibid., p.206.
49 Nos Estados Unidos, por exemplo, o total de calorias oriundas das gorduras cresceu 31% entre os anos 1910 e 1976. Neste ano observou-se que 42% das calorias vinham das gorduras. Ora isso fez com que os hidratos de carbonos complexos (cereais, principalmente) tivessem uma queda assustadora neste mesmo período. Em 1976 somente 21% do total das calorias eram provenientes deste grupo alimentar. Isso representou uma queda de 43% em apenas seis décadas. Mas o produto que mais aumentou neste período foi, sem dúvida, o açúcar. Seu aumento foi de 50% neste período, ou seja em 1976 ele entrava com 18% do total das calorias absorvidas. Jane Fonda, Ma méthode. Paris, Éditions du Seuil, 1982, p.35.
50 Eric Hobsbawm, op. cit., p.260. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 9
51 Com este nome estão inúmeras iguarias caracterizadas pela sofisticação e detalhe, feitas a partir das cebolas, dos aipos, dos cogumelos, das beringelas, dos ovos de tainha, das sardinhas, etc., utilizando o processo de conserva em vinagre ou de defumação. Os pães de queijo ou as frituras de camarão muito utilizados atualmente como ‘tira-gostos’, não lembram o espírito de leveza que acompanhava aqueles. Jean-François Revel, op. cit., p.314-318.
52Ibid., p.319.
53Era assim designado tudo o que brota debaixo da terra, como a canoura, o nabo, o aipo, a cebola, o alho-poró e o rabanete entre outros. Ibid., p.320.
54Ibid., p.321.
55Ibid., p.322-323.
56 R. W. D. Garcia, op. cit., p.129-157. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 10
57 F. M. Lappé, op. cit., p.69.
58 Jacques Chonchol, op. cit., p.96.
59 Dorothy N. Shack, op. cit., p.117.
60 Jesús Contreras, op. cit., p.12.
61 Ibid., p.131
62 Citado por Jésus Contreras, op. cit., p.17 e 18.
63 Nicola Charles y Marion Kerr, “Es así porque es así: diferencias de género y de edad en el consumo familiar de alimentos”, in: Jesús Contreras, op. cit., p.200.
64 Claude Fischler, op. cit., p.172.
65 Ibid., p.173.
66 “Actitudes de los adolescentes hacia la comida”, in: Jesús Contreras, op. cit., p.219- 237.
67 Claude Fischler, op. cit., p.224. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 11
68 O primeiro slogan fez parte da campanha de 1966 a 1971; o segundo corresponde à de 1977 a 1982. (“Coca-cola tem nova campanha”, Jornal do Brasil, 03/05/97, p.19).
69 T. Oliver, The real Coke.: the real story. Citado por Claude Fischler, op. cit., p.170.
70 Mark Pendergrast, Por deus, pela pátria e pela Coca-Cola. Rio de Janeiro, Ediouro, 1993, p.375.
71 Op. cit., citado por Jesús Conteras, p.20.
72 Op. cit., p.20.
73 Igor de Garine, op. cit., p.152.
74 Marília F. Tavares, “Modelagem de um sistema de informações gerenciais para estabelecimentos comerciais do tipo Fast-food: previsão e controle de custos.” Niterói, UFF/CPA, 1995, Dissertação de Mestrado, p.17-31. Segundo E. Hobsbawn, “(...) o Mc Donald’s foi uma história de sucesso do pós guerra”, op. cit., p.259.
75 “A junk-food é um tipo de comida característica dos adolescentes norte americanos. ... Deve ser considerada dentro do contexto de uma experiência social que inclui música, ruído e companhia. Na medida em que, nas comidas estruturadas ou regulares, estes elementos estão ausentes, os teenagers entendem que a ‘experiência social’ está negada”. O hábito alimentar típico dos adolescentes norte-americanos é baseado em hambúrguer, pizza, batata-frita e refrigerante. Jesús Contreras, op. cit., p.11. 76 J. F. Love, Mc Donald: a verdadeira história do sucesso, citado por Marília F. Tavares, op. cit., p.27.
77 “Em quase toda categoria alimentar, apenas quatro corporações controlam pelo menos dois terços das vendas. Para alguns alimentos, o poder de monopólio é muito maior: três corporações (Kellogg’s, General Mills e General Foods) apreendem mais de 90% das vendas de cereais para o desjejum americano”. Impac of market on rising food prices, citado por F. M. Lapeé, op. cit. p.62.
78 Mario Gonzáles, “Mc Donald’s ganha batalha no Equador”, Correio Braziliense, 14/09/97, p.28.
79 Gilberto Dimenstein, “Adivinhe quem não veio para o jantar”, Folha de São Paulo, 16/11/97, p.22.
80 Para Burkhard, parece certo que o Brasil está sofrendo a influência da conservação dos alimentos, das latarias, e da industrialização, nivelando-o à situação mundial, na qual o nível de uniformidade e perda de qualidade é crescente. G. K. Burkhard, Novos caminhos de alimentação. v. 3, São Paulo, C.L.R. Balieiro, 1984, p.72.
81 Eric Hobsbawm, op. cit., p.192. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 13
82 Para os primeiros, os hiperglobalizantes, Kenichi Omae tem sido apontado como o teórico símbolo. Os segundos, os transformistas, parecem encontrar em Anthony Giddens o seu representante teórico. “Globalização diminui as distâncias e lança o mundo na era da incerteza”, Folha de São Paulo, “Globalização”, Caderno Especial , 02/11/97, p. 2. Anthony Giddens, sobre a extensão deste processo no tempo já dizia: “A modernidade é inerentemente globalizante”. The consequences of modernity. Citado por Stuart Hall, op. cit., p.72.
83 Anthony Mc Grew, “A global society?”, in: Stuart Hall; David Held e Tony Mc Grew (orgs.) Modernity and futures. Citado por Stuart Hall, Identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DP&A Editora, p.71.
84 Citado pela Folha de São Paulo, op. cit., p.2.
85 Folha de São Paulo, op cit., p.12. Sobre as desigualdades oriundas da globalização vale a pena observar o julgamento feito pelo professor Nicos Mouzelis da London School of Economics, no dia 27 de setembro de 1997, no encerramento do Symposium II – The Black Sea in Crisis, na cidade de Tessalonica, na Grécia: “apreciando o desempenho da ordem global neo-liberal, deve-se admitir que nenhuma outra alternativa econômica consegue produzir mais riqueza do que o mercado por ela dominado. Mas também temos de admitir que essa riqueza é perversamente produzida e perversamente distribuída. Pois destroi o meio ambiente e, ao mesmo tempo, exclui a maioria da população dos efeitos benéficos do desenvolvimento. Deste ponto de vista, a ordem neo-liberal constitui um sistema de irresponsabilidade organizada ou um sistema coletivo de cobiça. Um sistema que não só é imoral, mas míope e estúpido”. Citado por Dom Mauro Morelli em sua exposição “Investir em segurança alimentar”, proferida por ocasião do Dia Mundial da Alimentação, 16 de outubro passado, no Seminário Alimentação e Direito Humanos, realizado na Câmara dos Deputados, em Brasília.
86 “Intercâmbio aproxima países e anuncia ‘cultura global’ ”, Folha de São Paulo, op. cit., p.10.
Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 14
87 Ibid., p.10.
88 Op. cit., p.224.
89 W. J. Belasco, “Ethnic Fast-food: the corporate melthingpot”, Food & Foodways. Citado por Claude Fischler, op. cit., p.224.
90 Op. cit., p.226.
91 Liana Sabo, “Culinária, mais difícil que pintar”, Correio Braziliense, 04/10/96, p.5.
92 Ibid., p.5. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 15
93 Jesús Contreras, op. cit., p.10.
94 Adilson Paschoal, “O ônus do modelo da agricultura industrial ”, citado por Eduardo Mazzaferro Ehlers, “O que se entende por agricultura sustentável”, São Paulo, PROCAM/ USP, 1994, p.34.
95 “Morte silenciosa no campo”, Correio Braziliense, 15/11/97, p.6.
96 De acordo com alguns técnicos da área, nos países desenvolvidos estes fatores, associados ainda à calefação das casas, teriam reduzido as necessidades calóricas que são em média de 3.000 calorias, para somente 2.200 no caso dos homens e 1.800 para as mulheres. Observa-se, no entanto, que é nestes países onde se reduziu mais o dispêndio energético que se consome mais calorias, chegando a 4.000 ou 5.000 por habitante ao dia. Jacques Chonchol, op. cit., p.95.
97 Caracteriza-se como obeso o indivíduo cujo peso excede em 20% o recomendado para a sua altura.
98 Segundo Fumento, a obesidade e as doenças a ela relacionadas (doenças do coração, diabetes, certos tipos de câncer) estão ultrapassando o fumo em número de mortes. Para o autor, a indústria e também o governo têm grande parcela de responsabilidade neste problema. Os americanos são levados a acreditar que ficarão magros comendo produtos com baixa gordura. Na verdade, não é explicitado que podem engordar somente comendo qualquer coisa em excesso. “Graças a refrigerantes, biscoitos, balas e salgadinhos (com o rótulo “low fat” ou pouca gordura), os americanos agora consomem, em média, 250 gramas de açúcar por dia”. Michael Fumento, citado por Mary Dejevsky, “Obesidade ameaça a saúde pública”, Folha de São Paulo, 16/11/97, p.22.
99 W. Caldas, Uma utopia do gosto. Citado por R. W. D. Garcia, op. cit., p.158. Como já foi dito anteriormente a palavra natural, assim como natureza, são objetos de múltiplas definições. Para Garcia o gosto pelo natural envolve a apreciação “pela comida não Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 16
100 Ibid., p.194.
101 “Nas representações sociais as gorduras, indistintamente saturada e insaturada, e o colesterol são alvo na busca de uma alimentação saudável”. Ibid., p.193
102 “Em 1940, 12,8 milhões de pessoas residiam em cidades, em 1980 essa população já ultrapassava os 70 milhões” Neide L. Patarra, “Mudanças na dinâmica demográfica”, in: Carlos A. Monteiro (org.), Velhos e novos males de saúde no Brasil. São Paulo, Hucitec /NUPENS/ USP, 1995, p.67.
103 C. A Monteiro et alii, “Da desnutrição para a obesidade: a transição nutricional no Brasil.” In: C.A Monteiro, op. cit., p.248.
104 Ibid., p.67-68. A economia brasileira sofreu, neste período, mudanças profundas na sua estrutura. A participação do setor rural (primário) no Produto Interno Bruto (PIB) declina de 17,8% em 1960 para aproximadamente 7% em 1989. Em contrapartida, os setores secundário e terciário contribuíram com uma participação crescente no PIB. Percebe-se, particularmente, um aumento expressivo do setor terciário (serviços) que cresceu em quase 23% entre 1986 e 1989. MPAS/ CEPAL, A política social em tempo de crise: articulação institucional e descentralização. IBGE, Sistema de contas nacionais consolidadas. IBGE, Contas nacionais. Citado por Roberto Fontes Iunes, “Mudanças no cenário econômico”, in: C. A. Monteiro (org.), op. cit., p.36.
105 O Brasil se tornou neste período o oitavo maior país industrial do mundo não comunista. Por outro lado percebe-se que este desenvolvimento foi injusto pois somente uma elite pode usufruir dele. “Em meados da década de 1980, os 20% do topo da população ficavam com mais de 60% da renda do país, enquanto os 40% de baixo recebiam 10% ou até menos”. World Social Situation. Citado por E. Hobsbawm, op. cit., p.334.
106 World Bank, World Development Report1993. Citado por C. A. Monteiro et alii, op. cit., p.248. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 17
107 C. S. Dedecca & S. M. C. Brandão, Crise, transformações estruturais e mercado de trabalho. Citado por Neide L. Patarra, op. cit., p.68.
108 Population distribution, migration and development. Proceedings of the Expert Group, Hammamet (Tunisia). Citado por Eric Hobsbawm, op. cit., p.288.
109 Op. cit., p.283-289.
110 G. Martine & J. L. Camargo, Crescimento e distribuição da população brasileira: tendências recentes.” Citado por C. A Monteiro, op. cit., p.69.
111 J. L. Benchimol, Pereira Passos: um Haussmann Tropical: a renovação urbana da cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1992; e C. D. de Carvalho, História da cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão Editoração, 1994.
112 “No estômago do homem, no coração da cidade. A ascensão do hambúrguer na era do fusca e do jeans”, Alimentação & Nutrição, São Paulo, v. III, n. 8, p.22-23, abril/jun, 1982. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 18
113 R. Antonelli. “Cozinha industrial: o trabalhador transforma seus hábitos alimentares”. Alimentação & Nutrição. São Paulo, v.VI, n.21, 1985, p.16-22.
114 Estes produtos faziam parte do Programa de Complementação Alimentar, desenvolvido no âmbito da LBA. Era direcionado a crianças até três anos e gestantes.
115 A ajuda alimentar também foi criticada na África, na década de 80. A entrada de produtos alimentares, estranhos ao hábito local, estava criando problemas ao invés e resolvê-los. Um especialista de Gana, o biólogo, Edward Ayensu, chegou a sugerir a suspensão por três anos do envio de alimentos às nações africanas que, naquele período, estavam sendo afetadas pela seca. Para ele, ao invés destes excedentes alimentares proporcionarem algum “desenvolvimento às lavouras locais, adaptadas ao clima a às necessidades da região” estavam, ao contrário, “criando uma ‘perigosa dependência’ em relação a produtos vindos de fora”. “Ajuda alimentar sob suspeita”. Cadernos do Terceiro Mundo n. 80, julho,1985, p.12.
116 Segundo George, “grande parte do mundo depende de produção norte-americana de cereais para suas importações de alimentos, o que significa, no fundo, que dependem da Cargill, da Continental Grain, da Central Soya, da Archer Daniels, da Cook Industries, da Oreyfus e de um punhado de empresas menores. Todas as exportações de cereais dos Estados Unidos (inclusive os Alimentos para a Paz) passam pelas mãos destas empresas”. Susan George, O mercado da fome. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978, p. 130 e 134. Sobre este assunto ver também Miranda Neto, Os lucros da fome. Rio de Janeiro, Dois Pontos, 1985, p. 160 e F.M. Lappé, op. cit., p.112.
117 Miranda Neto, op. cit., p.146.
118 “O Brasil vai à mesa”, op. cit., p.23. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 19
119 Jacques Chonchol, op. cit., p.95.
120 Este estudo foi realizado em 55.000 domicílios de todo o país, de agosto de1974 a agosto de1975, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE, Consumo alimentar; antropometria. Rio de Janeiro, 1977. Estudo Nacional da Despesa Familiar, ENDEF, v. 1: dados preliminares, Regiões I, II, III, IV, V, t.1.
121 Edgard L. G. Alves, “Desnutrição e pobreza no Brasil: alguma evidências”, in: Cadernos de Pesquisa. n. 29, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1979, p.78.
122 Ibid., p.85.
123 Lenise Mondini e Carlos A. Monteiro, “ Mudanças no padrão alimentar”, in: C. A. Monteiro, op. cit., p.79-89.
124 Ibid., p.85.
125 Três estudos realizados nos EUA embasam esta conclusão. US DHHS. Department of Health and Human Service, Surgeon General,’s Report on Nutrition and Health. National Research Concil. Committee on Diet and Helth, Food and Nutrition Board. Commission on Life Sciences, Diet and Health: Implications for Reducing Chronic Disease Risk. Stamler, J. Epidemic obesity in the United States. Citados por Lenise Mondini e Carlos A Monteiro, op. cit., p.85.
126 Ibid., p. 86- 87.
127 Relatório Final, UNICAMP/Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, UERJ/Departamento de Medicina Social, MS/INAN, Campinas, abril, 1997. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 20
128 Flávia Varella, “Cardápio renovado”, Veja, 23/04/97, p.47.
129 Ibid., p.48.
130 O Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de Coca-Cola. É o terceiro maior mercado entre os 200 países onde a empresa opera. “Morre o presidente da Coca-Cola” Correio Brasiliense, 19/10/97, p.25.
131 “Aprendendo a comer”, Superinteressante, Ano 5, n. 7, julho1991, p.61.
132 “O Plano Real deu maior poder aquisitivo aos brasileiros de baixa renda, mas o país continua com a pior distribuição de renda do planeta”. Rodolfo Hoffmann, citado por Claudia de Souza, “País tem pior distribuição de renda do mundo”, Jornal do Brasil, 30/11/95, p.14.
133 Segundo M. A. Galeazzi, uma das coordenadoras desta pesquisa, “apesar da maior variedade e quantidade continuamos nos alimentando mal”. Flávia Varella, op. cit., p.47.
134 Estas conclusões são oriundas da pesquisa feita semanalmente, pelo IBOPE, com 6.000 famílias. Flávia Varella, op. cit., p.48.
135 Ibid., p.48. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 21
136 Ulysses Danté Filho do IBOPE citado por Flávia Varella, op. cit., p.51.
137 Observou-se que de 1974 a 1989 a desnutrição, tanto entre as crianças como entre os adultos, tem diminuido. Por outro lado, na população adulta a obesidade quase dobrou neste intervalo de quinze anos (5,7% para 9,6%). C. A Monteiro et alii, “Da desnutrição para a obesidade: a transição nutricional no Brasil”. In: C.A. Monteiro, op. cit., p.249.
138 Lenise Mondini e Carlos A Monteiro, op. cit., p.86.
139 A primeira casa de lanches rápidos, o Bob’s, instalou-se no Brasil ainda na década de 50, no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. Na França o McDonald’s de Raymond Dayan, foi implantado somente em 1972. A cadeia de fast-food, Quick Hamburger Restaurant, de origem belga, veio em seguida, em 1980. Carmen S. Rial, “Os charmes dos fast-foods e a globalização cultural”. PPGAS-CFH, UFSC, Antropologia em primeira mão, n. 7, Florianópolis, 1995, p. 5. No Japão o mercado de refeições-rápidas começou a operar em 1970 e no final da década já detinha grande fatia do mercado, “substituindo muitos estabelecimentos tradicionais fornecedores e arroz, peixe e macarrão”. F. M. Lappé, op. cit., p.113.
140 Helena Severo, então Secretária de Cultura da Prefeitura do Rio de Janeiro, idealizou em 1995 o “Centro Cultural de Gastronomia do Brasil”. Neste espaço seria apresentada a arte culinária de diferentes países, atuando assim como um centro de difusão da gastronomia (Helena Severo, citada por Daniela Matta, “Culinária é cultura”, 29/08/95, p.20).
141 Citado por Vanda Célia, “A elite e a cultura”, Correio Braziliense, 13/09/97, p.20.
142 Cláudio de M. Castro e Anna M. Peliano, op. cit. p.203.
143 Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo, Livraria Duas Cidades, 1982, p.157-158.
144 A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. São Paulo, Brasiliense, p.174. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 22
145 “A dietética popular (comida de pobre e comida de rico)”, Revista Saúde em Debate. N.4, 1978, p.50.
146 “Alimentos: entre o funcional, o simbólico e as necessidades básicas”, Tempo e Presença, Ano 14, n.266, nov./dez. 1992, p.21-22.
147 “A trajetória da modernização agrícola: a quem beneficia?” Lua Nova, n.23, março, 1991, p.30-31.
148 Reportagem comentando os dados da última POF, Pesquisa de orçamentos familiares, do IBGE, revela que estes produtos estão cada vez mais restritos ao consumo das famílias de baixa renda. “Mandioca e feijão perdem espaço”, Folha de São Paulo, 25/12/97, p.7. Rodolfo Hoffmann refere que, em parte, a diminuição no consumo de feijão pode ser atribuída à urbanização da população brasileira. Analisando os dados do ENDEF, estudo feito em 1974/1975, verificou que a despesa com feijão nas áreas urbanas, em todos os estratos de renda, era significativamente mais baixa do que nas áreas rurais. Este autor também conclui que, na população urbana, o feijão tem cada vez menos importância dentro do cardápio diário. R. Hoffmann, “A diminuição do consumo de feijão no Brasil”, FSP/USP, s/d, MIMEO.
149 Este aumento é explicado não pelo aumento do consumo, que aliás diminuiu de 1987 a 1996 de 19,9 Kg para 17,4 Kg por habitante ao ano, mas pelo preço que ficou maior com a restrição ao subsídio do trigo. “Pão lidera consumo na mesa do brasileiro”, Folha de São Paulo, 25/12/97, p.6. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 23
150 Segundo Minayo, no processo de conhecimento precisamos levar em conta “o limite de nossa capacidade de objetivação e a certeza de que a ciência se faz numa relação dinâmica entre razão e experiência, e não admite a redução de um termo a outro.” M. C. de Souza Minayo, O Desafio do conhecimento. São Paulo/Rio de Janeiro, Hucitec/ Abrasco, 1983, p.228.
151 E. Hobsbawm, op. cit. p.484.
152 “Para alguns, poder comer carne é uma garantia de cidadania por ser um alimento tido como nobre”. R. W. D. Garcia, op. cit., p. 173. Na pesquisa de Vilaça, comer carne significa comer como gente. A. Vilaça, Comendo como gente. Citado por R. W. D. Garcia, ibid., p.173. Cadernos de Debate, Vol. VI, 1998 24

Autoria de Susana Inez Bleil  como 'O Padrão Alimentar Ocidental: considerações sobre a mudança de hábitos no Brasil' , publicado no Vol. VI/ 1998 da Revista Cadernos de Debate, uma publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, páginas 1-25. Editado e adaptado para ser postado por Leopoldo Costa.

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